sexta-feira, 27 de agosto de 2010

20 Au! Au! Au! Latidos no Pau

Finalmente consegui um casal de amigos fiéis. Fiéis no sentido de fiéis-fiéis. Fidelidade. Fidelissimidade. Não de fiéis sectários, fiéis de alguma fé, igreja, religião, culto. Mas, na verdade, pensando bem, (o que é difícil, mas não impossível) são fiéis também neste sentido, de alguma forma, quem sabe? Participam de um culto: à minha pessoa. Professam uma religião: na qual sou o messias. Pertencem a uma igreja: dirigida por mim. Têm uma enorme fé: em tudo o que eu digo. Enfim, são meus fiéis amigos, em todos os sentidos. Eu os adoro, não só porque eles me adoram, mas também, porque os domino, acima de tudo porque me pertencem, sobretudo porque os controlo e principalmente porque são meus e ninguém tem nada com isso. Não são meus escravos, como o afoito leitor pode estar pensando. Primeiro, porque isso de escravo está fora de moda e, além de fora de moda, dá cadeia; segundo, porque, de fato, não são meus escravos e, terceiro, são, apenas, de minha propriedade e pronto! Tenho documentos – manuscritos – (muito mal manuscritos, na verdade), provando o que digo. Ao menos o cara que me vendeu... De fato, ele não me vendeu. Tecnicamente, não foi uma operação de compra e venda. Ele os perdeu numa partidinha de pôquer. Fazer o quê? A figura, um desses perdedores por definição, vocação e DNA, já não tinha mais o que jogar. Havia perdido a barraca em que estava acampado, com tudo o que tinha dentro – porteira fechada – pro Parangolé. (O Parangolé, diga-se de passagem, é gente fina, finíssima, honestíssimo, incapaz de se aproveitar de um incauto ou de quem quer que seja). A 4X4, turbinada, com ar-condicionado até nos pneus, entregara, com documento assinado e tudo, ao Coroinha (na verdade, Coroinha do Capeta, o apelido completo). Quando chegou minha vez de pegar o bocó, já havia ido tudo, grana inclusive. Enquanto esperava meu turno (quando aparece um pato profissional como ele, fazemos um jogo paralelo para estabelecer a ordem de quem vai jogar com o infeliz. O ideal é não ser nem dos primeiros, que têm que jogar quando a partida ainda não esquentou, nem dos últimos, quando se corre o risco de só restar quirera, ou nem isso. Pra meu azar, fui dos últimos), fiz amizade com a dupla e, ao final, acabei aceitando o lote. Nunca fiquei sabendo o verdadeiro nome deles, pois na hora da troca de proprietários, o Bar Bicha parecia mais uma UTI do que um inferninho: um tomando whisky direto na veia, outro com um tubo de rum na traquéia. Tinha até nego aspirando gim por mangueirinha pelo nariz. Outras técnicas mais escatológicas, melhor nem lembrar. Três dias depois, quando acordei na minha cama, (sempre o mistério nunca desvendado de como consigo entrar em coma no bar e ressuscitar já no meu berço), a primeira coisa que senti – ainda não conseguia enxergar nada – foi a sensação de estar sendo observado. Uma hora e meia depois, quando abri os olhos, vi as duas caras peludas me olhando atentamente. Dei um grito pensando que estivesse no inferno, impressão corroborada pela fornalha dentro da minha cabeça. A sensação familiar de minhas mãos agarrando o lençol empapado de suor, me indicou que não estava nos quintos e nem aquilo era um horrendo pesadelo. Era, com certeza, uma horrenda realidade. Tentando me controlar, fui avaliando a situação. Minha cabeça estava, efetivamente, explodindo, o que, naquelas circunstâncias, era normal, a cama era, de fato, a minha, o lençol pingando, o meu. Mas, e aquelas caras peludamente diabólicas? Seriam lobisomens? Criei coragem, separei os dedos, deixei cair o lençol e, devagarinho, abri novamente os olhos. A esperança de ter sido uma alucinação gerada por destresse alcoólico, ou crise de abstinência, se desvaneceu. As caras continuavam lá, me encarando, os olhos me olhando. Se não eram lobisomens, pareciam cachorros (nunca soube bem qual a diferença). Cachorros? O que estariam fazendo dois cães ao lado da minha cama? Num relâmpago, me lembrei. O pôquer, o pato, o Bar Bicha, os cachorros. Assim começou essa fidelíssima amizade. Rebatizei-os, já que não sabia seus nomes. Para ele, um cocker esperto e malandro, escolhi Messalina, essa maravilhosa personagem, exemplo de mulher, deusa, paradigma do amor, minha heroína. Ela, uma sheepdog monumental de 150 quilos e um metro e oitenta de altura, tranqüila e doce, chamei de Napoleão, símbolo do humanismo, da construção da paz entre os povos e da integração humana. Messa e Napo me adoraram desde o primeiro olhar e da primeira cheirada. Aos poucos, mas rapidamente, se acostumaram aos meus hábitos e se habituaram aos meus costumes. Todos os dias, entre quatro e cinco da tarde, me acordam com suculentas lambidas na cara. Aprenderam a me carregar para casa e a me colocar na cama, quando a situação exige. Tiram, não sei como, a coleira de Napo e a põem em mim (acho que é Messa quem faz o trabalho) e imagino que assim conseguem me arrastar até o berço. Sempre acordo com aquele coleirão no pescoço e escoriações generalizadas. Nada grave. Nada que uma boa talagada não resolva. O mais lindo de tudo é a devolução da coleira. Chamo e Napo vem correndo, contentíssima. Antes, saltava em cima da cama, mas depois de quebrá-la varias vezes, aprendeu a esperar sentada. Para conseguir chegar a seu pescoço, (quase impossível de encontrar naquela floresta de pelos), faço o indizível esforço de me levantar e, na ponta dos pés, cumpro a missão. E nada disso seria possível sem a prestimosa colaboração de Messa que, sobre a cama, tira a coleira do meu pescoço, lambe-me a cara freneticamente, sabendo ser essa a única maneira de levantar-me do leito, segura e me alcança a coleira no momento do supremo esforço da recolocação. Não sei como poderia viver essa vida de monge sem a maravilhosa companhia dos dois. Adoro quando cantam a duas vozes; ela com um grave quase profundo e ele com trinados de prima-dona. Todo aquele que os vê atuando entende, na hora, a razão dos nomes. O único sofrimento é quando Napoleão entra no cio. Pobre Messalina, não consegue chegar no ponto G nem com todos os meus amigos do Bafo da Capivara tentando ajudar. Mas, também, com essa ajuda, nem eu.

sábado, 21 de agosto de 2010

19 Surfisticando

O paraíso do surf. Minhas mais profundas e escabrosas fantasias sexuais sempre tiveram relação com o surf. Mas, nunca me havia imaginado morando no olho do furacão, dele, o surf, (nem em outro olho qualquer). E Pau Doce é o que se pode chamar de Meca do surf, o centro, o âmago, o fulcro, a capital, a alma, a medula, a essência, o imo, o coração, ou seja, em se tratando de prancha, Pau Doce não amolece. Causa riso a qualquer “expert” na matéria ouvir falar em Waimea, Puerto Escondido, Pipeline, Teahupoo, Tavarua, Pandang, Itaúna e Mar Morto. Com a compreensível exclusão do falecido, que já não faz nem marola, as 7 citadas praias (e outras tantas que queiram se meter a besta) são humilhadas e reduzidas ao ridículo por Pau Doce. Aqui, e só aqui, se surfa o surf com SÛ maiúsculo, RÊ médio e FÊ minado. Revistas especializadas como a famosa “Surfo(n)da-se” ou a alternativa “Çurfe Periférico” são unânimes em discordar juntas num contraditório uníssono que o surf é doce em Pau Idem e que se o surf é salgado, o Pau é Doce. “E por que – estará se perguntando você, caretíssimo leitor, que em sua crassa desinformação acha que WCT quer dizer Word Center Trade – esta praia é tudo isso que estou dizendo?” Terá ela ondas de 80, 90 pés? Tubos intermináveis como túnel de metrô? Ventos apropriados soprados pessoalmente por São Surfiel da Parafina, padroeiro das pranchas? Não, Pau Doce não tem nada disso, mas, na verdade, nada disso é importante para ser o centro mundial dos “drops”, dos tubos e dos picos. O fato é que para cá acorrem todos os anos, o ano todo, os “Big Fool Johnnys” do circuito mundial, os Tupis da WCT, (os da WQS nem passam por perto), como Taj Padaratz, Neco Burrow, Kelly Ribas, Victor Slater, Davi Figueiredo, Rodrigo Hofmann, Stephan Resende, Veted Garcia, Mark Lopes, Damien Occhilupo, Barack Ahmadinejad, Luiz Inácio Serra da Silva, Silvio Chirac, José Luis Berlusconi, Elvis MacCartney, Jacques Zapatero, Surfando Henry Quecar do Zoo, Hildebrando Beira-Mar, Fernandinho Pascoal, Zeca Pacotinho e outras verdadeiras âncoras de 200 toneladas de todo o surf da Via Láctea. Como em Pau Doce as ondas têm preguiça de subir a mais de 20 centímetros, os ventos adormecem por meses a fio e a maré é sempre alta, (pelo teor alcoólico dos banhistas), eles vêem aqui:
1º- para aprender a surfar o surf do futuro, que será sem ondas e com a água parada,
2º- porque aproveitam para descansar, ganhando no mole (quer dizer, no Doce),
3º- na verdade, nem eles sabem qual a 3ª razão,
4º- para aprofundar, às últimas conseqüências, a 2ª razão,
5º- porque, sendo a praia Doce, dá sempre pra dar umas lambidas,
6º- porque são contra a pesca e o peixecídio, já que os aquáticos moradores são surfistas submarinos,
7º- porque a prancha, a ferramenta de trabalho, também é um pau doce,
8º- porque em rio que tem piranha, jacaré (surfista de “neoprene” definitivo) nada de costas,
9º- porque Pau Doce é um mar de rosas e
10º- porque as nove anteriores já são razões pacas.
E o surfeminino? Esse, mais do que os surfeminados, desfila toda sua glória em nosso amantíssimo Pau. Em cada 10 surfistas da moda, 11 preferem Pau Doce, (sempre há alguma penetra – sem duplo sentido). Vêm todas elas para cá, glamourosas, dropar, ensaiando “trips” nos picos (picos!), entocando-se de “grab rail” nos canudos, mesmo em fortes “swell” do oeste, encaixando com perfeição na bancada, sem sair cuspindo pela baforada (que não é elegante pras gatíssimas), mas dando “drops” no crítico e altos tubos de “back side” (só de “back”?) profundos. Tudo isso sem estragar o “pancake” e molhar o cabelo. A maioria surfa no imponente instituto de beleza “Maquiando Pau Doce” com magníficos relaxamentos, escovas monumentais e mirabolantes megahairs. À noite, desfilam suas exuberantes e semi despidas “bodyboards” pela palpitante vida noturna local, levando seus mal-cobertos glúteos para passear e seus enormes gêmeos siliconados para conhecer a rapaziada, cujos membros as apreciam com a apatia e o desinteresse próprio da geração saúde com fumaça e, entre bocejos sonoros, se entreolham, descrevendo magistral e meticulosamente o que vêem, grunhindo um onipresente e monocórdico: “Demorô broder!” Mas, é exatamente aqui que se aguçam minhas pornofantasias surfísticas. Mas, claro, isso é um assunto muito pessoal...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

18 Urbanispaulização

O famoso geólogo bíblico Catano da Babilônia determinou em sua sabedoria: “Se queres conhecer uma urbe, conheça sua topografia”. Já, o historiador medievo Cunnilingus di Breccia, discordando, priorizou, para esse fim, os nomes dados pelos mais antigos aos logradouros, praças e ruas. Enquanto, para o arquiteto Teto da Cruz, contemporâneo, os casarios, os monumentos e as igrejas são os mais seguros cicerones de quem deseje desvendar os mistérios de uma cidade. Caso você, jejuno leitor, não conheça Pau Doce e queira conhecê-lo, quer dizer, conhecê-la, vou utilizar esses três caminhos para guiá-lo. Esta famosa praia, como você sabe, está situada no litoral norte do Estado de São Paulo, no município de São Sebastião, margeada pela Rodovia Rio-Santos, a altura dos quilômetros 90 a 117, não contados do marco zero, mas da cota média ideal subtraída do co-seno da fração negativa da idade de Cristo, digamos, 18, (pela tradição, Cristo teve 33 idades a escolher), bem ao lado de um carrinho de milho verde, de quem chega e amarelo, de quem sai, (em homenagem ao longínquo Pentacampeonato, o proprietário, muito criativo, pintou cada lado do carrinho com uma dessas cores surpreendentes). Quem vier de Santos divisa a praia do alto do semiplatô sul-sudoeste meridiano-vertical (conhecido popularmente como “semiplatô sul-sudoeste meridiano-vertical”) e, a seguir, não mais a divisa, mas sente um esfriamento súbito no baixo-ventre, determinado pela vertiginosa descendente abrupta frontal (uma verdadeira Ladeira Porto Geral caiçara), esfriamento explicado, fisiologicamente, por uma repentina e visceral descarga de adrenalina (da boa) nos emo-condutos que circundam a área supracitada, (da barriga, não de Pau Doce), chegando, então ao Baixio de Entrando em Pau. Quem, ao contrário, vier das bandas do Rio, sofre o mesmo processo ao, literalmente, mergulhar do alto da colina Garganta Profunda (também conhecida como Linda Lovelace), pela descendente nomeada Tobogãboto, (ida e volta), tendo que tomar muito cuidado para não se chocar de frente com o outro, que está chegando de Santos. A rodovia (muito mais rodo que via), separa a parte urbana, (edificada a partir da praia), da Serra do Mar e sua pujante Mata Atlântica com suas múltiplas cachoeiras, cascatas, quedas d’água e seu principal produto o, tecnicamente indestrutível, borrachudo. A praia é formada toda ela de areia branca, quase branca, digamos, clara, assim, meio cinza, e banhada pela água do mar que, surpreendentemente, em Pau Doce, é salgada, (mas, não deveria, se o Pau é doce). Ela é contornada pela Avenida Monumental, (é um monumento de avenida), com seus intermináveis 120 metros de extensão, conhecida, pela geral, como Avenida da Praia ou Quarteirão Molhado. A ela chegam, ao mesmo tempo, todas as suas perpendiculares, em número de 25, num mesmo ponto, o que as torna oblíquas, evidentemente. A do meio, (com 12 de cada lado), é a Avenida Navegador Cornélio Manso, as duas seguintes, (à direita e à esquerda da Cornélio), são a Ricardão Lacaio e a Pureza Castiça, reproduzindo, alegoricamente, o histórico triângulo original fundador de Pau Doce. Seguindo, vêm as ruas –agora todas são ruas - Cura Altivo (homenageando o 1º pároco, padre Altivo do Santo Orgulho, o “Humilde”) e a Loro Moreno (lembrando o inseparável papagaio do Capitão Cornélio, inseparabilidade que o obrigava a lavar 3 vezes por dia a ombreira de sua capitânica jaqueta). As demais, ostentam nomes de personagens secundários da tripulação, (como Secundino de Sá, Duodélio Lima, Doisdédite do Amparo e Bio da Silveira, entre outros), e terciários, da própria terra, (como Trino de Aquino, Trezena de Albuquerque e, a mais famosa e freqüentada, Madame Mara Phona 3ª). A confluência das 25 vias com a Avenida Monumental forma a incomensurável Praça 7, (cujo nome é alterado a cada mês: 7 de janeiro, 7 de fevereiro, e assim, até 7 de dezembro), chamada, carinhosamente, de Pracinha pelos exagerados moradores da própria. Na Pracinha, estão edificados os mais significativos marcos da história arquitetônica paudocense: a Igreja, de estilo colonial envergonhado, o grande Cassino Clandestino Las Vergas, o Mini-mercado da Glória, a Igreja, a sede da AMORADOCE, (Associação de MORAdores de Pau DOCE), o Centro de Umbanda dos Prejudicados, a casa do Dr. Paulão, o “macho”, o restaurante de comida regional Piolho no Barro, a Igreja, e mais, aproximadamente, 700 casas, preservadas desde a época da colonização, vulgarmente chamadas de “O Pombal”. Ah, e a Igreja! Vários terrenos baldios, as entradas das 25 ruas e a abertura para a Avenida da Praia completam a Pracinha. Nos 120 metros da recém-citada Avenida, enfileiram-se, (apenas de um lado, já que o outro está ocupado pela praia), os principais bares, botecos e similares como o Bar Bixa, o Sans Chupança, o Café Coado, 4 padarias, (cada uma especializada em um tipo de pão – esperando-se, para breve, a inauguração de uma 5ª, já que nenhuma das 4 sabe a receita do pão francês), o Boteco Teco, (bar de aviadores e aviadados), o Xaveco de Gaveta, uma franquia autêntica do Mac’Donalds, o Maquidonáus e a Charutaria “Esse Eu Ponho Na Boca”. Como você, leitor, é lento, mas não é de todo parvo, já sabe que na rua Madame Mara Phona 3ª concentram-se os estabelecimentos que oferecem serviço de relações alternativas de tentativas de procriação, ou comercialização carnal ao vivo. Esta concentração está longe de representar monopólio, pois, nas outras 25 vias, (incluída a Monumental), pipocam concorrentes domésticas. E na Praça 7, bom, na Praça 7 temos a Igreja.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

17 Menismo écu (dois)

Finalmente foi realizado o INMUNDICIA de Pau Doce. Incursão Mundial das Cias. Responsáveis pelas Seitas do Senhor. O sucesso foi tão estrondoso, que a ComePau e o Comecu decidiram que seria a primeira e a última realizada aqui. O pretendido clima religioso da festa foi diluído e descaracterizado pelo espírito anarco-sacano-apelativo tipicamente paudocense, a ponto da cerimônia de encerramento ter ocorrido no setor de nudismo da praia (que é, claro, quase a praia toda). Porém, grupos dissidentes do movimento OCENENTASCA (O Carisma É Nosso E Ninguém TASCA!) já estão lançando a Pau Doce + 5. A Incursão Mundial, como havia sido projetada e era de se esperar, teve a participação do maior número já reunido de seitas, confissões, assembléias, templos, associações e quejandos, envolvendo um prisma que ia dos religiosos ultra-ortodoxos, passando pelos multi-religiosos, os para-religiosos, os re-ligiosos, os religiosos-só-pro-gasto, culminando, na outra ponta do espectro, com os semi, os vice e os, francamente, anti-religiosos. Ao som do vibrante hino “Louvemos ao Senhor, mesmo quando chova”, puxado pelo “Grupo Musical Gandaia Celeste”, teve início o culto de abertura, chamado de “Oculto de Abertura”, na verdade um culto-coquetel para a imprensa internacional, (oculto, portanto, para a plebe), patrocinado pela Revista Caras Sagradas, especializada em eventos mundano-religiosos. Dirigido, em sua primeira parte, pelos pastores-alemães da “Igreja Internacional do Império Serrano Celestial”, acompanhados de perto pelos mastins-napolitanos da “Mamma-mia, Delivery Gastronômico-Espiritual S.A.”, teve como destaque o comovente sermão: “A fé, meu irmão, não é mole não!” A coleta desta etapa foi realizada pela associação, sediada em Wall Street (N.Y), “Rezando em Dólar”, vinculada ao “Centro de Fomento Econômico e Palhaçadas Acrobáticas ‘Saltimbancos Centrais’ ”, responsável pela guarda do numerário coletado. A seguir, houve a apresentação do grupo teatral “O Charme da Lhada” (Liga Humor Além Do Além) com a peça histórico-moralista “O filho pródigo e o pai-de-Santos”. A segunda parte do Oculto de Abertura foi oficiada pela hollywoodiana SACANAL – SAga CArismática ‘Nosso Apocalipse é Legal’”, com a coleta sob responsabilidade da “Seita Aceita-se Tudo, Menos Vale-Refeição”. A música, interpretada pela “Camerata Alvinegra Campeões da Fiel Melodia”, foi o responsório do salmo “Glória Hosana e Coisa e Loisa!” A seção foi encerrada com demonstrações e performances dos grupos “Esportistas do Paraíso” (havendo, também, esportistas de outros bairros de São Paulo). Apresentaram-se os “Atletas Mahomenos”, os participantes do “Curso de Ginástica Religiosa, com Clínicas de Genuflexão Acrobática e Peregrinação Estática”, os membros do movimento “Orando na Piscina” e do “Malhando, Rezando, Suando e Sambando: Academia Atlético-Espírito-Carnavalesca”. Nas praças, os hiper-telões mostravam, ininterruptamente, o reality-show “TV é Vida: emoção-curtição-agitação – Sete anos de retiro silencioso com os nonagenários monges do Himalaia”. Enquanto essa vibrante bisbilhotice rolava nas ruas, o Centro de Convenções dava guarida a estandes culturais anunciando “Livros, Encartes, Brochuras e Outras Disfunções Orgânicas”, expondo obras como o “Hinário Interativo” nas edições Luxo Deslumbrante e Meia-Boca, ou “Conversões em Conversinhas com Versículos (Parisienses, 2, 17), “A Bíblia e a Tríblia”, ou o pungente trabalho coletivo “Recuperação, Reciclagem e Relocação de Criminosos, Celerados, Delinqüentes, Facínoras e Inadimplentes do INSS”. A noite e a madrugada foram pequenas para conter o entusiasmo da multidão ensandecida e turbinada pela música dos pagodeiros “Traficantes Unidos da República Mística do Carandiru” e dos manos e cachorras do “Movimento Jovem ‘Esse Bagulho é o Maior Barato’”. Dado o estado de exaltação erótico-carnavalesco, a ComePau resolveu suspender as atividades dos dias subseqüentes. Ficou, assim, totalmente prejudicado o trabalho da agência “Amenshalonsana: Cia Turística ‘Visite Israel e Vá Já Pro Céu, com escalas em Meca, Medina, Tibete e Teresina’”, que não pôde comercializar seus pacotes de viagem; os protestos da “Empresa de Terrenos no Além” ante o Comando foram, também, tão intensos quanto infrutíferos. Seus nababescos prospectos com o texto: “Plano Imobiliário Você no Céu: residências de alto luxo e apart-hotéis. O metro quadrado mais valorizado do Éden. Localização privilegiada, perto da porta: de sua sacada você vê São Pedro, todo mundo que entra e quem é barrado (o maior buchicho!), com vista para a casa do Chefe. Financiamento pela Caixa Econômica, usando o FGTS, cartão de crédito ou dinheiro vivo, menos vale-refeição”, estavam atirados por toda parte, servindo de tapete para os que passavam, sem notá-los, cantando furiosamente o maior hit do INMUNDICIA: “Olé, olama, hosana, Osama os ama!” Os sócios proprietários do “Curso de fim-de-semana para formação de pastores, bispos, diáconos e coletores de dízimo, com opcional por correspondência” ainda tentaram, junto aos dirigentes, reverter a decisão, já que pretendiam inscrever candidatos a seus vestibulares durante os atos da Incursão, mas, não foram felizes. Choveram protestos de internautas que acompanhavam “on line” as atividades, tendo mesmo alguns sites, como o “www.salvacaonamarra.com.br” e “www.taradasporcéu.gov.br”, permanecido congestionados “full time”. Finalmente, no último dia, a ComePau cedeu às pressões do Comecu para que fosse realizado, ao menos, o ato de encerramento, ocorrido, para saciar o estado de embriaguez compulsiva da turba, como já assinalei, no setor nudista da praia de Pau Doce, ao som do funk-canônico “Cantemos ao mundo um canto novo: ilari- ilari-ói, um tapinha não dói”. Cruz-credo!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

16 Écu menismo (um)

O crescimento das seitas religiosas é um fenômeno que, definitivamente, marca o mundo moderno. Quanto mais se desenvolvem a tecnologia e o conhecimento científico, mais o ser humano busca, para sua vida, saídas mágicas e irracionais. E essa hipertrofia acabou contaminando Pau Doce. Não que antes aqui já não houvesse os mais diversos templos carismaticíssimos. Havia. A diferença é que, desta vez, nos tornamos o centro das atenções das tribos do Senhor. Obviamente, é bem possível que só Ele não soubesse disso. Pau Doce foi escolhido como a sede da “INMUNDICIA - INcursão MUNDIal das Companhias (CIAs) Responsáveis pelas Seitas do Senhor”. Mas não foi fácil! Sabedora de que a Comissão Internacional do Movimento “O Carisma é Nosso, e Ninguém Tasca!” buscava um local apropriado para a sua Incursão Quinquenal, o Comando Ecumênico de Pau Doce (o mesmo responsável pela “Festa de São Vinte”, pela “Concentração Candombleística”, pela “Cúpula Maçônica”, pelo “Rumo ao Nirvana: os Budas de Fora Estão Sempre por Dentro” e pelo “Caravançará: Até Meca Avançarei” entre outros), rapidamente apressurou-se em apresentar a candidatura Paudocense à sede do megaculto, com o imbatível argumento de que o Senhor, e todas as possíveis entidades espirituais, sendo assíduos freqüentadores de Pau Doce, já que dão assistência aos incontáveis encontros aqui realizados e, íntimos que se tornaram desta praia, ficariam felicíssimos com essa escolha. Não tendo como refutar tese teologicamente tão bem fundamentada, a Comissão Internacional, que a partir de então passou a chamar-se “COMissão Esperando PAU Doce”, (Comepau), fechou o contrato com o COMando ECUmênico, (Comecu). Mais que um simples contrato, foram pacotes inteiros, completíssimos, envolvendo, além do evento religioso em si, a exploração turística em todos os seus desdobramentos, os direitos de imagem e transmissão, o monopólio de vendas dos produtos publicitários, lúdicos, de alimentos, e bebidas, (oficialmente as não alcoólicas, e, extra-oficialmente, as consideradas “fracas”, com teor abaixo dos 70%. Acima disso, só nas bombas de gasolina), etc. O fechamento da data foi, talvez, o momento mais delicado e tenso na relação ComePau/Comecu, por pouco não implodindo o projeto. O Comecu não aceitou a data original proposta pela ComePau, pois coincidia com o, anteriormente agendado, Congresso Internacional de Beatas de Sacristia. As sucessivas novas tentativas para a datação da INMUNDICIA esbarraram, todas, no problema da superlotação do calendário turístico-religiososo-político-esportivo-cultural paudocense: “Encontro Internacional de Proprietários de Bufê Infantil”, “Simpósio Interamericano de Advogados Defensores de Pedófilos”, “Roda de Samba de Pagodeiros da Ucrânia, Malaia e Groenlândia”, “Congresso Anual (com Disputas) do Sindicato de Prostitutas, Meretrizes e Marafonas das Ilhas Virgens”, “Concurso Mundial entre Terapias para Adultos Viciados em Sopinha de Bebê”, “Festival Internacional de Música para Velório”, “Cúpula Tricontinental de Ex-assessores de Vereadores Municipais”, “Parada Comemorativa do Dia do Agiota”, “Noite de Autógrafos do Autor do Best-seller de Auto-ajuda ‘Como viver a vida perguntando pros outros – Diário de um analfabeto’”, “Volta Ciclística à Ida Quadrada e Ida Ciclística à Volta Redonda”, “Torneio Regional de Sinuca Sobre Rodas e Bilhar Aquático”, “Convenção Trimestral dos Organizadores de Convenções”. Finalmente, quando tudo parecia perdido, ComePau e Comecu encontraram uma data espremida entre um Encontro e um Simpósio, ou um Congresso e um Campeonato, não, parece que foi entre uma Cúpula e uma Parada, sei lá, e puderam bater o martelo. O INMUNDICIA seria realizado de 25 de dezembro a 1º de janeiro. Já se preparavam, os membros das duas comissões adversárias, para assinar os contratos, quando foram alertados pela Dona Maria do Cafezinho que a data acordada coincidia com as festas do Natal (em todas as cidades, estados e nações exteriores a Pau Doce, já que aqui o Natal é comemorado no dia 12 de dezembro) e do Ano Novo. Sem mais delongas, decidiram adicionar um aditivo ao contrato-mãe transferindo as duas festinhas inoportunas para o mês de abril, quando deverão ser, impreterivelmente, comemoradas. A não ser que outra nova comemoração obrigue a um novo adiamento. Aleluia!

domingo, 1 de agosto de 2010

15 Edilidade paudocense

Pau Doce não é sede de município. Oficialmente, é um bairro de São Sebastião. E, como todo bairro dessa cidade, é uma cidadezinha à parte, semi-independente, quase autônoma. Mas, o “semi” e o “quase” indicam que possui algumas obrigações com o mundo exterior. Uma delas é a eleição municipal. Prefeito e vereadores. Os segundos são do meu interesse. Na verdade, não os vereadores, mas um vereador, já que Pau Doce tem eleitorado para fazer um e sempre o faz. Este ano, tivemos eleição e o candidato desta praia foi ímpar, único e especial. Como, aliás, tudo aqui é especial, único e ímpar. Ele é: 1º- paudocense há anos; 2º- culto; 3º- socialmente responsável; 4º- celibatário; 5º- biólogo de formação, 6º- (profissão que nunca exerceu); 7º- proprietário de uma loja de antiguidades; 8º- de esquerda; 9º- filatelista e 10º- sexualmente indefinido.Vejamos, com brevidade, cada uma dessas características de nosso querido edil Jacinto (ele foi eleito).
1º- Paudocense há anos: faz mais ou menos duas décadas que aquele pós-adolescente arribou em Pau Doce para passar um feriado de 1º de maio. Instalou-se na Pousada Lacinhos Cor-de-Rosa, (que, ao contrário do que possa parecer, mesmo chamando-se “Pousada”, tem preços de hotel quatro estrelas), equipado com uma escandalosa mala Victor Hugo e de sua inseparável “nécessaire”. (“Sem minha companheira” – a “nécessaire”, claro – “não sou ninguém”, costuma dizer nosso herói). Adorou a pousada salgada e o Pau Doce. E ficou. Os três dias iniciais transformaram-se, hoje, em 7305, total que a cada novo dia aumenta de uma unidade (o que não chega a ser muito difícil de entender) e ele continua, como no primeiro dia, morando na “Lacinhos”, dando bandas de Victor Hugo (alguns dizem que também com o Hugo e com o Victor) e dependente da “nécessaire”.
2º- Culto: de família tradicional, (ainda que quase-rica, mais ou menos, digamos, remediada, de fato, remediadíssima, para menos), os Rego, descendentes dos fundadores da importante cidade portuária de Vitória (da Derrota, como deveria, de fato chamar-se, já que sua fundação deveu-se à derrota dos ali-chegantes aos índios, o que os impediu de realizar o projeto de conquistar o interior, obrigando-os a fundar Vitória, ou Derrota?); herdou de seus pais, de muito sólido, apenas uma sólida cultura, (o que, num país de 70% de analfabetos funcionais, não é pouca porcaria). Bem cedo, menino mesmo, aprendeu a calcular o Mínimo Múltiplo e o Máximo Divisor Comuns, de cabeça, (sem nunca ter tido a mais tênue idéia da utilidade desses dois irmãos), e a conjugar os verbos defectivos, (verbos que não possuem a 1ª pessoa do presente do indicativo e, conseqüentemente, como qualquer pancrácio deve perceber, nenhuma das pessoas do presente do subjuntivo, nem as formas dos imperativos que dela derivam, isto é, todas as do imperativo negativo e 3 do imperativo afirmativo, que, como todo iniciante sabe, são a 3ª pessoa do singular e a 1ª e a 3ª do plural: Exemplo: BANIR; e verbos que, no presente do indicativo, só se conjugam nas conhecidíssimas formas arrizotônicas e não possuem, como é claro e natural, nenhuma das pessoas do presente do subjuntivo nem do imperativo negativo; e, no imperativo afirmativo, apresentam apenas a 2ª pessoa do plural, o que é de uma obviedade senegalesca (muito quente): Exemplo: FALIR), o que, ao contrário dos citados cálculos, lhe foi muito útil, já que foi banido algumas vezes e faliu outras tantas.
3º- Socialmente responsável: preocupou-se sempre com a comunidade e seus entornos, ainda que as más línguas insistam em afirmar que prefere os seus entornos à comunidade.
4º- Celibatário: assume-se e sempre se assumiu como tal, negando o sentido que alguns dicionaristas atribuem ao termo: “estéril” ou “infértil”, apenas não pretende tentar. Segundo ele, a vida é muito curta para ser dividida por dois. Traço de personalidade certamente herdado de seus tios paternos, os Aquino.
5º- Biólogo de formação: sempre gostou de bichos, por isso entrou em 4 faculdades, nunca nelas passando da condição de bicho. Na quinta, Ciências Biológicas, chegou ao fim, não sabe bem porquê. Muito menos os professores conseguem explicar.
6º- (Profissão que nunca exerceu): como nunca soube como chegou ao fim do curso, não lhe foi possível, também, descobrir o início da profissão. E não houve meio.
7º- Proprietário de uma loja de antiguidades: encontrou sua verdadeira vocação ao perceber que tinha prazer em guardar fotos da mãe, das avós, das tias e dos tios, dos avós e dos pais, quer dizer, do pai: virou antiquário.
8º- De esquerda: canho, canhoto, não-destro, canhoteiro e, politicamente, conservador.
9º- Filatelista: característica básica da família materna, Pinto, todos os seus membros (membro cai muito bem para esse ramo da família), sobretudo os masculinos, são “filo” (amigos): filantes, filocínicos, filodérmicos, filosofastros e filosdamãe.
10º- Sexualmente indefinido: na realidade, “sexualmente indefinido” é a forma que ele se autoclassifica. Quando em alguma formalidade deve declarar SEXO: “F”/”M”, ele tasca “SI”, mas quando escreve seu nome, seja em documentos, cartas ou abaixo-assinados, se entrega até a raiz dos cabelos: JACINTO PINTO AQUINO REGO.
Nesse quem não votaria?