sábado, 19 de março de 2011

61 A COMIRRABO na DESMONTAOPAU

A vida econômica com suas contradições, choques brutais, jogadas mirabolantes, busca desenfreada do lucro e tantas e tantos tripanossomos alimentados pela avareza e pela cobiça, lançou um dos seus ciclópicos tentáculos em direção a Pau Doce. Foi, recentemente, inaugurado um imenso desmanche de automóveis (na verdade, tanto manche como desmanche; primeiro desmancham e, depois, mancham) multinacional e tecnológico. Atraídos pela fama, merecida, de independência, autonomia, moititude e liberalismo radical de nossa praia, os administradores desse respeitabilíssimo e conceituado empreendimento escolheram-na como ideal para aterrissarem sem perigo. Dado que aqui as construções são modestas, indo de cabanas, taperas, pequenas casas, bangalozinhos, chalés de madeira, muquifos simpáticos, até, no máximo, a algumas mançõezinhas meia-boca, pequeninonas umas, outras grandesinhas e solares razoavelmente espaçosos, mas nada nas dimensões exigidas para abrigar a desmontadora de automóveis, a escolha recaiu, como não poderia deixar de ser, sobre as belas ruínas do Palácio de D. Pedro. Como vimos antes, o puteiro há muito não funciona mais, tendo deixado na mão (literalmente) ministros, cônegos e generais, sendo que as quengas já são, merecidamente, velhas inquilinas do paraíso celeste. O fabuloso capital envolvido no empreendimento, que não poderia ser mais moderno – já que é oriundo de grandes transações internacionais (não de internações transanais) virtuais e virtuosas, produzidas pelos mais importantes e idôneos paraísos fiscais – e, ao mesmo tempo, também não poderia, o dito capital, ser mais limpo e higiênico – pois é fruto das mais eticamente sofisticadas e tecnologicamente perfeitas lavadoras de dinheiro. Os administradores desse capital, com muita dificuldade, subornaram os insubornáveis membros da família real brasileira, em Petrópolis, que nunca tinham feito a mínima idéia da existência dos escombros de Pau Doce, menos ainda, que tinham algo a ver com eles e, meníssimos ainda, que poderiam representar uns santos trocados pingando nos bolsos da falida aristocracia. Ficaram felicíssimos, pois a pobre família vive hoje, somente, de uns desmilingüidos caraminguás advindos de um laudemiozinho sem-vergonha e da exploração, venda e aluguel de uns poucos escravos remanescentes, produzidos em seu criadeiro escondido na serrana cidade fluminense, que os príncipes arrendam (preferem arrendar) para times de futebol, grupos de pagode e música baiana, para desfiles de escolas de samba e para novelas da Globo. As ruínas, recuperadas em tempo recorde, passaram a abrigar a DESMONTAOPAU (DESMONTAdora Oculta de PAU Doce), com a capacidade instalada de 100 veículos/dia desmanchados integralmente. Além da Unidade Geradora de Peças (o desmanche), há, ainda, o Setor de Recuperação dos Componentes, a estratégica Sessão de Alteração de Números de Chassis e a Produtora de Placas Frias e Novos Documentos. Parte da produção deverá ser comercializada como peças de reposição nos mercados nacional e internacional e a outra metade destinada à parte da planta industrial (que tem vida própria e independente) voltada à montagem de novos veículos (o manche), a MONTANOPPAUMONTAdora NOvos Produtos de PAU Doce. Como estratégia globalizante, está sendo estruturada a SEGURAOPAUSEGURAdora Operacional de PAU Doce – e a ENFIOPAUENtidade FInanceira Operacional de PAU Doce. Ou seja, a linha de produção completa da DESMONTAOPAU: MONTANOPPAU, SEGURAOPAU e ENFIOPAU. Tudo com o devido respaldo dos órgãos fiscalizadores como o Instituto Brasileiro de Resseguros e o Banco Central. Uma escola para formação e aperfeiçoamento dos funcionários de captação de veículos alheios também está nos planos da empresa. A cerimônia de inauguração não foi, de fato, uma cerimônia de inauguração. Foi uma Festa de Arromba de uma semana. Festa de Arromba não é uma mera expressão para descrevê-la, mas o nome oficial da dita festa. Festa de Arromba. Tudo a ver, aliás, com a inauguração de um desmanche clandestino de carros. Erasno Carlos foi o artista convidado para o show principal (“Vejam só que festa de arromba (captchura!) em Pau Doce eu fui encontrar (captchura!), presentes no local trombadinha e trombadão, quem não era punguista era político ou ladrão...” bela adaptação do Erasno!). autoridades às pencas, tanto dos 3 níveis, quanto dos 3 poderes. Todas escamoteadas, todas eufóricas, todas se esbaldando. Nomes falsos, e títulos mais falsos ainda, habitavam os enormes crachás multicoloridos e espalhafatosos. Renomadas companhias de acompanhantes femininas (mistas também), incluindo algumas internacionais como a gigante norte-americana “Scort-girls and Peace”, montaram vetustos prostitutodutos ligando diretamente o Rio e São Paulo a Pau Doce. Deputados nordestinos, com seu português ancestral, e o desespero em se apropriarem de tudo, até mesmo dos brindes mais idiotas, contavam-se às centenas. Senadores, edis municipais, deputados estaduais, juizes, advogados, prefeitos, assessores de tudo o que é imaginável, (e vários inimagináveis), ministros, secretários, militares da reserva, primeiras, segundas e terceiras damas, Pau Doce foi tomado de assalto pela mais completa fauna de predadores do país que se tem notícia. Numa decisão inusitada, nunca antes registrada nos anais da crônica política nacional, foi suspensa a sessão do Congresso Nacional, sob a desculpa de dedetização dos imóveis da Câmara e do Senado. Várias das Assembléias Legislativas Estaduais e centenas de Câmaras de Vereadores seguiram o exemplo de Brasília e, também, contrataram empresas para descupinizar suas sedes, não sem antes votarem a liberação de verbas para a viagem a Pau Doce. O Partido dos Trambiqueiros, o Partido dos Solidários com os Devedores Brasileiros, O Partido Tô na Boquinha, o Partido dos Dinossauros Trogloditas, o Partido Sempre Baratinho e Partido da Partilha foram alguns dos que enviaram alcatéias de representantes. Na medida em que as manadas de políticos iam adentrando no Pau, ainda nas proximidades da Rio-Santos, eram recebidas festivamente pela COMIRRABOCOMIssão de Recepção da RApaziada BOazuda – na qual se destacavam centenas de bem fornidas meretutas e prostitrizes, convenientemente, vestidas com um colar havaiano e sandálias de salto 12. A cada convidado era entregue, além do colar de uma das recatadas funcionárias (o que a deixava apenas com os pés cobertos – para azar dos pedólatras), um kit-cidadão com peruca, barba e bigode postiços, óculos escuros, o mega-crachá, tubos de lança-perfume, vaselina em spray e repelente de mosquitos. Durante toda uma semana, Pau Doce viveu uma orgia de discursos improvisados, com incríveis propostas sobre o nada e a coisa-nenhuma, de discussões, de debates, de disputas verbais sobre os mesmíssimos temas dos discursos. Tornou-se, ainda, o maior bordel a céu aberto do planeta e, com tantos políticos reunidos, foi superado o recorde mundial de bateção de carteiras. Foi possível, no entanto, perceber que esse tipo de furto, nunca antes aqui registrado, é muito menos deletério do que se pode imaginar, já que funciona como excelente remédio contra o estresse e não tem efeitos práticos, pois como todos roubam a todos sempre que podem, tudo termina empatado. Finda a semana, com a volta da paz a Pau Doce, era hora da DESMONTAOPAU começar a funcionar. Não funcionou no primeiro dia. Tentaram no segundo. Nada. Nem no terceiro, no quarto, quinto... Após quinze dias, a saída encontrada pelos dirigentes foi fechar o empreendimento e ir embora daqui. A mão-de-obra operária, necessária para mover toda a estrutura, seria recrutada em Pau Doce. Não conseguiram um só que quisesse trabalhar. Viva Pau Doce!.

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