quarta-feira, 9 de março de 2011

59 Paudocês na ponta da língua

Muito temos discutido, ultimamente, sobre o Paudocês. Você, ignaro leitor, com a incompetentividade que lhe é peculiar, poderá estar achando que nós não temos nada que nos meter nesse tipo assunto. Axioma totalmente falso, digamos, sofisma primário. Os mais eminentes filólogos do Paudocês (nóis) temos nos perguntado: o que pode ser mais incisivo, ereto e penetrante do que o Paudocês? No início de nossos debates, notamos um certo constrangimento, sobretudo da parte dos participantes mais acaipirados, oriundos dos grotões do atraso, de regiões ignotas e semiperdidas, fins-de-mundo, onde só sobrevivem os insetos mais peçonhentos, os animais mais agrestes e os humanos mais rústicos. Gente boa, mas carente de uma mínima dentição do espírito, os conhecidos “banguelas culturais”. Regiões inóspitas e despovoadas como Campinas, Bauru, Presidente Prudente, Atibaia, São Carlos, Araraquara, Ribeirão Preto, Sorocaba. Demorou para que percebêssemos a razão dos caipirões se mostrarem tão constrangidos. A ficha só caiu, definitivamente, quando um dos sertanejos, no meio de um acalorado debate disse, quase gritando: “Paudocês uma ova, queru vê ocês falarem amodi o Paumeu!” Quando aquela voz roufenha e desarticulada pronunciou a palavra “Paumeu”, com uma entonação de desafio e agressividade, entendemos tudo. Foram necessárias três reuniões, de quatro horas cada uma, para explicar aos matutos que Paudocês não era “Pau d’ocês” (Pênis Vosso ou Pinto Alheio) e sim, o idioma falado em Pau Doce. Que aqui a língua não é, exatamente, o português, mas algo diferente, mais criativa, mais sofisticada, muito mais elaborada. Segundo os Paudoçólogos, o Paudocês é um idioma classificado como o nível 1 pela “Escala de Surdeviski e Mudezts”. Essa escala posiciona as línguas pelos critérios de sofisticação e qualidade, numa variância que vai de 100 – para as mais toscas, primárias e desarticuladas – a 1 – para as mais complexas e aperfeiçoadas. Para que o leitor possa ter uma idéia (o que reconheço ser muito difícil) o inglês tem a classificação 99, só perdendo para a “Língua do Pê”, já que é um idioma bárbaro, primaríssimo, semibalbuciante. Outras classificações de línguas bastante conhecidas: o pushtu tem a posição 91, o tâmil, 83, o ovimbundu, 77, o farsi, 74, o grego moderno, 72, o bariba, 66, o fon, 61, o setswana, 59, o mossi, 54, o swahili, 50, o náuatle, 45, o amárico, 42, o cebuano, 38, o tualog, 34, o iloco, 30, o ifugao, 29, o malinka, 25, o abkhaz, 22, o soussou, 19, o fang, 15, o bubi, 13 e o gujarati, 9. Os cinco primeiro lugares são ocupados pelos mais perfeitos idiomas criados pelo homem: 5º- mandarim, 4°- indu, 3º- grego antigo, 2º- latim e, no primeiríssimo lugar, o Paudocês. A perfeição da língua de Pau Doce é tal que, na maioria das vezes, permite a comunicação (perfeita) apenas por monossílabos (só!, tá, tó, tô, ti...) e, outras tantas (vezes), bastam grunhidos articulados engastados em situações/momentos de inconsciência etílica, funcionando como relação cognitiva telepática (Pruuuuhh... Srruuu... Arghhh... Brruuuss... Miineeemiiii... Pffrruuu... Ssniiiiss...). Os gramáticos do Paudocês, ou seja, os que tiram o Paudocês para fora, do seu nicho interior, colocando, com cuidado e delicadeza, o Paudocês na boca. Colocando o Paudocês na boca? Estará se perguntando, de boca aberta, o parviíssimo leitor (um puta pudico). Na boca, claro. Colocando o Paudocês na boca das mulheres e até na boca dos homens. Ensinando-os a conhecer o Paudocês em seus mais íntimos detalhes, não só na sua aparência externa, mas também em sua estrutura interior. Enquanto outros idiomas (que mais propriamente deveriam ser chamados de idiotomas) primam pela objetividade, a ponto de serem registrados em dicionários – o máximo da objetividade obtusa – o Paudocês é totalmente subjetivo, já que cada indivíduo paudocesófono cria as palavras, com os significados correspondentes, ao seu bel-prazer. Impossível, então, um dicionário de Paudocês. Seriam necessários tantos tipos de dicionários quantos fossem os falantes. Apesar dessa total subjetividade, o Paudocês é belo, é forte, impávido colosso. Seus verbos, ao invés das minguadíssimas e ridículas cinco conjugações do português, tem infinitas possibilidades conjugacionais, que podem ser convertidas em apenas uma e, mais comumente, em nenhuma. Outra interessante idiossincrasia é que os substantivos não têm substância, como, aliás, deveria ocorrer com todos os outros idiomas, ao menos com os que são considerados sérios e respeitados. Nela, os adjetivos funcionam como pronomes, os quais têm a missão de advérbios, que atuam como conjunções, que, por sua vez, substituem as preposições, que, na realidade, são artigos. Mas, talvez, sua marca maior e determinante, seja o fato do Paudocês não possuir voz ativa (em especial no gênero masculino), sendo totalmente, dominado pela voz passiva, como, aliás, ocorre com tudo o que é de Pau Doce. A questão da acentuação também deve ser destacada. Todo acento do Paudocês é tônico e todo tônico, por lei deve ter graduação alcoólica mínima de 18 graus. Já a estrutura da palavra paudocesa é sofisticadíssima, compreendendo, fonema, morfema, estratagema e siriema. As figuras de sintaxe, além das 11 normais (elipse, zeugma, pleonasmo, hipérbato, anástrofe, prolepse, sínquise, assíndeto, polissíndeto, anacoluto e silepse) possui outras 49, das quais a senvergonhetse, a masturbazeugna, a desmunhequieuze, a babacoluta e o filhodapústrofe são as mais utilizadas. Concluindo esta filológica reflexão, constatamos que se o Paudocês é uma língua, e se o lugar da língua é no interior da boca, o ideal é colocar o Paudocês, lá, inteirinho, bonitinho, dentro da boca. Na minha não, violão!

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