sábado, 19 de março de 2011

61 A COMIRRABO na DESMONTAOPAU

A vida econômica com suas contradições, choques brutais, jogadas mirabolantes, busca desenfreada do lucro e tantas e tantos tripanossomos alimentados pela avareza e pela cobiça, lançou um dos seus ciclópicos tentáculos em direção a Pau Doce. Foi, recentemente, inaugurado um imenso desmanche de automóveis (na verdade, tanto manche como desmanche; primeiro desmancham e, depois, mancham) multinacional e tecnológico. Atraídos pela fama, merecida, de independência, autonomia, moititude e liberalismo radical de nossa praia, os administradores desse respeitabilíssimo e conceituado empreendimento escolheram-na como ideal para aterrissarem sem perigo. Dado que aqui as construções são modestas, indo de cabanas, taperas, pequenas casas, bangalozinhos, chalés de madeira, muquifos simpáticos, até, no máximo, a algumas mançõezinhas meia-boca, pequeninonas umas, outras grandesinhas e solares razoavelmente espaçosos, mas nada nas dimensões exigidas para abrigar a desmontadora de automóveis, a escolha recaiu, como não poderia deixar de ser, sobre as belas ruínas do Palácio de D. Pedro. Como vimos antes, o puteiro há muito não funciona mais, tendo deixado na mão (literalmente) ministros, cônegos e generais, sendo que as quengas já são, merecidamente, velhas inquilinas do paraíso celeste. O fabuloso capital envolvido no empreendimento, que não poderia ser mais moderno – já que é oriundo de grandes transações internacionais (não de internações transanais) virtuais e virtuosas, produzidas pelos mais importantes e idôneos paraísos fiscais – e, ao mesmo tempo, também não poderia, o dito capital, ser mais limpo e higiênico – pois é fruto das mais eticamente sofisticadas e tecnologicamente perfeitas lavadoras de dinheiro. Os administradores desse capital, com muita dificuldade, subornaram os insubornáveis membros da família real brasileira, em Petrópolis, que nunca tinham feito a mínima idéia da existência dos escombros de Pau Doce, menos ainda, que tinham algo a ver com eles e, meníssimos ainda, que poderiam representar uns santos trocados pingando nos bolsos da falida aristocracia. Ficaram felicíssimos, pois a pobre família vive hoje, somente, de uns desmilingüidos caraminguás advindos de um laudemiozinho sem-vergonha e da exploração, venda e aluguel de uns poucos escravos remanescentes, produzidos em seu criadeiro escondido na serrana cidade fluminense, que os príncipes arrendam (preferem arrendar) para times de futebol, grupos de pagode e música baiana, para desfiles de escolas de samba e para novelas da Globo. As ruínas, recuperadas em tempo recorde, passaram a abrigar a DESMONTAOPAU (DESMONTAdora Oculta de PAU Doce), com a capacidade instalada de 100 veículos/dia desmanchados integralmente. Além da Unidade Geradora de Peças (o desmanche), há, ainda, o Setor de Recuperação dos Componentes, a estratégica Sessão de Alteração de Números de Chassis e a Produtora de Placas Frias e Novos Documentos. Parte da produção deverá ser comercializada como peças de reposição nos mercados nacional e internacional e a outra metade destinada à parte da planta industrial (que tem vida própria e independente) voltada à montagem de novos veículos (o manche), a MONTANOPPAUMONTAdora NOvos Produtos de PAU Doce. Como estratégia globalizante, está sendo estruturada a SEGURAOPAUSEGURAdora Operacional de PAU Doce – e a ENFIOPAUENtidade FInanceira Operacional de PAU Doce. Ou seja, a linha de produção completa da DESMONTAOPAU: MONTANOPPAU, SEGURAOPAU e ENFIOPAU. Tudo com o devido respaldo dos órgãos fiscalizadores como o Instituto Brasileiro de Resseguros e o Banco Central. Uma escola para formação e aperfeiçoamento dos funcionários de captação de veículos alheios também está nos planos da empresa. A cerimônia de inauguração não foi, de fato, uma cerimônia de inauguração. Foi uma Festa de Arromba de uma semana. Festa de Arromba não é uma mera expressão para descrevê-la, mas o nome oficial da dita festa. Festa de Arromba. Tudo a ver, aliás, com a inauguração de um desmanche clandestino de carros. Erasno Carlos foi o artista convidado para o show principal (“Vejam só que festa de arromba (captchura!) em Pau Doce eu fui encontrar (captchura!), presentes no local trombadinha e trombadão, quem não era punguista era político ou ladrão...” bela adaptação do Erasno!). autoridades às pencas, tanto dos 3 níveis, quanto dos 3 poderes. Todas escamoteadas, todas eufóricas, todas se esbaldando. Nomes falsos, e títulos mais falsos ainda, habitavam os enormes crachás multicoloridos e espalhafatosos. Renomadas companhias de acompanhantes femininas (mistas também), incluindo algumas internacionais como a gigante norte-americana “Scort-girls and Peace”, montaram vetustos prostitutodutos ligando diretamente o Rio e São Paulo a Pau Doce. Deputados nordestinos, com seu português ancestral, e o desespero em se apropriarem de tudo, até mesmo dos brindes mais idiotas, contavam-se às centenas. Senadores, edis municipais, deputados estaduais, juizes, advogados, prefeitos, assessores de tudo o que é imaginável, (e vários inimagináveis), ministros, secretários, militares da reserva, primeiras, segundas e terceiras damas, Pau Doce foi tomado de assalto pela mais completa fauna de predadores do país que se tem notícia. Numa decisão inusitada, nunca antes registrada nos anais da crônica política nacional, foi suspensa a sessão do Congresso Nacional, sob a desculpa de dedetização dos imóveis da Câmara e do Senado. Várias das Assembléias Legislativas Estaduais e centenas de Câmaras de Vereadores seguiram o exemplo de Brasília e, também, contrataram empresas para descupinizar suas sedes, não sem antes votarem a liberação de verbas para a viagem a Pau Doce. O Partido dos Trambiqueiros, o Partido dos Solidários com os Devedores Brasileiros, O Partido Tô na Boquinha, o Partido dos Dinossauros Trogloditas, o Partido Sempre Baratinho e Partido da Partilha foram alguns dos que enviaram alcatéias de representantes. Na medida em que as manadas de políticos iam adentrando no Pau, ainda nas proximidades da Rio-Santos, eram recebidas festivamente pela COMIRRABOCOMIssão de Recepção da RApaziada BOazuda – na qual se destacavam centenas de bem fornidas meretutas e prostitrizes, convenientemente, vestidas com um colar havaiano e sandálias de salto 12. A cada convidado era entregue, além do colar de uma das recatadas funcionárias (o que a deixava apenas com os pés cobertos – para azar dos pedólatras), um kit-cidadão com peruca, barba e bigode postiços, óculos escuros, o mega-crachá, tubos de lança-perfume, vaselina em spray e repelente de mosquitos. Durante toda uma semana, Pau Doce viveu uma orgia de discursos improvisados, com incríveis propostas sobre o nada e a coisa-nenhuma, de discussões, de debates, de disputas verbais sobre os mesmíssimos temas dos discursos. Tornou-se, ainda, o maior bordel a céu aberto do planeta e, com tantos políticos reunidos, foi superado o recorde mundial de bateção de carteiras. Foi possível, no entanto, perceber que esse tipo de furto, nunca antes aqui registrado, é muito menos deletério do que se pode imaginar, já que funciona como excelente remédio contra o estresse e não tem efeitos práticos, pois como todos roubam a todos sempre que podem, tudo termina empatado. Finda a semana, com a volta da paz a Pau Doce, era hora da DESMONTAOPAU começar a funcionar. Não funcionou no primeiro dia. Tentaram no segundo. Nada. Nem no terceiro, no quarto, quinto... Após quinze dias, a saída encontrada pelos dirigentes foi fechar o empreendimento e ir embora daqui. A mão-de-obra operária, necessária para mover toda a estrutura, seria recrutada em Pau Doce. Não conseguiram um só que quisesse trabalhar. Viva Pau Doce!.

segunda-feira, 14 de março de 2011

60 Síndrome de Abstinência Alcoólica: o mal supremo

Num gesto de tresloucado desprendimento e de desesperada manifestação de amor ao próximo, o cerne da cidadania de Pau Doce, aquela eterna meia-dúzia de três ou quatro, resolveu juntar os cacarecos culturais, que cada membro (membro no sentido mais desmembrado possível) tem espalhado pela casa e montar um sebo. Não, jumentil leitor, não é montar num pau de sebo (inclusive porque aqui todo pau é doce e não de sebo). É montar um se-bo, uma venda de livros usados. Sebo de livros, mas que aceitará LP, 78 e 33 rotações, CDs e toda e qualquer bugiganga espírito-alimentícia. Acima de tudo, de livros. Não um sebo qualquer, desses que andam por aí, em tudo o que é cidade, mendigando moedas em troca de deploráveis brochuras (na verdade, toda brochura é deplorável). Será um seboneficente, que terá como objetivo levantar fundos para a criação e manutenção da Casa de Apoio ao Abstêmio Inveterado. Essa casa, que ainda não existe, é um projeto tão fabuloso e meritocrático, que o simples lançamento da idéia foi suficiente para suscitar o envio à Academia Sueca de 213 solicitações para que ele (o projeto) concorra ao Prêmio Nobel da Paz do próximo ano. A idéia é dar todo o amparo ao infeliz abstêmio, possibilitando a ele um tratamento que atue, com eficácia, sobre as verdadeiras e terríveis causas de seu doloroso vício, através de equipes de psicólogos e psiquiatras de alto cortuno, com vasta experiência na ação terapêutica contra essa avassaladora e desumana enfermidade. Recentes pesquisas efetuadas pelo Centro Internacional de Investigação da SÍNdrome de ABstinência AlcoÓLICA (SINABÓLICA – CID 1 327 434), financiadas com verbas a fundo perdido doadas por várias, isentíssimas, organizações de produtores de bebidas, todas de ilibado conceito – como a Associação dos Produtores de Whisky da Escócia, Irlanda e Paraguai, a Entidade de Defesa dos Vinicultores da França, de Portugal, da Itália e de São Roque, o Sindicato dos Confeccionadores de Caipirinha e Rabo-de-Galo e a União dos Multiplicadores de Fórmulas Químicas para o Mercado Informal (preconceituosamente chamado de “negro”) conseguiram detectar várias causas geradoras da SINABÓLICA: tara paterna incontrolável, desestruturação do cromossomo “G”, responsável pelo desenvolvimento da vocação etílica, vital para a formação aperfeiçoada do ser humano, problemas de flexibilização na infância, provocados pela convivência com adultos acometidos de hiperconservadorismo e religiosidade mórbida. O fato, que não deixa de ser doloroso, é que somente dentro de alguns anos (10 a 15, quem sabe?) será possível pensar em um tratamento seguro contra o problema da abstinência alcoólica compulsiva, provavelmente. Já há no mercado um produto alopático destinado a reduzir a resistência intelectual ao álcool, porém, (é importante que neste tipo de assunto se use a maior honestidade) ainda não liberado pelo Ministério da Saúde, mas usado em larga escala, que atende pelo nome de TOCOABOCANABIRITEX A4. Esse excelente produto tem contra si, não apenas essa não autorização, mas o alto custo e a complexidade do tratamento: na primeira fase são necessárias 2800 drágeas (enormes) de 230 ml que devem ser ingeridas, de meia em meia hora, 28 vezes seguidas ao dia (por exemplo: das 8 da manhã às 21 hs, sem falhar nenhuma). O TOCOABOCANABIRITEX A4 é um composto formado por 9 destilados e 5 fermentados, com um veículo integrador à base de chuchu africano. A SINABÓLICA é uma dessas desgraças que se abateram sobre o ser humano moderno, não havendo noticias de que os heróis gregos fossem abstêmios, ou os 12 apóstolos, ou os monges medievais, ou os filósofos de qualquer época, sendo certo que antes da era moderna todo mundo enchia a caveira até chamar urubu de meu loro. A CID 1 327 434 é, em tudo, semelhante às doenças degenerativas do cérebro, como os Males inventados pelos Irmãos Alzheimer e Parkinson (a invenção, concomitante, dessas duas doenças é um caso raro na história da medicina. Segundo os registros do Centro de Atendimento a Doentes Candidatos a Óbito do Hospital Regional de Manfredônia Renal (do Rio Reno), os irmãos Alzheimer e Parkinson Schultz eram trambiqueiros do mais alto calibre. Seus golpes eram tantos, suas maracutaias tão absurdas, que a população da pacata cidade adormecida às margens do Rio Reno, antes de sua desembocadura no Sena e logo após receber as barrentas águas (desembocamole) do Danúbio, numa revolta inusitada tentou linchá-los. Socorridos pela meganha local, foram levados à delegacia. Lá, instados pelo delegado a assinar uma confissão de culpa (o que os obrigaria a devolver muitos milhões de marcos e asseguraria uma longa hospedagem no presídio de Auschwitz) a dupla passou a demonstrar comportamentos estranhíssimos: enquanto Alzheimer fingia não entender nada do que se passava, nem quem era ou tinha sido, Parkinson, por sua vez, foi acometido de um fortíssimo tremor em ambas as mãos, que o impedia de assinar o que quer que fosse. Levados às pressas ao hospital, foram internados e seus casos, minuciosamente estudados, possibilitando o registro e a catalogação dessas duas novas enfermidades que, sendo hoje reais, nasceram de um engodo). Denúncias gravíssimas, de casos absolutamente revoltantes, têm chegado até a Comissão Organizadora do Seboneficente: trata-se de pais ou responsáveis por crianças e adolescentes em plena formação de suas personalidades, que, na frente dos menores, sem qualquer pudor ou constrangimento, adotam atitudes contrárias à sadia ingestão de bebidas alcoólicas por adultos. Essas pobres crianças são candidatas, em potencial, a desenvolverem a Síndrome de Abstinência Alcoólica. A COMI-SEBO está tentando, junto às autoridades policiais e judiciárias de São Sebastião, uma drástica apuração das denúncias e, se confirmadas, uma radical solução para o caso. Voltando ao Sebo, nós estamos entusiasmados. De início, achamos que a idéia era como macarronada sem queijo, ou pior, como sanduíche sem pão: fadada a morrer no útero. Não porque não fosse boa. Ao contrário, era boíssima, quase ótima. Mas, por que, se era tão boa, não daria certo? Estará se perguntando o desconectado e cefalovacuóide leitor. O problema não estava na proposta e sim na previsível falta de estoque para ensebar o Sebo. Achávamos que, juntando as mixórdias de cada um, não daria para encher uma mochila de aluno de pré-escola. Ledoenganosidade! Ficamos boquiabertos e manofechados quando vimos ir fluindo, aparecendo, pipocando obras valiosíssimas e inestimáveis, lamentavelmente semideterioradas (a maioria) pelo uso indevido, ou porque haviam servido, por anos, como pé de poltrona, ou porta-copo eventual, ou, ainda, como abanador de carvão ou lenha de fogão. Para que o parvo leitor possa avaliar (já que sonhar não é proibido) o tesouro oferecido ao Sebo, citarei, apenas, uma pequena parte do acervo:
-“A Bíblia Muçulmana ilustrada por Carlos Zéfiro”,
-“A Neves diz que eles manjaram” (estupenda tradução feita por Adilson Maguila do famoso romance “As neves do Kilimandjaro”),
-“Seja um personal-torturer moderno: açoites eletrônicos, pau-de-araras virtuais e telefones telepáticos”,
-“Vida e obra de Joãozinho-mija-pra-traz”,
-“Curso prático, em três aulas, do idioma ciríaco”,
-“Vida, paixão, conversão e martírio de São Fernando Collor de Mello, protetor dos emergentes e novos-ricos”,
-“O resgate dos injustiçados – correção histórica de uma discriminação: o cinema mudo também era surdo”,
-“Dicionário da elite – especializado em termos pedantes, esnobes e inúteis”,
-“Masturbação onírica – técnicas masturbatórias revolucionárias para deficientes manuais”,
-“Antes tarde do que nunca – saída do armário histórico dos quatro grandes gays enrustidos: Cabral, Titadentes, Caxias e Lampião”,
-“Você transaria com a Vovó Donalda? Testes vocacionais e de personalidade”,
-“Como comes? Como como como!”,
-“A estrepitosa vida sexual de São Casto da Virgindade em sua pregressa encarnação como Senador Fudencius Orgíacus Bacanalis”,
-“A nova educação brasileira resgatando a cidadania: o professor analfabeto”,
-“Esqueça, olvide, deslembre – as modernas técnicas de governança”,
-“O pênis inútil – manual de psicologia para o novo homem”,
-“Não dependa dos médicos,: opere-se você mesmo”,
-“Por que o Juiz de Direito é uma animal em extinção?”,
-“A teoria da involução – novas pesquisas antropológicas provam que homem voltará a ser macaco”,
-“A escovação dental aumenta o risco de câncer no pâncreas”,
-“O poder curativo do rabo da lagartixa”,
-“Gestação e amamentação masculina: o futuro chegou”,
-“Jiló e rapadura: 1000 receitas criativas com os dois ingredientes básicos da cozinha nordestina”,
-“A pedagogia dos pequenos furtos: como integrar o adolescente na sociedade moderna”.
Bom, acho que nos próximos anos – não mais do que 8 ou 9 – conseguiremos a disposição necessária para arrumarmos adequadamente os livros e outras doações para iniciarmos o funcionamento do Sebo. O atendimento aos pobres abstêmios estará, então, assegurado e esse terrível vício será tratado como merece. Salute!

quarta-feira, 9 de março de 2011

59 Paudocês na ponta da língua

Muito temos discutido, ultimamente, sobre o Paudocês. Você, ignaro leitor, com a incompetentividade que lhe é peculiar, poderá estar achando que nós não temos nada que nos meter nesse tipo assunto. Axioma totalmente falso, digamos, sofisma primário. Os mais eminentes filólogos do Paudocês (nóis) temos nos perguntado: o que pode ser mais incisivo, ereto e penetrante do que o Paudocês? No início de nossos debates, notamos um certo constrangimento, sobretudo da parte dos participantes mais acaipirados, oriundos dos grotões do atraso, de regiões ignotas e semiperdidas, fins-de-mundo, onde só sobrevivem os insetos mais peçonhentos, os animais mais agrestes e os humanos mais rústicos. Gente boa, mas carente de uma mínima dentição do espírito, os conhecidos “banguelas culturais”. Regiões inóspitas e despovoadas como Campinas, Bauru, Presidente Prudente, Atibaia, São Carlos, Araraquara, Ribeirão Preto, Sorocaba. Demorou para que percebêssemos a razão dos caipirões se mostrarem tão constrangidos. A ficha só caiu, definitivamente, quando um dos sertanejos, no meio de um acalorado debate disse, quase gritando: “Paudocês uma ova, queru vê ocês falarem amodi o Paumeu!” Quando aquela voz roufenha e desarticulada pronunciou a palavra “Paumeu”, com uma entonação de desafio e agressividade, entendemos tudo. Foram necessárias três reuniões, de quatro horas cada uma, para explicar aos matutos que Paudocês não era “Pau d’ocês” (Pênis Vosso ou Pinto Alheio) e sim, o idioma falado em Pau Doce. Que aqui a língua não é, exatamente, o português, mas algo diferente, mais criativa, mais sofisticada, muito mais elaborada. Segundo os Paudoçólogos, o Paudocês é um idioma classificado como o nível 1 pela “Escala de Surdeviski e Mudezts”. Essa escala posiciona as línguas pelos critérios de sofisticação e qualidade, numa variância que vai de 100 – para as mais toscas, primárias e desarticuladas – a 1 – para as mais complexas e aperfeiçoadas. Para que o leitor possa ter uma idéia (o que reconheço ser muito difícil) o inglês tem a classificação 99, só perdendo para a “Língua do Pê”, já que é um idioma bárbaro, primaríssimo, semibalbuciante. Outras classificações de línguas bastante conhecidas: o pushtu tem a posição 91, o tâmil, 83, o ovimbundu, 77, o farsi, 74, o grego moderno, 72, o bariba, 66, o fon, 61, o setswana, 59, o mossi, 54, o swahili, 50, o náuatle, 45, o amárico, 42, o cebuano, 38, o tualog, 34, o iloco, 30, o ifugao, 29, o malinka, 25, o abkhaz, 22, o soussou, 19, o fang, 15, o bubi, 13 e o gujarati, 9. Os cinco primeiro lugares são ocupados pelos mais perfeitos idiomas criados pelo homem: 5º- mandarim, 4°- indu, 3º- grego antigo, 2º- latim e, no primeiríssimo lugar, o Paudocês. A perfeição da língua de Pau Doce é tal que, na maioria das vezes, permite a comunicação (perfeita) apenas por monossílabos (só!, tá, tó, tô, ti...) e, outras tantas (vezes), bastam grunhidos articulados engastados em situações/momentos de inconsciência etílica, funcionando como relação cognitiva telepática (Pruuuuhh... Srruuu... Arghhh... Brruuuss... Miineeemiiii... Pffrruuu... Ssniiiiss...). Os gramáticos do Paudocês, ou seja, os que tiram o Paudocês para fora, do seu nicho interior, colocando, com cuidado e delicadeza, o Paudocês na boca. Colocando o Paudocês na boca? Estará se perguntando, de boca aberta, o parviíssimo leitor (um puta pudico). Na boca, claro. Colocando o Paudocês na boca das mulheres e até na boca dos homens. Ensinando-os a conhecer o Paudocês em seus mais íntimos detalhes, não só na sua aparência externa, mas também em sua estrutura interior. Enquanto outros idiomas (que mais propriamente deveriam ser chamados de idiotomas) primam pela objetividade, a ponto de serem registrados em dicionários – o máximo da objetividade obtusa – o Paudocês é totalmente subjetivo, já que cada indivíduo paudocesófono cria as palavras, com os significados correspondentes, ao seu bel-prazer. Impossível, então, um dicionário de Paudocês. Seriam necessários tantos tipos de dicionários quantos fossem os falantes. Apesar dessa total subjetividade, o Paudocês é belo, é forte, impávido colosso. Seus verbos, ao invés das minguadíssimas e ridículas cinco conjugações do português, tem infinitas possibilidades conjugacionais, que podem ser convertidas em apenas uma e, mais comumente, em nenhuma. Outra interessante idiossincrasia é que os substantivos não têm substância, como, aliás, deveria ocorrer com todos os outros idiomas, ao menos com os que são considerados sérios e respeitados. Nela, os adjetivos funcionam como pronomes, os quais têm a missão de advérbios, que atuam como conjunções, que, por sua vez, substituem as preposições, que, na realidade, são artigos. Mas, talvez, sua marca maior e determinante, seja o fato do Paudocês não possuir voz ativa (em especial no gênero masculino), sendo totalmente, dominado pela voz passiva, como, aliás, ocorre com tudo o que é de Pau Doce. A questão da acentuação também deve ser destacada. Todo acento do Paudocês é tônico e todo tônico, por lei deve ter graduação alcoólica mínima de 18 graus. Já a estrutura da palavra paudocesa é sofisticadíssima, compreendendo, fonema, morfema, estratagema e siriema. As figuras de sintaxe, além das 11 normais (elipse, zeugma, pleonasmo, hipérbato, anástrofe, prolepse, sínquise, assíndeto, polissíndeto, anacoluto e silepse) possui outras 49, das quais a senvergonhetse, a masturbazeugna, a desmunhequieuze, a babacoluta e o filhodapústrofe são as mais utilizadas. Concluindo esta filológica reflexão, constatamos que se o Paudocês é uma língua, e se o lugar da língua é no interior da boca, o ideal é colocar o Paudocês, lá, inteirinho, bonitinho, dentro da boca. Na minha não, violão!

sábado, 5 de março de 2011

58 Venha a nós o vo$$o reino

Pau Doce tem uma nova coqueluche: aterrissou aqui o messias de uma nova religião. Responde pelo pomposo nome de Néstor Alejandro VIcente FIdel Tabaré CHAvez da SILva, ou NAVIFITCHASIL I. Atribui-se a si próprio, poderes infernalmente divinos e afirma ser a encarnação reincarnada, via metempsicose/osmose/osteoporose, dos antidiluvianos faraós egípcios: Nestor Kirshnofis III, Alejandro Toledmés XVII, Vicente Foxaton IX, Fidel Castrusil 0, Tabaré Vascamon V, Hugotsil Chaves XXXII e Lulanotep da Silva VI. Segundo informações atribuídas ao Sindicato do Mercado Negro Internacional de Múmias Autênticas e Seminovas, NAVIFITCHASIL I tem em seu poder os restos mumificados dos seus sete alegados antepassados. São múmias de alto valor comercial pelo excelente estado de conservação (em se tratando de múmias, obviamente) e por serem exemplares do início da Primeira Dinastia (3100 a. C), época em que os mandatários não tinham a mínima idéia do que era governar, tendo passado à História como protótipos da comicidade política, misturando ingenuidade, inexperiência, experimentalismo infantil, improvisação, insegurança escamoteada e, sobretudo, deslumbramento pelo poder. Conta a lenda que Néstor Kirshnofis III governou como se o Egito fosse um império de corruptos, sempre prontos a mamar nas tetas do estado e arruaceiros que, ao invés de trabalhar, passavam a vida fazendo protestos, piquetes e panelaços. Aos impérios vizinhos dedicou desdém e asco. Caloteiro como ele só, nunca pagava as dívidas, as suas e as do seu governo. Os seres de que mais gostava, dizem, eram os pingüins, animais inexistentes no Egito e que eram trazidos do pólo sul para habitar os seus palácios. Afirmam alguns mumiólogos, que estudaram como poderia ter sido sua fisionomia, que essa predileção talvez se devesse à sua extrema semelhança física com essas personalíssimas aves. Alejandro Toledmés XVII, em seu curto reinado, adotou como animal oficial (sempre havia um animal oficial) o peru. Segundo biógrafos conceituados deste faraozinho de baixa estatura, sua adoração peruana chegou ao ponto dele proibir o popularíssimo consumo do emplumado animal nos dias de Natal, (para o bem da verdade, naqueles longínquos dias pré-piramidais, todo dia era dia de Natal. Como hoje, aliás) punindo os infratores com a morte por afogamento (daí a origem da expressão “afogando o peru, que, muito mais tarde, evoluiu para “afogando o ganso”). Vicente Foxaton IX reinou à sombra de um irmão seu, George W Bushonotep II, rei dos Estados Unidos da Amacedônia do Norte, poderoso, inculto e arrogante. O alcoolismo atávico e a religiosidade mórbida de Bushonotep faziam-no delirar diuturnamente e ser acometido de visões apocalípticas, entre as quais, a de que os egícios pobres (conhecidos por cucarachas), aos milhares, invadiam os EUA para tomar os empregos de seus súditos, com a agravante de tentar infiltrar em seu território o facínora petrolífero Osama Bin Lademcamom e seus barbudos asseclas. Pobre Foxotan, sequer podia respirar livremente sem a apurrinhação do seu irmão do norte. Fidel Castrusil 0 foi um faraó em tudo faraônico. A começar pela dupla duração de seu reinado: foi o mais duro e o que mais durou. Autênticos papiros paraguaios do Antigo Egito calculam a longevidade do faraonato de Catrusil 0 em 1213 anos (mais de mil anos sem sair de cima). Mumificado em vida, governou por séculos de dentro de seu sarcófago-leito do qual só saia para inaugurações oficiais, viagens internacionais e execuções paredonais. Diferentemente de seus antecessores e sucessores, que usavam as roupas egípcias comuns aos incomuns (elite), Castrusil vestia-se, sempre, com fardamento militar, numa antecipação milagrosa de uma moda que só viria a acontecer quase cinco mil anos mais tarde, tendo sido antiquado e cafona por antecipação. Segundo alguns estudiosos, o provecto faraó recusou-se, terminantemente, a morrer, sendo a única das múmias de NAVIFITCHASIL I, a continuar viva, e a quem são servidos, todos os dias, vigorosas doses de rum e enormes charutos, importantes agentes ativos de remumificação. Tabaré Vascamon V reinou num momento em que o Egito viera de uma longa seqüência de faraós de direita, de semi-extrema direita e de extrema-direita tresloucada. Quando muito jovem, pegara em armas contra alguns desses governantes que costumavam agir com mãos-de-ferro e pés-de-barro. Tendo adormecido por algumas décadas, acordou achando que tanto o seu reino, como o mundo todo, ainda eram os mesmos do que quando pegara no sono. Para seu azar, não eram! Hugotsil Chaves XXXII foi um faraó fanfarrão e macarroneador (seja lá o que macarroneador queira dizer). Tentou dar um golpe na velha e boa oligarquia sumo-sacerdotal e esta, unindo-se à dos meios de comunicação verbal e aos militares tribais, retribuiu com um contra-golpe. Hugotsil conseguiu reequilibrar-se, mas por pouco, muito pouco, pouco mesmo não foi tragado pelo Nilo, indo servir de alimento às famosas piranhas do Egito (que não são meretrizes egípcias como muita gente pensa). Lulanotep, dinossáurico líder sindical, organizou os operários que trabalhavam na construção das pirâmides do ABC (região operária do Antigo Egito) e fundou o PT (Partido Tamarista) que uniu os coletores de tâmaras em torno de sua luta por melhores condições de trabalho (“mais cama e menos tâmara ou mais câmara e menos tama”). Com muita determinação - apesar de ter perdido parte de um dedo em sua labuta meta-lúdica (colher tâmaras para ele era brinquedo) e ser chamado por concorrentes e pela nobreza de “sapo barbudo” (o sapo era sabidamente um animal amaldiçoado no Antigo Egito e usar barba era próprio dos salteadores, sicários e portadores de HIV) - de tanto tentar, da Silva tornou-se Lulanotep VI. Reinou ao lado da Rainha Marisis, a Deslumbrada, tendo predileção especial por peladas, churrascões (camelo assado na brasa) e por pronunciamentos improvisados, ocasiões (freqüentíssimas) em que, tomado por espíritos profundos, proferia lições de vida e dava aulas de administração pública, prenhes de metáforas cuja chulice e primariedade jamais foram encontradas iguais, até mesmo nos textos sagrados ou nos escritos dos sábios metafóricos. NAVIFITCHASIL I, protegido por tal plêiade de semi-divindades, escudado em seus ensinamentos e inspirado em suas biografias, fundou sua definitiva seita: a seita “Aceita-se Tudo”, também conhecida como a religião “Arre, Ligião!” (Ligião é a amante oficial do supra-sumo-sacerdote). Seus principais dogmas são: Deus não existe, sequer o bem existe. Não existindo o bem, não existem, também, o mal e o demônio. O ser supremo, a ser cultuado e adorado é o Dinheiro. Por essa razão, ele é tão misterioso, tantos tentam entendê-lo, definí-lo e explicá-lo, sem sucesso. Quem cria os automóveis, os aviões e os computadores? Ele. E as cidades, as rodovias e as fazendas? Também Ele. Do mesmo modo, de forma que ainda não alcançamos entender, Ele criou a vida, o homem, o universo e tudo o que nele existe. É considerado sagrado, na “Arre, Ligião!”, todo aquele esforço que vise produzir e reproduzir a divindade. Assim, toda ação objetivadora de aquisição e multiplicação do dinheiro é santa: um assassinato, um roubo, uma doação, um sacrifício, a prática sexual, sempre e quando tenham por finalidade o lucro. O sexo não pecuniário é totalmente neutro. Outros dogmas: whisky, só escocês; charuto, só cubano. Acho que NAVIFITCHAVIL I acertou em cheio vindo pra cá: Pau Doce vai ser a Roma e a Meca da “Arre, Ligião!”. Tô nessa, Navi!

domingo, 27 de fevereiro de 2011

57 Queridos hermanos de Tiento Dulce

Esta semana foi aberta mais uma casa noturna aqui em Pau Doce (casa noturna, evidentemente, é um pleonasmo, já que aqui todas as casas são noturnas). O maior estardalhaço, o maior buchicho, o maior perepepê. Situada num centro de excelência do prazer (outro pleonasmo paudocense) no famoso beco que leva o nome do grande navegador espanhol – que ficou muito mais famoso por suas estratégicas, constantes e desesperadas retiradas (fugas, na verdade) do que por suas incursões, empreendimentos ou ataques – Juan Albendía Réia, el Cagon. O novo local define-se pelo próprio nome “Tango no Réia”. Uma casa para cultuar-se a eterna música portenha. O tango imortal. O tango, que segundo Leopoldo Lugones é um “réptil de lupanar” e que para Enrique Santos Discépolo é “um sentimento triste que se dança”. Agora, em Pau Doce, neste calor que, às vezes, derrete até os postes, poderemos, todas as noites, dançar um triste sentimento e, ao mesmo tempo, saudar cavalheirescamente: “Olá Réptil de Lupanar!” O Tango no Réia é uma casa especial! Verdadeira: com suas dezenas de falsas prostitutas (umas verdadeiras putas), que cobram, pela tabela, 2 reais por programa, já incluído nele 10 tangos bailados. Há falsos “compadritos” com suas absurdas costeletas, seus terninhos justos e chapéu milongueiro. Ah! Não esquecer as navalhas. Todos portam sevilhanas ostensivas (falsas, naturalmente). Há uma maravilhosa orquestra falsa, com 21 excelentes falsos músicos. Sem falar no sexteto de cantores (3 homens e 3 mulheres, todos falsíssimos). Enfim, uma verdadeira casa de tangos, onde tudo deve ser falso. A decoração, extraordinária, tem seu principal destaque nos belos quadros a óleo, retratando o universo tangueiro. Uma certa atemporalidade presidiu a escolha dos retratados: ícones do inicio do tango, como Gardel e Le Pera convivem com nomes um pouco mais novos como Julio Sosa e Piazzolla, havendo espaço para ídolos externos à rubrica musical como é o caso do enorme quadro que tenta reproduzir parte da antiga obesidade maradonística. A noite de inauguração foi apoteótica (ainda que, ao amanhecer do dia seguinte, uns afirmassem que fora apetoética, outros discordavam definindo-a como apateótica e, outros ainda, ipotaítica e opeotática. Foi apoteose para todos os fogos). Pau Doce inteiro foi vestido a caráter: toda mulher era uma autêntica prostituta e toda prostituta uma autêntica mulher. Os homens, sem exceção, eram cafajestes despudorados. Ou seja, Pau Doce continuou como sempre foi e, se Deus quiser, como sempre será. A música oficial, claro, era o tango, só o tango e apenas o tango. Espanhol, o idioma. Faixas com frases de confraternização e amizade, todas em espanhol, foram estendidas e amarradas por todo lado. Algumas diziam: “Todo brasileño es puto y maricón”; “Um batido de dos brasileños en una licuadora resulta en un lindo jugo de mierda", "Los próceres de Brasil son gorilas anencefalicos”; “Lula es trolo”; La mas cara mujer de Brasil la pagamos con veinte pesos”; “El mejor producto brasileño es el analfabeto”; “Pelé es monaguillo, Maradona Diós”. Lindas, enormes, coloridas. Todos acharam as faixas maravilhosas apesar da maioria não entender as mensagens de amor e congraçamento nelas escritas por não conhecer o idioma de nossos queridos irmãos. Por causa dessa solidariedade toda, muitos resolveram fantasiar-se para retribuir ao carinho dos visitantes: Piroco, o Vesguinho, vestiu-se de Kirshiner. Bacuri, the stupid, criou um Perón perfeito. Secundão, o Beso (não confundir com El Beso), 210 quilos, Rei Momo vitalício, não podia ser outro que não Maradona. Sandro, o Gilete, foi de Gardel. E tivemos ainda Evita, Lopes Rega, Duhalde, Isabelita, Menen, Fangio, Mario Kemps, Mercedes Sosa e mais, aproximadamente, 73 personagens platinos fidedignamente reproduzidos. O maior problema da noite, totalmente inesperado, foi causado pela vinda, ao Tango no Réia, de muitos desses personagens, os autênticos. Foi uma total confusão. Com exceção dos já falecidos e dos ausentes, não havia como distinguir, nas duplas presentes, quem era o verdadeiro e quem era a imitação. A comitiva do presidente argentino, depois de meia-hora de festa, já não sabia mais a quem custodiar. Os acessores e seguranças, para evitar com segurança os acessores assediadores, decidiram dividir-se, por via das dúvidas, em duas sub-comitivas. Uma ficava de olho no gato e a outra na sardinha. Exatamente como Kirshiner. (Crestina ainda nãoi havia assumido). Com Maradona ocorreu o seguinte: quando Diego deu de cara com o Segundão, ficou possesso. Era como se estivesse olhando para um espelho, sem espelho. Tudo igual. Os mesmos 210 quilos, a mesma camisa 10, o mesmo boné para trás, a mesma expressão arrogante, a mesma barriga panorâmica. Resolveu partir pra briga. Ao agarrar o clone, deu-se conta da burrice que havia cometido. Não havia mais como saber quem era ele e quem era o falso. Um gritava que ele era ele e o outro dizia que não, que quem era ele era ele. Falava, um, dos times nos quais jogou, dos gols que fez, dos campeonatos que ganhou, dos amigos que comeu, das mulheres que conquistou. Tudo em vão, já que o outro repetia o mesmo currículo e com mais detalhes. Já estavam, os 420 quilos, completamente exauridos, quando um dos amigos do verdadeiro, propôs uma prova irrefutável, uma façanha que só o autêntico Maradona poderia realizar. Colocariam 2 carreiras de pó, paralelas, de uns 200 metros cada uma, perfazendo todo o percurso, do início do Beco J. A. Réia terminando dentro da casa de tangos. A um sinal, os dois começariam a cheirar. No mundo, só Maradona conseguiria detonar essa quantidade. Aquele que conseguisse chegar ao fim provaria ser o verdadeiro e o que caísse desmaiado, em coma ou morto seria o impostor. Aprovada a proposta, estocada a maldita (levou quase 15 minutos para se conseguir juntar tantos e tantos quilos), esticadas as carreiras, foi preciso postergar o início da disputa por duas horas, dada a quantidade de apostadores que começou a surgir de todos os lados, assim que a notícia se espalhou. Os dois tiveram que ser identificados com os números 1 e 2 para viabilizar as apostas. Foi quase impossível contê-los, tão desesperados ficaram quando viram todo aquele pó à disposição. Dado o sinal de largada, os dois passaram a aspirar e fungar furiosamente. O público delirava só com as emanações. Mais de mil espectadores gritavam incentivando o seu preferido. Vinte minutos depois, surpresa total: os dois chegaram empatados. Haviam consumido, cada um, 10 quilos da pura e ainda queriam mais. Os amigos e organizadores se deram por vencidos. No dia seguinte, a saída foi tirar a sorte. O vencedor voltou para Buenos Aires. Nós estamos desconfiados que o Segundão foi embora e vamos ter que aguentar um Rei Momo que só fala espanhol. Carajo!

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

56 Com plexo de Édipo

Querida mamãe, estou escrevendo pra você porque estou muito carente. Você sabe que esse meu sentimento não é nenhuma novidade. Nem nunca foi. Você me dizia que desde que engravidou, passou a sentir que uma força interna a sugava avassaladora e completamente. Essa sucção constante durou os nove meses. Depois do parto, muito aliviada, você percebeu que o sugador era aquela coisinha pequena, quase só uma enorme boca chorante. Quanto mais eu chorava, mais você sumia. Contratou babá, aia, mucama, enfermeira e mais uma trempa de auxiliares e substitutas. Contaram-me que você nunca me pegou no colo, o que você sempre negou, já que uma vez por ano, no dia do meu aniversário, você me segurava para tirar a foto oficial. Você sempre me disse que não me pegava no colo, no dia a dia, porque seu bruxo particular dizia que essa proximidade excessiva iria me dar azar. Isso se repetiu até que eu fizesse quatro anos. Foi uma época maravilhosa, pois, de vez em quando, eu podia ver você. Depois do meu quarto aniversário, você sumiu por completo. (Assim uma das mucamas-de-leite me contou mais tarde, 12 anos depois, quando você a demitiu por justa causa alegando que eu ainda necessitava de leite do peito e que o dela já secara (apesar de eu ainda continuar mamando nela). Estava muito despeitada (não é trocadilho, mamãe) e passou a falar mal de você pra mim. Claro que eu não acreditei em nada do que ela me falou). Bom, você sumiu, mas não sumiu, claro. Mantinha-se sempre em contato, pagando as despesas através da babá-presidente e provia tudo o que eu necessitava. Não sei porque eu, ainda, continuava carente. Mas, o fato é que eu continuava. E como! Os seus presentes foram sempre maravilhosos, caros, exclusivos e eu ficava imaginando você os escolhendo e comprando-os para mim em Paris, em Roma, em Nova York. A mucama me disse, durante o processo, que não era você que os comprava. Que você havia contratado uma empresa especializada em comprar presentes para filhos carentes de mães ausentes. É claro que não acreditei nela de novo. Uma linguaruda e mentirosa! Ela, para tentar me convencer e me envenenar contra você, me disse: “Você não lembra que quando fez cinco anos ela mandou um computadorzinho de bolso, aos sete anos, uma bola quadrada para bebê, que aos dez anos ela enviou uma enorme e rica coleção de livros só com desenhos e gravuras, sem nenhuma legenda e aos catorze, um guarda-roupa completo, (incluindo sapatos de salto e bujuterias) para você usar em seu baile de debutante, no ano seguinte; o vestido da noite principal era um luxo! Depois, alguém deve ter percebido o fora e, aí trocaram tudo isso por uma pistola automática calibre 12, uma moto tipo Vespa e uma passagem para a Disney. Lembra ou não lembra? Você tem todas as fotos”. Mamãe, tenho absoluta certeza de que você tem uma explicação para todos esses presentes, só não teve tempo de me contar. Quando fiz dezesseis anos, você reapareceu. Linda e deslumbrante. Já havia se casado 23 vezes e estava, momentaneamente, desocupada. Foi aí que você conheceu a Teus. E converteu-se a ele. Lembro-me, como se fosse hoje, que você me dizia, extasiada: “Teus é soberano! Teus é justo! Teus é verdadeiro! Teus é todo poderoso! Teus é fiel.” Que beleza! Eu ficava maravilhado vendo até onde chegava sua adoração por ele. Claro que eu ficava feliz, mas, no fundo, no fundo, minha carência aumentava e aumentava e aumentava. Sua primeira relação com Teus durou pouco, coisa de duas semanas. Aí você desapareceu outra vez, apaixonada, agora, por um palhaço de circo. Excursionou com o circo por um ano e meio, mundo afora. Quando fiz dezoito, a meu pedido (não foi fácil localizar o circo, que, àquela altura, estava em Pequim) você mandou um telegrama a Teus e graças a ele me livrei do Exército; apesar do seu rompimento, ele nunca virou as costas para você. Teus nunca vira as costas pra ninguém. A cada dia que passava, eu sentia mais a sua falta. Depois de se cansar das viagens e das palhaçadas, você voltou e Teus convenceu-a a ficar em São Paulo, por um tempo. Durante os três anos seguintes, foi ótimo, pois nós almoçamos juntos quatro vezes. Pena que sempre com tanta gente junto e com a maioria disputando sua atenção. Quando completei vinte um anos, você me deu dois carros de uma vez. Lindos! Chiquérrimos! Mas, eu já possuía a Mercedinha dos dezoito anos e a Masseratti dos dezenove. Sinceramente, mamãe? Eu nunca usava nenhum dos quatro. O que eu mais gostava era sair de bicicleta. Aquele vento no rosto, quando eu descia a Ladeira Porto Geral sem breque, dava-me uma sensação de aconchego e segurança enormes. Passava, depois, dois ou três dias (ou meses) internado e comprava uma bicicleta nova. Foi assim que fraturei 13 vezes o fêmur direito, (o esquerdo, por incrível que pareça, só duas), a bacia, 23 vezes, os braços, ambos, perdi a conta depois da 41ª vez. Dos 17 traumatismos cranianos, só 5 ou 6 foram, de fato, muito graves, com direito a coma e longa convalescença. Porém, o último foi pra valer: 6 meses desacordado, com sonda pra tudo que é lado. Quando despertei, estava tudo mudado. Sentia-me outro: sério, amadurecido e muito menos carente. Tomei decisões importantíssimas, como banir para sempre a idéia de trabalho (abrindo uma exceção para o emprego, nunca para o trabalho; por isso Teus me empregou), trocar o dia pela noite, como deveria ter feito desde que nasci. Descobri, também, que o sangue humano precisa de quantidades crescentes diárias de álcool, para atingir seu estado ideal e provocar, conseqüentemente, longevidade. Resolvi vir passar as férias em Pau Doce. Aqui, mamãe, encontrei a sociedade ideal e o ideal tipo de vida. Tudo com o qual eu havia passado a sonhar depois do ultimo coma. Durante aqueles anos nos quais fiquei conhecido como o “louco da Porto Geral” (não entendo porque os jornais e as TVs me apelidaram assim) você, graças a Teus, nunca soube de meu vício desesperado, nem das suas conseqüentes fraturas, internações e comas. Mamãe, nunca duvidei de seu amor e de sua extrema dedicação a mim, principalmente depois que me tornei morador permanente de Pau Doce. Preocupei-me, um pouco, confesso, com aquele seu casamento com o Jardim Ângela Futebol Clube. Fiquei imaginando o dia da cerimônia religiosa (sei que foi naquela igreja que os padres fazem o seminário por correspondência e aos quais é permitido sexo virtual e voyeurismo), como você fez? Entrou de braço com os 17, ao som da marcha nupcial? Ou entrou 17 vezes seguidas? Ou com um representante escolhido democraticamente pelos demais? Ou com o Diretor Técnico, por exigência do estatuto da equipe? Não importa, esse casamento já chegou ao fim, você se livrou de 17 sogras, e eu continuo aquele adolescente que te adora, que te ama e que te venera. Mamãe, me promete que você virá a Pau Doce para a festa de meu aniversário de 45 anos?

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

55 “Mater tua mala burra est” (Tua mãe come maçãs maduras)

Finalmente, mamãe escreveu. Não tinha notícias dela há mais de dois anos. Sabia que nada de mal havia ocorrido, primeiro porque é próprio dela passar longas temporadas sem dar sinal de vida, depois, e mais importante, porque os depósitos em minha conta bancária continuaram a ser feitos, mês a mês, religiosamente, com a pontualidade de sempre. Por mais que eu saiba que a grana é remetida pela graça de Teus, se algo de anormal tivesse acontecido, ele teria enviado seus mensageiros para me informar e levar-me à sua divina presença. As novidades de mamãe chegaram por via postal. Uma longa carta, escrita com sua letra firme e arredondada. Contou-me, em linhas gerais, tudo o que ocorreu desde o fim de sua relação com o time do Jardim Ângela Futebol Clube. Chegou, ainda a relembrar alguns lances desse relacionamento tão ímpar, quanto complicado. Também, não era para menos. Não é todo dia que uma mulher se casa com 17 homens ao mesmo tempo. Biandria, triandria, até o limite da pentoandria são, digamos, quase normais nos dias de hoje. Mas, uma poliandria de quase duas dezenas é inusitabilidade pra ninguém botar defeito. Mamãe disse que os últimos dias da relação foram muito conturbados, que o Jardim Ângela (todos os 17) parecia desinteressado, só preocupado consigo mesmo, alegando os incômodos comuns a uma fase de desencanto – dor de cabeça, cansaço, sono constante – já não faziam sexo há vários dias e quando pintava um conluio carnal notava-o distante e automático. Mamãe estava começando a desconfiar daquilo que eu lhe havia alertado: o Jardim Ângela só estava interessado em seu dinheiro. Claro, para um time de futebol do bairro mais miserável de São Paulo, louco pra crescer, ascender, ganhar visibilidade e, como conseqüência, muito dinheiro, mamãe era o ideal. Mulher de meia-idade, muito rica, de uma fogosidade incontrolável, apaixonada e cega, como todas as apaixonadas. Era a escada certa para o sucesso. Escada não, elevador. Só que a equipe – formada por jogadores muito jovens e inexperientes, que se consideravam tão atletas sexuais quanto futebolísticos – não contava com o furor ovariano, com a insaciabilidade de uma mulher que, a primeira vista, parecia sexualmente normal. Parecia, mas não era! Findo o relacionamento, ela, como sempre, como que por imposição de uma lei inexorável, voltou para Teus. Repetiu-se o movimento de sempre. Acabado um interlúdio amoroso, como esposa-pródiga, ela se volta para Teus. Ele, na sua infinita sabedoria, a aceita sempre, como se ela não o tivesse deixado nunca. De volta a São Paulo, para não ficar sem fazer nada, ela resolveu montar uma loja de alto luxo (deve ser a décima nos últimos cinco anos). Da mesma maneira como procede com seus homens, com as lojas ela também tem uma relação inicial de dedicação quase fanática, passa depois para uma de normalidade, para desembocar numa verdadeira aversão. Aí, livra-se dela (ou deles) e parte para outra. Desta vez, com um investimento de 10 milhões de dólares (financiados por Teus) ela abriu uma sofisticada butique especializada em cílios postiços. Só cílios e nada mais do que cílios. Seu interesse pela pilagem ocular logo se desvaneceu, e ela fechou a loja. Nem se deu ao trabalho de vendê-la ou de proceder seu encerramento legal. Fechou as portas com tudo dentro e se mandou. Na seqüência, deixou, novamente, o Brasil e foi para Zurique fazer um curso de árbitra em luta greco-romana (sempre foi fissurada em lutadores dessa modalidade). Fez sucesso entre os descomunais atletas. Morou um tempo com o campeão búlgaro. Alguns meses depois, estava com o do Azerbaidjão. Trocou, de novo, então pelo da Irlanda do Norte. Passou a limpo, ainda, o russo, o do Curdistão e o espanhol. Açambarcou, também, campeões de outros continentes: de Uganda, da Malásia, do Afeganistão, do Burundi, da Austrália, da Bolívia, da Nicarágua e, por fim, o do Canadá. Desiludiu-se, definitivamente, dos lutadores greco-romanos, quando constatou que eles tinham, todos, músculos no lugar de cérebro. Aproveitando o fato de já estar na Europa, acabou aceitando um antigo e insistente convite da Rainha Elisabeth 2ª, que sempre rejeitara, (o convite, não a Rainha) e ficou morando no Palácio de Buckinhan. Temporada difícil e constrangedora, já que a Família Real passava os dias – todos – na total inércia contemplativa. Um absoluto não-fazer. Nem um joguinho de dominó, nem um carteadozinho, nem sequer uma tevezinha. Era só tomar chá e folhear álbuns de fotos da própria família. Marasmo total e absoluto. A Rainha-Mãe, com essa agitação toda, morreu com mais de 100 anos. A Elisabeth já está no trono há mais de 50. Provavelmente, viverá até os 200. Não fosse por alguns serviçais e camareiros jovens e vigorosos, ela teria ficado lá não mais do que um mês. Com essa compensação, ficou quatro. O único problema era ter que dividir os valetes com os homens da familiaridade real. No ano passado, mamãe voltou ao Brasil. Refugiou-se, outra vez, na onipotência de Teus. Como Teus tem o mundo inteiro para cuidar, tendo negócios nos 5 continentes, ela sempre demora um pouco para ficar de saco cheio dele. Outra vez em Sampa, passou a dedicar-se à política. Não à política propriamente dita, mas à política de aproximação com os políticos. Começou por dar umas saidinhas com a Morta Suplicynha – chás, vernissages, badalações – com direito a algumas trepadinhas com o guarda-costas franco-argentino (nas costas da Morta, claro). Freqüentou o sítio e o apartamento de NHC, dando um trabalho danado para as noras de Nanando. Terminado esse surto pluripartidário, ela resolveu que estava mais do que na hora de viver uma paixão arrebatadora. Queria, porém, algo diferente, novo, inusitado, que mexesse com sua estrutura e que a arrancasse daquele marasmo existencial. Assim, sua meticulosa escolha, dirigida por seu imbatível faro para tudo o que a fizesse viver perigosamente, recaiu na pessoa do renomado cirurgião plástico Dr. Ivo Pitanguinha. Pitanguinha é caso ímpar na sua especialidade, não exatamente por sua habilidade técnica, mas por ser o único, no mundo, a exercer reformas delicadíssimas na epiderme e na estrutura das pessoas, máxime nas mulheres, sendo totalmente cego. Mamãe acompanhou-o em suas grandes cirurgias (fez, rapidinho, um curso de férias de instrumentação cirúrgica) como sua instrumentadora. Hábil como ela é, conseguiu evitar alguns desastres estéticos como trocar os dois olhos de lugar (o direito no lugar do esquerdo e o esquerdo no do direito), a substituição de um mamilo, demasiadamente pequeno, por um clitóris, a ausência das narinas num nariz novinho em folha, o desbalanceamento de silicone nos dois seios de uma paciente (5 quilos em um e 1 e meio no outro), a circuncisão no pênis de um xeique árabe, uma lipoaspiração numa panturrilha direita. Acabou voltando para Teus quando, numa noite de amor desvairado, Pitanguinho, excitadíssimo, cego de tesão, por pouco não a submeteu (na verdade, supermeteu) a uma extirpação de mama bucal, conhecida no jargão técnico como uma “buco-mastectomia-carnal”. Salvou-a um brusco contra-ataque conhecido como “genu-aniquilo-escrotal”. Neste momento (momento em que ela postou a carta) ela continuava no regaço de Teus. Por quanto tempo? Isso nem Teus sabe!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

54 A Casa das Santas Marafonas Reais

Para orgulho de Pau Doce, uma espetacular descoberta efetuada por nosso incansável e competentíssimo InstiTUTO Histérico e PORNOgráfico (TUTOPORNO) foi manchete em todos os grandes jornais brasileiros, com intensa repercussão no mundo universitário internacional. Depois de exaustivíssimas pesquisas, que incluíram, não apenas investigações na Torre do Tombo, em Portugal, mas inúmeras escavações arqueológicas endógenas (explicando para o ignaro e estéril leitor – ou seja, para todo leitor, ou quase todo – o termo “endógenas” refere-se às perquerições teoréticas e procedimentos interventivos do espaço físico, operacionalizados no âmbito mesmo da estrutura urbanística paudocense. Morou?) foi constatado que nos idos de mil oitocentos e quase nada, o prevaricador imperial D. Pedro I, o Ejaculador, utilizou a praia de Pau Doce como centro de sua Cruzada Humanística Pró Inseminação Natural e Pela Desmistificação das Crenças Retrógradas e Supersticiosas na Periculosidade das Manifestações Concretas da Bondade Divina: a Sífilis, a Gonorréia, o Cancro Mole e o Duro e o Furor Uterino Descontrolado (Uma ONG oitocentista). D. Pedro, segundo as revolucionárias pesquisas citadas, mandou construir um luxuoso palácio, com aproximadamente 400 quartos, todos utilizados por ele em suas rápidas fugidinhas do Rio de Janeiro. Esse majestoso palácio encontra-se hoje, deploravelmente, em ruínas e é chamado de PPI (Palácio da Phoda Imperial) pela população mais humilde (designação que, apesar de muito antiga, sempre foi considerada desarrazoada e sem sentido pela cultura oficial). O memorável e revolucionário trabalho do TUTOPORNO acabou dando razão a esse “non-sense” popular. A pesquisa redundou num pequeno e singelo texto de 43 718 páginas que narra as apimentadas peripécias do membro imperial em Pau Doce. O Ejaculador, ou Pedrito, como era chamado à boca pequena, mandou construir o palácio sorrateiramente, à socapa, sem que a velha corte soubesse de nada, menos ainda a “corte velha” como era chamada a sábia rainha D. Maria Leopoldina, a Plugada, sua santíssima esposa, que ficava com os pelos do imenso bigode eriçadíssimos quando desconfiava de alguma patranha extra-oficial do consorte. Com sorte, ele podia ostentar as patranhas oficiais, sem que a matrona do trono se sentisse destronada. Todas as patranhas oficiais eram executadas no Rio e alrededores, tanto as humano-relacionais (coitos variados) como as burocrático-administrativas. As primeiras, devidamente registradas em cartório, superavam a meia centena. Só de Marias, dizia-se ser doze o total oficial (Maria da Caridade, Maria Pureza, Maria Castiça, Maria dos Anjos, Maria Imaculada, Maria do Senhor, Maria Divina, Maria do Amor Celeste, Maria de Jesus, Maria da Graça, Maria do Santo Sepulcro e sua preferida Mariazinha Fuqui-Fuqui). Quanto às burocráticas, eram patranhas pra ninguém botar defeito: a maioria com apenas um objetivo – grana: superfaturamento, arrendamento de cartórios, aluguel de ruas para camelôs, superfaturamento, venda de títulos de nobreza falsos (caríssimos), empréstimo de praças públicas para muambeiros, superfaturamento, lavagem de dinheiro, lavagem de cheques, branqueamento de negritudes, superfaturamento, aluguel de avenidas para sacoleiros, pedágios informais, propinas, participações e superfaturamento. Foi através de verbas originarias dessas chicanas imperiais que o Palácio de Pau Doce foi construído. Sua localização fora escolhida científicamente (há no texto um capitulo inteiro sobre essa meticulosa decisão) depois de acurados estudos efetuados por empresas inglesas especializadas em espionagens, engenharias e sacanagens. Tudo à sorrelfa, evidentemente. E a região eleita só poderia ter sido a que foi, Pau Doce: por sua deslumbrante beleza natural, pela índole permissivíssima de sua gente, pelo clima erótico-libidinoso, por ser absolutamente escondida e inencontrável e, acima de tudo, pela acessibilidade proverbial de suas mulheres. A construção foi uma epopéia da engenharia histórica: todo material vindo da Europa chegava em portentosos navios a vela que formavam verdadeiras ponte-marítimas: Lisboa-Pau Doce, Veneza-Pau Doce, Nápoles-Pau Doce, Liverpool-Pau Doce. A mão-de-obra técnica era também européia e para as peônicas funções Pedrito aproveitou os funcionários da corte carioca. Para que a Rainha não desconfiasse de nada, a estratégia foi fazer de conta que o governo dera férias coletivas à malungada. Durante os 13 meses que durou a construção, não se achava viva alma em nenhum dos palácios reais. À Rainha, quando reclamava da ausência dos serviçais (cozinheiros, mucamos, garçons, cavalariços, valetes, ofice-gajos, mancebos-livres, alfaiates, escovadores de costas, transportadores de urinóis, despiolhadores e despulgadores) ele explicava que estavam gozando férias atrasadas e que não poderia não concedê-las para não se complicar com os fiscais do IIPS (Instituto Imperial de Previdência Social). E a Rainha acreditava!!! Vivíssima essa Rainha! Não chegou a ser nenhuma surpresa para os membros da TUTOPORNO a revelação de que a principal visitadora do palácio tenha sido a Marquesa de Santos. Maria Domitila deixou suas marcas históricas espalhadas pelo imperial matadouro, o que denota sua assiduidade como hóspede de Pau Doce. Mas, não foi a única, nem de longe. A lista das parceiras do Ejaculador é longa e não imune de omissões. Algumas das ludoteraputas, não, ludoterapeutas reais que dela constam são: a Marquesa de São Vicente. D. Avenca do Torreão, a Calunga, a Duquesa do Guarujá, D. Ermengarda Mengarda Garda, a Tartamuda, a Baronesa de Cubatão, D. Estulta de Souza, a Ex-belta, a Arquiduquesa de Praia Grande, D. Piranha Loirão, a Casta, a Marquesa de Bertioga, D. Clivagem da Rosca, a Apertada, a Semi-Baronesa de Mongaguá, D. Bestunta de Almeida, a Fria, a Bi-Duquesa de Teresina, D. Piauina Modesta, a Longínqua, a Pró-Marquesa de Itanhaén, D. Lambisgóia Catão, a Lambisgóia, a Liberta Chiquinha, a Bunduda, a Mucama Bimbinha, a Insaciável, e a Escrava Guta, a Negra. A lista prossegue e é enorme. Com a volta de D. Pedro a Portugal e a tenra idade do Príncipe Herdeiro, o palácio foi desativado. O segundo dos Pedros, lamentavelmente, estava mais preocupado com o governo e com a ciência, do que com as coisas importantes da vida, como a sacanagem, sem nunca ter atentado que os dois primeiros existem em todo lado, mas a putaria é autêntico produto nosso. Seu desinteresse pela vida plena de prazeres levou-o a engordar e a viver muito (o que é uma rematada idiotice). Enquanto o Gordo governava, o PPI transformou-se (sem o conhecimento imperial) num respeitável prostíbulo, freqüentado pelas autoridades civis, eclesiásticas e militares, tudo com muito recato, seguindo o lema da casa: “putaria sim, baixaria nunca!”. Com o passar dos anos e com o inexorável envelhecimento do plantel, o palácio das atrizes tornou-se o reduto das varizes, a casa das crisálidas, converteu-se em asilo das inválidas. Com o falecimento da última das missionárias do sexo, o edifício, vazio, foi se deteriorando até chegar às ruínas atuais. Ainda bem que a fase do primeiro Pedro durou pouco, ou Pau Doce não teria esse nome especial que tem hoje, sendo chamada, para sempre, como o foi nessa época: Prevaricópolis ou Ejaculândia. Eu, hein?

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

53 Encontro Esferogudístico

Noite destas, estávamos sorvendo regularmente, não me lembro se no Licor no Manso ou no Drinks aos Tubos, quando surgiu, como que do nada, como que tendo brotado das paredes do boteco, a retumbante idéia da realização de um torneio de bolinha-de-gude. Por mais que torneios, campeonatos e competições, de qualquer espécie, sejam quase proscritos em Pau Doce, a menção às bolinhas da nossa infância, o som sagrado delas batendo-se umas às outras, falaram mais alto. Qualquer outra proposta competitiva teria sido recebida, primeiro com um silêncio de perplexidade, depois com uma vaia estrepitosa, para culminar com a expulsão do delituoso, não só bar, mas da vida social paudocense. Exílio, no mínimo. Mas, a magia das bolinhas-de-gude relativizou a primeira parte da proposta, que foi tomada como simples força de expressão. Abandonada a idéia, o “torneio” caminhou para um “encontro de aficionados”. Ali mesmo, em minutos, lépidos como sempre, montamos a COMEVENTO - COMissão Organizadora do EVENTO. A tarefa foi fácil (montar a comissão, evidentemente), pois todas as comissões, sejam elas organizadoras ou desorganizadoras, do que quer que seja, têm sempre a mesma formação: a já famosa meia-dúzia de três ou quatro. Para que a idéia não perdesse a força do entusiasmo, marcamos, de pronto, uma reunião pra discutirmos sobre quando deveríamos nos encontrar para optarmos a cerca da data da elaboração de um cronograma que possibilitasse uma decisão, ainda que provisória, sobre a viabilidade, ou não, de concentrarmos nossos esforços no sentido de nos encaminharmos para a oportunização de uma etapa preparatória de esboço temporal, porém que não fosse, de forma alguma, confundida com precipitação ou açodamento, que em Pau Doce gostamos de tudo muito tranquilinho. Ao lado dos verbos vitais do paudocês (não confundir com “pênis alheio”. Paudocês é o nosso idioma oficial): dormir, serenatear, zanzar, botecar, gerar (só a primeira fase), dançar, escamotear, aperetivar, anoitar, puxorroncar, chamajucar, dormitar, abeberar, serenar, adormecer, caipirinhar, copular, bebericar, entornar, pirulitar, divagar (sem contar com muitos outros, até mesmo das 4ª e 5ª conjugações, aqui ausentes), ao lado de todos estes verbos – repito - procrastinar, para nós é de uma essencialidade extrema. Um dos nossos lemas mais queridos é aquele criado pelo célebre escritor romano Postergus, o Lento: “Nunca faças hoje, o que puderes deixar para amanhã” (Non facit hodie, quod futurum executant). Seis meses depois daquela “Noite destas”, o desenho inicial da proposta de agenda com vistas ao Encontro Esferogudístico estava pronto. Rapidamente, chegamos (após apenas 3 anos do desenho da agenda) a um rascunho prévio do evento. Decidimos, primeiro, as modalidades de demonstração. A primeira delas consistirá no delicioso Triângulo Trilateral. Cada demonstrante (não há jogadores, é claro) com sua batedeira de estimação - em geral uma bolinha maior do que as outras e esteticamente especial – atua em função do centro da ação que é um triângulo riscado no chão. Os participantes casam (colocam dentro do triângulo) o mesmo número de bolinhas. A partir de uma base riscada a uns três metros do triângulo, cada um deles lança sua batedeira em direção a ele. Aquele que mais perto do triângulo conseguir chegar será o primeiro a agir. Deve, então, com o polegar, catapultar a batedeira presa no indicador. O objetivo é bater, com força e técnica, nas bolinhas e retirá-las do triângulo sem deixar a batedeira ficar dentro dele. Enquanto o participante conseguir ir tirando as bolinhas, continuará atuando. Ao errar, a vez passa ao segundo, ao terceiro e assim por diante. A demonstração termina quando não houver mais bolinhas no interior do triângulo. As regras são estritas e o jargão tradicional deve ser respeitado:
1- “Mão expulsa”: impulsionar a mão ao atirar a batedeira, o que não é permitido.
2- “Galisteca”: grito a ser emitido pelo lançador, para que a sua batedeira tenha o direito de bater em várias bolinhas no interior do triângulo.
3- “Nem gali, nem galisteca”: grito que, emitido por um dos demonstrantes, que não esteja atuando, anula o grito de “Galisteca” do lançador, sempre e quando anteceder a este, o que veda a possibilidade da batedeira tocar em mais de uma bolinha de cada vez.
A outra modalidade de demonstração será a do “Box”. Esta, porém, por ter regras mais complicadas, não será aqui descrita. A forma de atuar estará, na íntegra, descrita no folder oficial do Encontro. Resolvemos que a efeméride esferogudística será de nível internacional (Pau Doce não poderia deixar por menos). Convites, para participantes de todos os estados brasileiros e para os principais paises do mundo, serão enviados com uma antecedência não inferior a cinco anos, para proporcionar, aos interessados, tempo para a criação das suas associações, preparação esportiva e burocrática de suas delegações e colocação em marcha da cadeia produtiva das bolinhas, ainda a ser criada. Soubemos já do interesse de alguns mandatários e integrantes do Jet-set em participar do Encontro. Barack Obama confirmou presença. Também disputam essa possibilidade: Nelson Mandela, Rainha Elizabeth 2ª, Papa Bento Dezesseis, Fidel Castro, Dalai Lama, Madonna, Osama Bin Laden Jr. (suspeito esse Jr!), Ladran Hussein (tio-avô do Sadan Hussein), as, ainda, belas anciãs Cicciolina, Hebe Camargo e o esbelto Oscar Niemeyer. Silvio Berlusconi, inicialmente, implorou para participar, depois tentou a intimidação através de grupos guerrilheiros, mas a COMEVENTO foi inflexível na não aceitação de sua inscrição e na não concessão de visto de entrada em Pau Doce. O motivo alegado foi que ele nunca abre mão de atuar com sua batedeira de estimação, que é de metal e não de vidro, o que é terminantemente proibido pelas regras. Outros vetos significativos foram aos nomes de Fernando Collor de Mello, Fernandinho Beira-Mar, Paulo Maluf, Waldomiro Diniz e Edir Macedo. Em relação a estes, o motivo foi birra, mesmo. Nem gali, nem galisteca!

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

52 A performance do Pantero Cor-de-Rosa

“Reflexões sobre a irreflexão”, este foi o tema central do ENFIOPAUENcontro FIlosófico Onanístico de PAU Doce. A importância do evento, no popularíssimo mundo da filosofia, foi tal que chegou a circular, em regiões e cidades nossas concorrentes (movidas, certamente, por despeito de nosso desbunde), um folder apócrifo, em tudo semelhante ao original, com apenas uma singela e criminosa adulteração no título da conferência-mor: “Irreflexões sobre a reflexão”. O orador convidado, Dr. Heitor Romeu Pinto, professor titular da cadeira de Filosofia Aeróbica na Universidade Paris-27 e autor do seller best-célebre “O mundo sem Filosofia? Um horror!!! (com as 3 exclamações, sim senhor) Guia Prático de Filosofia Fashion”, informado do abominável ato terrorista, riu às bandeiras despregadas (?) e vaticinou, com um tom um tanto machista: “Esses tolinhos não sabem que dá tudo na mesma, na mesma tudo dá! Bofes!” Pau Doce engalanou-se para a efeméride (como sempre se engalana) com muito bom gosto. Dentro do espírito do ENFIOPAU, enfeitamos todas as ruas com enormes laços de seda, cheios de missangas e debruns, nos mais variados tons de rosa. Um luxo! Mas, apesar do aspecto alegre e festivo da decoração, o encontro foi de trabalho duro, muito duro. Dr. Heitor, numa voz abaritonada e falso sotaque, levemente francês (um charme), começou por introduzir, muito suavemente (introdução perfeita), o seu escopo (objetivo, por favor) na conferência: faria 53 reflexões distintas sobre a irreflexão. (Nesse momento, nós da Comissão fizemos um rápido cálculo de cabeça: 53 por 15 minutos cada uma = 11 horas e caracacá, mais introdução, conclusão e algumas frescuras das quais ele, certamente, não abriria mão, e teríamos 12 horas de conferência. Olhamo-nos de soslaio, apavorados). Somente depois do cofee-break, segundo disse, aceitaria perguntas. Vou tentar relatar apenas as poucas reflexões que pude ouvir antes de pegar no sono. Infelizmente, não pude dormir como merecia, pois, de quando em quando, um grito de “Lindo!”, dirigido ao Dr. Heitor R. Pinto, me fazia despertar sobressaltado. Não falarei, é claro, da manifestação do público nos primeiros minutos da apresentação, que para o delírio do conferencista gritava: “Introduz Heitor, introduz!”. Contida a ânsia libidinosa da platéia, ele continuou. Sua primeira reflexão foi que reflexões não existem. Disse ele: “Essa pseudoprofundidade de pensar a que todos se referem como refletir, em verdade, é um ato tão natural, automático e involuntário como espirrar, dormir (eu ainda estava acordado) ou depilar o peito. A diferença do simples pensar e do refletir não está, nem na profundidade, nem na complexidade, está na comunicação. Quando fazemos uma rápida introspecção, o que estamos, de fato, produzindo é um complexo movimento de comunicação, do eu para o eu-mesmo, ou do eu-mesmo para o eu. Todos, absolutamente todos, ao pensarmos produzimos reflexões, profundas e complexas, mas, infelizmente (ou felizmente, quem sabe?) não nos damos conta disso. Não alertamos a nós mesmos que estamos refletindo tão refletidamente quanto um dia refletiram Sócrates, Avicena, Kant e a Dona Zica da Mangueira. Ligamos nosso reflexor automático e seguimos em frente, comandados por nossa incomensurável tendência à insignificância. Não confiamos em nós mesmos. Sócrates, por exemplo, que diferença significativa teve sua reflexão comparada com as nossas, comuns mortais? Nenhuma. Ele gostava de pensar. Como nós. Gostava de conversar. Como nós. Gostava de fazer perguntas. Como nós. Gostava de terçar argumentos. Como nós. Gostava da procura da verdade. Como nós. Gostava dos jovens efebos. Como nós podemos ver, não há nenhuma importante diferença entre o seu saber e o nosso. A única diferença é que entre seus preferidos, escolheu um de ombros largos (saradão, como diríamos hoje) que pegou no pensamento de Sócrates, com muito carinho, afagou-o, fez com que ficasse enorme e guardou-o dentro de si. Nos seus livros. Tanto que, até hoje, por mais que se tenha pesquisado, ainda não se sabe onde começa Platão e onde Sócrates acaba. Os efebos da platéia deliravam com a intumescida eleqüência do Dr. Heitor Romeu P.. A seguir, seguiu seguindo a seqüência do seu pensamento. “Refletir não é mais do que projetar em si a imagem que o mundo oferece. É exatamente o papel do espelho. Refletir é sinônimo de especular, palavra que vem do latim “especulum” cuja tradução literal é espelho. O que faz o espelho? Ele nada faz, apenas reflete. Deixa reproduzir em si mesmo, de maneira fidelíssima, o que está à sua frente. Não cabe ao espelho não querer, negar-se a refletir. É da sua essência mesma, ou espelhicidade, a reflexão acrítica e compulsória. Não podemos imaginar um espelho (se a ele déssemos a habilidade do falar) dizendo: “Saia de mim! Não vou refletir você nem que me estilhassem em mil pedacinhos. Horroroso!”Jamais! O espelho reflete e apenas isso, reflete, produz reflexão. O nosso refletir (daí se origina a palavra) é idêntico ao do espelho: reproduzimos as imagens que nosso cérebro capta à sua frente. A única diferença está (de fato, nem diferença é) no conceito de “à frente”. A nossa (frente) não é espacial, como a do espelho. Pode estar à frente do nosso cérebro uma curva do Rio Ganges, ou uma equação do segundo grau, ou uma seqüência melódica atonal, ou o processo de transgenia, ou a Lei de Talião, ou uma sapatilha de ballet maravilhosa! Tudo está à nossa frente, ainda que nada esteja à nossa frente”. Na fileira de traz, um cavalheiro de uns 30 anos, vestindo um Summer branco, bigodes indomáveis, bíceps invulgarmente desenvolvidos, sem conseguir conter-se, exclamava, excitado: “Que homem! Isso é que é homem e não aquele babaca que eu tenho lá em casa!” A esta altura do espetáculo, as poucas mulheres presentes já haviam se retirado. Os rapazes, em número cada vez maior, ululavam em transe. Iniciada a terceira reflexão (depois desta, ainda faltariam 50) eu adormeci, sob o acalanto da voz do Dr. Heitor Romeu Pinto. Depois de 30 ou 40 acordadelas, saltei, na poltrona, assustado e pronto para sair correndo. Então, percebi que a ovação final me despertara. A platéia, em pé, delirante e apoplética, gritava em coro o nome do grande artista:
- “H. Romeu Pinto!”
-“H. Romeu Pinto!”
-“H. Romeu Pinto!”
Saí correndo. Tô fora!

sábado, 29 de janeiro de 2011

51 Inaugurando a aula inaugural

Ontem, tivemos a primeira aula da UniPau. Aula inaugural, como é chamada nos meios acadêmicos. Aqui, ao contrário das universidades do mundo inteiro, todas as aulas serão inaugurais. Ou, dito de outra forma, todos os cursos se resumirão à aula inaugural. O resto é dispensável, encheção de lingüiça, uma chatice insuportável, por isso, banido da nossa instituição. A aula inaugural não. Essa tem tudo de bom: é curtinha, mil badalações, só gente bonita, paparicagem global, pouco papo, mínimo blá-blá-blá, que, na verdade, acaba sendo apenas uma introduçãozinha para a segunda parte essencial, a que de fato interessa: o tradicional coquetel universitário, no qual só entram os convidados especiais. O estudante, por exemplo, esse ser repelente, repulsivo e nauseante, que contamina e conspurca a vida acadêmica, que só atrapalha e prejudica o ambiente (um pagante mal-necessário para as universidades), tem sua entrada totalmente vetada. A lei é muito branda e leniente com esse corpo estranho, já que deveria limitar sua participação na escola, unicamente, ao pagamento das mensalidades. Todo o resto lhe deveria ser proibido. Mas, vá lá, o ordenamento jurídico faculta a ele, por absurdo que seja, o direito de assistir às aulas, (mudo e calado), mas, dá ao professor o superdireito, mais sagrado ainda, de reprová-lo. Essa é a primeira e grande função do professor: reprovar o aluno. A reprovação é o mais importante recurso pedagógico (opinião comum aos grandes pedagogos, de Faulo Preire a Tanísio Eixeira, de Comenius ao Professor Pardal): aluno reprovado paga duas vezes. Ou muitas. No coquetel, por sorte, não havia essa subespécie de protozoário inferior. Nossa primeira aula inaugural, ou inauguraula (primeira, já que, como vimos, todas as demais serão também inauguraulas) é conhecida na tradição histórica da UniPau como Unipaula.Tradição histórica? Estará se perguntando o mentecapto leitor. Tradição histórica sim. O asinino ledor não deve estar lembrado, como é de se esperar, porém, na Itinerância 40, quando fechamos o negócio universitário com o Abutre Calhorda, foi dito claramente que compramos o projeto inteiro. Ainda lembro que usei a expressão “porteira fechada”, ou seja, compramos um pacote com tudo dentro, incluindo, nesse tudo, (que é tudo mesmo), uma história acadêmica de mais de 50 anos. Tudinho aprovado pelo MEC e registrado em cartório de Brasília (cartório em Brasília é mais cartório). Então, apesar de estarmos no primeiro minuto da nossa inauguração, temos já uma vida cinqüentenária: pessoas famosas, artistas, ministros e até ex-Presidentes da República estudaram na UniPau, tanto no passado recente, como no remoto. Nesta primeira unipaula, tivemos não apenas um conferencista, mas uma mesa redonda composta por três personalidades do mundo do conhecimento acelerado (há celerado?) de renome internacional: em primeiro, o atleta-fundador da Ambev, que discorreu sobre o tema: “a cervejolatria como único caminho de salvação”; em segundo lugar, o líder espiritual da ONG, recentemente indicada para o Prêmio Nobel da Paz, “Dorminhocos Sem Fronteiras” que, numa demonstração da pacífica proposta de sua entidade, dormiu o tempo todo e, por último, exibiu-se o Secretário-Geral da CBCA - Companhia Brasileira de Corrupção Ativa - que apresentou work-shop sobre a recém-iniciada construção do Propinoduto Brasília-São Paulo-Rio de Janeiro-Belo Horizonte-Brasília, obra celebradíssima na mídia, mas que está sendo objeto de veementes protestos e pesadíssimas denúncias, em especial pelas autoridades de capitais como Curitiba, Porto Alegre, Salvador e Recife, por terem ficado de fora do traçado original da mamogandaia. Depois de aplaudidíssimos os dois primeiros, sobrou uma estrondosa vaia para o mamólatra, culminando com sua expulsão do evento e a sustação dos cheques em branco, que seus assessores haviam coletado durante o ato acadêmico. O tratamento hostil dispensado ao representante oficialista deve-se ao fato de que em Pau Doce aceitamos, no máximo, uma corrupçãozinha das mais passivas possíveis (uma multinha de trânsito perdoada por aqui, um impostozinho de renda não cobrado por lá, não mais do que isso...). Uma vez escorraçado o cachaço, a festa continuou como se nada tivesse acontecido. Da primeira intervenção, ficou marcada indelevelmente em nossas mentes, a “teoria da fermentação”: o processo químico da fermentação da cevada, uma vez desencadeado quando da ingestão da cerveja, penetra em cada célula do corpo (todas elas desesperadas para tirar o pó da garganta) e provoca a expansão comprimida da substância conhecida pelo nome técnico de H3P9, “agatrespenona”, responsável pela higienização do núcleo celular, através da incineração dos resíduos gerados pelo processo de biocontinuidade molecular aguda (popularmente conhecida como “a vida”). Tal limpeza pode ser obtida, também, ainda que de forma relativamente precária, por compostos medicamentosos alopáticos, porém, com alta possibilidade de sérios efeitos colaterais (cuja principal sintomatologia é a destonalização e desafinação vocal e, em sua fase mórbida, a reversão irreversível da opção sexual heterodoxa, também conhecida como “sexo-sócio-rearmarização”). A ingestão de cerveja, porém, através da ação da agatrespenona, aumenta a longevidade celular global, multiplicando-a indefinidamente. Essa quase pré-imortalidade leva o indivíduo, (qualquer que seja a sua opção religiosa, ou mesmo não possuindo uma, ou ainda, sendo um ateu ativo), a um estado de exaltação espiritual, definido pela Organização Mundial das Igrejas e Quejandos como “estágio de salvação endêmica”. Terminada esta bela conferência (bela, sobretudo, porque desde os prolegômenos à conclusão final não levou mais de dez minutos), o segundo expositor utilizando-se, muito sabiamente, da técnica da vivência real, tendo já dormido o tempo todo da fala de seu antecessor (tempo muito curto, como vimos), continuou roncando quando lhe foi facultada a palavra. Aplaudidíssimo, depois de 15 minutos de demonstração prática de sonoatividade induzida, acordou a tempo de tomar sua champanhota geladinha. A primeira unipaula foi sucesso total, menos pelos dois primeiros heróis acima resenhados, e muito mais pela despaudocização do enviado de Brasília, que segundo notícias da Marinha do Brasil, neste momento, continua nadando, agora já a poucas milhas do litoral africano. Saravá!

sábado, 22 de janeiro de 2011

50 De Um a Vinte: a galopante carreira (?) de um santo deslumbrante

Estamos novamente nos aproximando da Festa de São Vinte de Pau Doce, nosso padroeiro. Segundo alguns hagiólogos, São Vinte nem sempre foi São Vinte. Parece ter começado sua santa história como São Um. “Um”, ao que consta, não era seu nome de batismo (especula-se que se chamava Procrastineu), mas um apodo motivado por sua principal característica: era um grande resmungador. Passava o tempo todo resmungando. Era um tal de “uuumm” pra lá, “uuumm” pra cá, e a coisa pegou. Ainda em vida, passou a ser conhecido por “Um”. Unzinho, quando criança, jovem Um, quando jovem, até, mais tarde, tornar-se Dom Um, arcebispo da catedral de Santa Inércia do Descanso, na famosa cidade-estado européia Cochilópolis, e, após sua morte passaram a se referir a ele com “Era Um” (ou “Um já Era”). Uma vez santificado, o apelido foi sabiamente mantido pelo Vaticano: São Um (já pensaram que horror não seria: São Procrastineu!). Os ditos biógrafos relatam (já, agora, eram quase triógrafos) que de Um ao Vinte, não foram gastos mais do que miseráveis 200 anos. A cada dez anos, turbinado por estrondosos e mirabolantes milagres, São Um foi galgando novos postos até atingir as atuais duas dezenas. E por que teria sido, tão semovente santo, escolhido como padroeiro de Pau Doce? Estará se perguntando o imêmore e jumentil leitor. Acontece que, segundo seus biógrafos mais recentes (também chamados de vintógrafos ou doudezenógrafos; biógrafos era quando ele era apenas São Dois – não São Bi, que poderia dar margem a outras interpretações), ele dedicou sua santíssima vida a combater tenazmente, e sem quartel, o trabalho. Toda e qualquer modalidade laboral. Considerava a faina produtiva como coisa do demônio, infernal, portanto, a perdição final e fatal. O trabalho, para São Vinte, era a mais despudorada e obscena atitude humana. Pior que a guerra (que é terrível), pior que a corrupção (abjeta, sob todos os aspectos), pior até que, (supremo deboche), o futebol (hediondez à época ainda não inventada pelos ingleses, mas já intuída pelo estonteante santo). O trabalho, e apenas ele, é o responsável pela tragédia humana: pela miserabilidade da maioria e pela riqueza de uns poucos, pela exclusão social, pela mortalidade infantil, pelas doenças incuráveis, pela alta criminalidade, pela baixa estatura dos anões, pelo fumo suicida, pela proliferação das mulheres feias, pela parca utilização da mesóclise, pelos nascimentos prematuros, pela baixa qualidade das rações felinas, pela hipocondria dos avestruzes, pela acumulação de gordura abdominal nos homens casados, pelos fins-de-semana motorizados, pela sofrida existência dos dentistas e dos lavadores de pratos, pela desinformação endêmica absoluta, pela inexistência de uma Associação de Defesa dos Veados e dos Leopardos, pela parcimonialidade dos vendedores de sapatos, pela proliferação das doenças venéreas e das lojas do Mc’Donalds, pelo aumento gradativo das missas por correspondência e por tantos e tantos outros males subpiteliais, dores corníferas e caspas oleaginosas. Sua famosa frase: “o trabalho dá muito trabalho” já diz tudo da inteligência, ladinice e santidade de nosso protonotário padroeiro. (Esqueci de dizer: São Vinte foi Protonotário Apostólico) Com este maravilhoso Curriculum Vitae, somado à sua proverbial capacidade de absorção etílica (segundo fidedignos relatos de seus coroinhas profissionais, São Vinte tomava três garrafões de vinho a cada missa rezada. E, como se tratava de um homem de espírito elevado, com uma disposição caritativa de dezoito quilates, só ele queria oficiar as missas na paróquia da “Misericórdia Desbundante” com sede na catedral acima citada. Não tinha pra mais ninguém! Vinte missas por dia. (Ele fazia as contas mentalmente: três garrafões de cinco litros por missa, com vinte missas por dia) Mamava trezentos litros de celestial fermentado de uva, diariamente. Como nas Bodas de Caná, transformava água em vinho. Bom, por tudo isso, São Vinte não é apenas e tão-somente São Vinte, mas é São Vinte de Pau Doce. E sua festa, como disse, está se aproximando. Maravilha! Não vejo a hora! Este ano, a proposta é arrebentar a boca do balão. Vai ter de tudo e mais um pouco. É possível que venhamos a ter mais mais um pouco do que de tudo, já que o de tudo o usamos mais como força de expressão do que como realidade realmente real, pois de tudo não podemos ter, uma vez que abominamos trabalho, suor e futebol. Com exceção desta tríade peçonhenta, temos tudo o mais, a não ser a possibilidade de existência de um ou outro parangolé convenientemente aqui olvidado. Houve dado que não citei sobre a comemoração sanvinteana vindoura, mas que, corrigindo a falha, agora citarei: quermesses! Não pode haver festa de São Vinte sem quermesses. Várias: quermesse virtual (apenas no computador a lenha do edil Jacinto Pinto Aquino Rego), quermesse onírica (estabelecida no inconsciente individual e coletivo da plutocracia freudwaldysneiriana peedense), quermesse contábil (a ser lançada com verbas consumidas nas costas do erário público e, evidentemente, como é de lei, superestimadas) e a quermesse propriamente dita, com barracas, sorteios, mil comidinhas, prendas variadas, quentão e vinho quente (esta convenientemente transferida para a Paróquia de São Sebastião, já que em Pau Doce não há quem se disponha a trabalhar (arghhh!) na dita cuja). Mas, além dessas maravilhosas quermesses, haverá muito mais: demonstração de descanso coletivo para energização vital, ato público de repúdio à violência em suas formas mais comuns e insidiosas (como levantar peso ou carregar pacotes, por exemplo), cerimônia ecumênico-sincrética macumbristã, exposição, na UniPau, das mais recentes conquistas da pesquisa estático-ergonométrica: “Novas técnicas de dormir em pé”, “A hipertrofia do sono”, “Comprovação científico-laboratorial do esforço físico como gênese da depressão aguda e terminal”, e o lançamento, na Academia Paudocense de Ciência, Literatura e Alfabetização, dos livros: “Atividade muscular: a ação inútil”, do Dr. Oncimar Curtinho, “Sono leve, o outro nome da falta de vergonha”, do Dr. Oncimar Curtinho Filho, “Andar mais que 100 metros diários, sinal de hiperatividade mórbida”, do Dr. Oncimar Curtinho Neto e o best-seler canônico “Durma sempre e vença na vida”, uma biografia não autorizada e nem assinada de São Vinte. São Vinte de Pau Doce, rogai por nós!

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

49 Pornoidéias

Em Pau Doce, um cidadão pode reclamar de tudo, menos de ausência de novas idéias. Como não fazer nada é a lei, sobram tempo e energia para elas. Nossa produção de propostas, usitadas e inusitadas, é, sem a mínima sombra de dúvida, a maior do globo por metro quadrado ou por neurônio cúbico. Todas as noites, na miríade de bares, botecos e bate-coxas que nos caracteriza, em cada um deles, com dois ou mais dulcipaulitanos reunidos em assembléia (bastam dois) as idéias vertem copiosamente, enxameiam, pululam. E durante o dia? Estará se perguntando o jumentício leitor. O dia, meu desestimulante amigo, como já me esfalfei de repetir em dezenas destas transcendentais Itinerâncias, o dia em Pau Doce foi feito única e exclusivamente para o descanso e à inação, acunados pelo sono. Durante o dia, enquanto o resto do mundo trabalha, Pau Doce dorme. Durante a noite, enquanto o mundo dorme, Pau Doce se diverte. Bom, após esta desagradável pausa, este interregno dispensável, provocado pela nulidade intelectiva do desagradável personagem acima citado, voltemos às idéias. Como a cada noite uma avalanche de idéias se abate sobre nós, e como a cada amanhecer somos condenados ao sono reparador e amnésico, a maioria das concebidas idéias são destinadas a uma curtíssima vida espermatozoidal de horas ou minutos. Umas poucas, pertinazes e perturbadoras, ganham vida própria e subsistem para além da noite natalícia. Recentemente, uma destas obstinadas tomou corpo e passou a ser discutida em subseqüentes noites. Essa idéia, segundo consta (ou conforme corre), nasceu de uma aposta. Estava um grupo de gestados por meretrizes, filomamando (filomamar é o ato de refletir, enquanto se sorve algum néctar divino) no respeitável estabelecimento – de nome um bocadinho longo e inusual para um bar, mas, acima de tudo, edificante e poético: “Não põe a mãe no meio que eu ponho no meio da mãe” (excelente verso alexandrino, na forma, e uma verdadeira lição de vida, no conteúdo) – quando surgiu, como que do nada, a proposta de uma aposta (como diz o famoso ditado “Na proposta duma aposta só não entra quem desgosta ou que a vida é uma mostra”. Famoso e sem nenhum sentido): ganharia quem propusesse o maior “chá-de-bico” pra Pau Doce (“chá-de-bico” é o popular clister ou lavagem intestinal). Choveram as propostas mais pornográficas que se possa imaginar: comemoração do dia do trabalho, obrigação de, uma vez por ano, despertar antes das três da tarde, criação do dia anual da fidelidade, tolerância ao esporte, descriminalização do futebol. Só absurdos, só proposições completamente inaceitáveis, sequer imagináveis em Pau Doce. Mas, a pior de todas, a mais abjeta, infâmia das infâmias e que, segundo as regras do jogo, foi a vencedora – que por imoral e repugnante aos princípios de cidadania, não deveria nem mesmo ser aqui citada, mas que mencionarei apenas para provar até aonde pode chegar a desfaçatez humana e para demonstrar minha incomensurável índole democrática – foi a instituição do “dia sem álcool” em Pau Doce (ou Sem Álcool no Pau). Se a proposta fosse minimamente viável ou pseudo-palidamente exequível, como, por exemplo, “um dia sem oxigênio”, ainda vá. Mas, sem álcool? É a inimagibilidade elevada à máxima potência atômica e metafísica. A primeira reação, quando Pau Doce acordou para viver a noite seguinte, foi a despirocação total, acrescida da cabal desvaginalização. Gritos lancinantes, ululos ululantes, ameaças de suicídio em massa, massas de suicídio em ameaça, conversões escandalosas a religiões inexistentes, flatulências orais involuntárias, voluntárias flatulências horais. Uma vez passado esse primeiro momento de viadice aguda compreensível, a borbulhante população, por via das dúvidas enchendo a cara (já que o seguro morreu de velho), tentava encontrar possíveis atenuâncias para a vomitativa proposta: “Dia sem álcool”:
1- referir-se-ia a aposta não ao dia de 24 horas, mas à metade deste, assim chamada –dia- já que durante ela ninguém está acordado, ainda que não sejam poucos os que dormem com álcool injetado na veia, substituindo o soro, os quais seriam, neste caso, muito prejudicados;
2- proibição de abastecimento de carros a álcool nos postos paudocenses; um dia por ano,
3- ao invés de “dia sem álcool” seria “dia cem álcool”: multiplicação do consumo individual diário por cem vezes;
4- “de acém-alcool”: churrasquinho de acém regado a canjebrina, foram algumas das excêntricas interpretações, constituindo, umas mais, outras mais ainda, naquilo que a sabedoria popular define como “dar uma de João-sem-braço”.
Mesmo com o sadio corrimento das interpretações alternativas pelos bares de Pau Doce, o pânico foi enorme, geral e irrestrito, ou quase, superlotando, em consequência, o Posto de Saúde local, mais os Postos das praias vizinhas: Maresias, Pauba, Toque-Toques, Santiago, Praia Preta, Praia do Cu-de-Ferro, Boiçuca e, até, o Hospital Regional de São Sebastião. O diagnóstico de todas as internações foi um só, único e solitário: “Sindrome de Abstinência Antecipada”, ou, como quer a Orgasmização Mundial de Saúde: “Pânico Apriorístico Cautelar”, com o fator desencadeante rubricado como: “Antecipação Prévia de Estado de Carência Absoluta”. Dada a repercussão, até internacional, da calamidade pública, a pedido, (solicitadamente imposto), das autoridades estaduais e federais, as três polícias intervieram com vigor (e algo mais) com o fim de identificar os criminosos e colocar uma pedra (enorme) sobre o doloroso drama. Pelo que se pode saber, passados 28 dias do sucesso, o presumível autor da proposta ainda não parou de correr, dando conta algumas versões de que já teria atingido o Alto-Xingu, enquanto outras, mais insistentes, afirmam que estaria levantando poeira na África Sub-sahariana. Deus o tenha!

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

48 A nihilidade do nada e a tihilidade do tudo

Semana passada estávamos realizando uma pesquisa científica sobre o tempo médio de volatilização do álcool quando incorporado à corrente sanguínea a partir da sua ingestão através de vários condutores distintos: do goró-gogó (pinga pura) ao leite-de-onça (cachaça, leite-de-coco e leite condensado), passando por vários outros intermediários entre a pureza do primeiro e a misturança do segundo. O laboratório onde ocorria tão transcendental investigação era o Bar Bitúrico e já estávamos lá há quatro dias sem sair de cima, quando o Eutanásia, sócio majoritário do laboratório (além dele, tem mais dez pichulés – todos atletas praticantes), introduziu, com a suavidade de um supositório de glicerina, um novo tema para a discussão: “o que é o nada?”. Rapidamente, o Cafarnaum pediu um copo cheio até a boca para ele, pensando tratar-se de bebida nova. O Micoim, com uma Coramina na veia, estava terminando seu quinto retorno (“retorno” é o nome técnico da volta do coma alcoólico), não sabia o que estava acontecendo. “Lona”, gritou o Pé-de-Alface, que jogava porrinha com o Canguru. De cara, achei que o Pé tinha acertado a resposta quando sua mão aberta e vazia me disse que ele não ouvira a pergunta. “Porra, Caridade (“Caridade” é o apelido do Eutanásia), que pergunta mais pentelha, às quatro e meia da manhã?”, protestou o Vespinha. “Cala a boca, meu, que esta espelunca é de respeito. Só discutimos coisa séria, cacete!” Bom, o fato é que quando os pornográficos raios solares vieram encher nossos sacos, ainda estávamos analisando o nada. O nada é o contrário do tudo e do todo. A ausência de alguma coisa. O não-concreto. O vazio. Mas, a essa primeira resposta, interpôs-se a questão: “e uma idéia, é nada?” Se a idéia existe, existindo não é nada. Assim, não apenas o concreto nega o nada, mas também o incorpóreo o anula. Ao negar e anular o nada, estrutura-se o não-nada. Um corpo (uma garrafa de rum, por exemplo), tanto quanto uma idéia (vg, a etilidade edênica) configuram o não-nada. E o não-nada é a negação do nada, que, por sua vez, o anula. Pensando bem, o próprio nada nega o nada, já que o nada é a idéia de nada e, como idéia, existe e, existindo como nada, mesmo em idéia, nega a si próprio, que nada é. Quando, por exemplo, alguém diz: “não quero nada” é porque quer alguma coisa, já que duas negações equivalem a uma afirmação, como asseverava o bom e velho Antígenes, o Moço. Mas, mesmo que dissesse: “quero nada” é porque esse alguém não-nada quer. Mesmo que o não-nada não seja coisa alguma, (ou seja coisa alguma?). Se existe a idéia de não-existência (e é inegável que a não-existência, como idéia, existe) a não-existência é uma sonora impossibilidade. Coisa alguma, não-existência, nada são subterfúgios para o ser humano agarrar-se à ilusão negadora de que o ser é tudo em todo tempo e em toda parte. Essa idéia de total-totalidade é absurdamente insuportável. Podemos tolerar tudo, até a mais hedionda das possibilidades, mas não a onipresença do tudo. O que nos salva, nos alivia, nos conforta da cruel ditadura do tudo é o sonho do nada. Por essa razão, as religiões criaram o céu, o paraíso, em oposição à realidade do mundo. Mas, o paraíso não sendo concreto, é uma idéia e, sendo idéia, é um não-nada, existe. Como existe o círculo quadrado, o dia de 48 horas e o movimento estático. “E o sol noturno” emendou o Capistrano de Abril, que babava um fiozinho de licor. Após essa terrível constatação, interrompemos nossa filosófica discussão sobre o nada. Raiava a quinta manhã e a nossa
pesquisa tinha que prosseguir. “Muito obrigado!” Disse o Euta. “De nada!” Gritamos todos antes de desmaiarmos.

sábado, 8 de janeiro de 2011

47 Futebol: a depravação maior do humano ser

Posso afirmar, posso afirmar com toda convicção e tranqüilidade, de fato, não só eu posso afirmar, mas podemos afirmar todos, com certeza, podemos afirmar, de pés juntos, que em Pau Doce nada é proibido. Ora, se nada é proibido, tudo é permitido. Mas, é verdade que nada, absolutamente nada, é proibido em Pau Doce? Estará se perguntando o leitor, em geral, um ser inescapavelmente nesciente. Exatamente isso que você entendeu (apesar de que “entender” seja uma operação muito sofisticada e quase inalcançável para a maioria), em Pau Doce não há a menor possibilidade da existência de qualquer proibição. Sequer é possível proibir a própria proibição. E tudo é permitido, mesmo a proibição. Sendo permitida a proibição (já que tudo é permitido) e a própria proibição não podendo ser proibida (pois nada pode ser proibido), acabamos por permitir a proibição. Conclusão: em Pau Doce não sabemos mais o que é permitido e o que é proibido, nem ao menos vislumbramos o sentido de permitir e proibir, dois verbos que, para nós, são impossíveis de distinguir. Por tudo isso, a Academia de Filologia e Lingüística Paudocense resolveu, sabiamente, como se espera de qualquer Academia de Filologia e Lingüística, unificar os dois referidos verbos que, aqui, nada têm de contraditórios ou de antonímicos. Dadas as acerbas e acaloradas discussões e divergências, a Academia (seus dois membros) decidiu pela criação de duas novas formas verbais sinônimas: Proitir e Permibir (formas, aliás, que depois de criadas, regulamentadas e sacramentadas pelos acadêmicos jamais foram utilizadas, numa deslavada atitude de ingratidão popular). E como seria possivel distinguir situações concretas em que uma ação, sendo proitida (ou permibida), poderia ou não ser realizada? Estará, inutilmente masturpensando-se o microbiano leitor. A resposta a esta pergunta é que esta pergunta não tem resposta. Depende da situação concreta, do dia, da meteorologia, da fase da lua, dos personagens envolvidos se personagens houver, da contagem de glóbulos vermelhos no sangue e o catano. Por exemplo: algo que é totalmente permibido (ou proitido) em Pau Doce é o futebol. Tudo, tudo, tudo, menos futebol. Prostituição sim, futebol não. Corrupção, concupiscência, fúria uterina incontrolável, cleptomania genética ou adquirida, ceborréia, pé chato, fecalomas artísticos, acreditar em Papai-Noel e tantas e tantas outras virtudes malignas são toleradas e, algumas, até francamente incentivadas, menos futebol. Mas, como? Estará vociferando o oligofrênico leitor. Se na Itinerância nº 9 é citado o time de futebol de Pau Doce, inclusive com toda a escalação, com direito a preparador físico e diretor técnico? Calma, calminha! O tal time existe apenas formalmente, para efeito da política externa de Pau Doce, mas, na verdade, nunca existiu, jamais jogou, em tempo algum foi sequer imaginado como uma possibilidade real (a mentirinha homeopática é uma das nossas principais virtudes). Nem mesmo as crianças – esses curiosos seres quase-humanos – brincam com bola: não há campinhos, nem quadras, nem nada que lembre, mesmo remotamente, essa asquerosidade suprema. Brincam de roleta, carteado, jogo-do-bicho, garrafão, humana-mula, bozó, gulufim, pegador, de casinha, de médico genicologista, mas com bola, jamais. Nada há de mais vergonhoso na vida humana do que o esporte. Todos e qualquer um. Competição, campeão, primeiro lugar, medalha de ouro, vencer, vencer, vencer, disputas mil, tudo isso seria de um ridículo atroz, se não fosse catastrófico e horrendo (o que é uma guerra, se não um campeonato, um jogo, uma disputa?). Ao esporte interessa quem nada mais rápido, quem chega primeiro, quem salta mais alto, quem tira mais sangue, quem cospe mais longe, quem nocauteia o opositor, quem supera os limites humanos. Não há medalhas de ouro para o último, para o quarto lugar, para quem, humanamente, não consegue chegar. Para estes, o opróbrio, a vaia, a humilhação, na melhor das hipóteses, o esquecimento. Mas, dos esportes o pior, o mais patético e incompreensível é o futebol (até as lutas têm a vantagem de ser mais abertas e descaradas). Vinte dois marmanjos (podem ser marmanjas também) correndo atrás de uma esfera saltitante, chocando-se constantemente, às vezes, de forma violenta, tentando enfiá-la com o auxílio dos pés (ou da cabeça) num retângulo de alguns metros quadrados. A quadrilha, (os onze que se vestem com roupa igual), ou time que conseguir enfiar mais vezes a esfera de couro no retângulo dos inimigos, vence. O outro grupo, o mais encaçapado, perde. Vejam que coisa importante, que transcendental! É tão importante e tão transcendental que a assistência grita, vocifera, ulula e, muitas vezes, insulta, ofende, ameaça, agride e mata. Tudo porque outros preferem outros onze que não os seus onze preferidos. Os ingleses aterrorizaram os mares, incentivaram e administraram a escravidão negra, piratearam os oceanos, pilharam os cinco continentes – da China à Argentina, da Índia ao Sudão, da Austrália ao Canadá – criaram a mais-valia, o supremo roubo do capitalismo, carnavalizaram o massacre das pobres raposas e, para coroar, inventaram o futebol. Os seus “holligans”, exemplo maior de aficcionados futebolísticos, continuam matando Europa a fora. Em português, o verbo escolhido para definir a atitude de apoiar uma equipe foi, muito apropriadamente, “torcer”. Torcer, como a lavadeira torce uma peça de roupa para dela tirar, a força, toda água; torcer, como se garroteia uma torneira para que feche; torcer, como o granjeiro mata um frango, destroncando seu pescoço. Isto faz a massa apreciadora do futebol: torce, e, por isso, se chama torcida. Em Pau Doce, cultivamos a paz, o sono, a birita, a malemolência, a tranqüilidade, o sossego, os jogos sexuais, uma luxuriazinha maneira. Nosso lema: fora toda a agressividade, toda a violência, toda competição, toda disputa, todos os vencedores!