terça-feira, 27 de julho de 2010

14 Lesbiópolis

No início destas recordações, falei da Glória. A grande Glória de Pau Doce, do seu mini-mercado e do Sans Chupança, seu bar. E disse, ainda, que toda a grana que ela ganha no primeiro deve perder no segundo. Não porque o Sans Chupança seja um mau negócio em si, mas por causa da Roleta. E daí, muitos terem achado que Glória é viciada na própria, (de certa forma, é), ou que seu bar seja um antro do jogo mal administrado e que por isso, (contrariando o que ocorre em qualquer cassino que se preze, onde a casa sempre ganha e os jogadores, inexoravelmente, perdem) seja um ralo pelo qual desaparecem os lucros. Não, não é nada disso. A dita Roleta, responsável, até prova em contrário, pela ida da bovina ao pântano, não é, como parece à primeira vista, uma mesa de jogo, mas a administradora do bar. É isso, Roleta Pinto Durão, seu nome de batismo. Quando o senhor Roberto Durão e a senhora Risoleta Pinto registraram a filha, juntando seus prenomes para formar o da pimpolha (atitude tão comum quanto de mau-gosto) –ROLETA- somando-se a esse desastre o outro, obrigatório, da justaposição dos seus sobrenomes –PINTO DURÃO- quando, enfim, tomaram essa infeliz decisão, não estavam simplesmente dando um nome, uma identificação, um rótulo e sim predeterminando, autocrática e definitivamente, o futuro da menina. Como ser feminina, como usar calcinha e sutiã, como sentar com os joelhos juntos, como ficar ruborizada, como falar com suavidade tendo o nome de Roleta Pinto Durão? Impossível, totalmente impossível. E se Roleta é Pinto e é Durão com as mulheres, principalmente com a Glória, é, no entanto, um desastre administrativo. Para início de conversa, como tem aversão ao masculino, quase proíbe a entrada de homens no Sans Chupança, o que restringe drasticamente a freguesia. Só um círculo de privilegiados é tolerado naquela Ilha de Lesbos de Pau Doce. As mulheres, essas sim, são bem-vindas, mas a fama do bar impede a entrada das socialmente conceituadas, o que, por sorte, em Pau Doce não representa uma expressiva diminuição de clientes. Em todo caso, um bar sem homens (por mais que seja o bar dos sonhos das Roletas) não é lá um grande negócio. Para começar, os funcionários eram, e continuam sendo, escolhidos a dedo, ou melhor, as funcionárias são escolhidas por esse interessante método digital. Os garçons, por exemplo. Não há ali esse tipo de pingüim silencioso e reverente, nem garçonetes coxudas e exuberantes (que por mais que encantem a Roleta, têm o desagradável defeito de atrair marmanjos indesejados), mas meia dúzia (duas sobrariam) de fornidas semifêmeas varoniformes (das que cospem de lado, falam grosso e coçam o quimérico saco ostensivamente) de baixa estatura e alta invocação, com a fórmula da testosterona – C19 H28 O2- tatuada no ranudo e musculoso bíceps (sempre à mostra) e um buço de fazer inveja a qualquer gajo de Trás-os-Montes. Com semelhante tropa-de-choque, os homens passam a quilômetros e as mulheres não se aproximam. O barman, um verdadeiro ícone (não dos profissionais do balcão, mas do movimento “Por um mundo 100”: sem homens e sem crianças), chama-se Cristinão, que, apesar do nome de estádio de futebol, não tem qualquer intimidade com bolas e jogadores e, por não ter a quem servir, nunca se faz de rogado e serve-se a si próprio o tempo todo. Na cozinha, assinam o cardápio a dupla SAPA e TÃO (corruptela de Sapatinha e Ritão, que com os nomes completos atacam, às vezes, de duo sertanejo). As duas (duas?) preparam comidões dignos do mais áspero cangaço, como a famosa “Buchada de bode ao rabo de cascavel”, ou o proscrito “Miolo de macaco-prego com salada de folhas de espinheiro-bravo”, ou, ainda, o “Suflê de fígado de baiacu coberto com gelatina de maravilha de pimenta (pimenta-de-bugre + pimenta-de-fruto-ganchoso + pimenta-de-galinha + pimenta negra + pimenta malagueta + açúcar) e a sobremesa da casa que é “Sorvete de casca de jaca com folhas flambadas de comigo-ninguém-pode”. E, com tudo isso, por incrível que pareça, o Sans Chupança dá prejuízo. O comércio é mesmo uma atividade ingrata...

quinta-feira, 22 de julho de 2010

13 A pornografia laboral

Finalmente consegui uma graça de Teus. Convenci-o, depois de longa conversa telefônica, de que me deixasse terminar as férias em paz. Ele está mais tranqüilo porque, para sua sorte, mamãe arranjou outro namorado e parece que vai viajar com ele para a África do Sul. Fiquei sabendo que o novo caso de mamãe se chama Jardim Ângela Futebol Clube e que ela vai bancar uma turnê internacional do namorado (onze titulares, três reservas, técnico, preparador físico e roupeiro). Por mais que ela namore os 17 em sistema de rodízio, o seu preferido, segundo informações não confirmadas, parece ser o roupeiro (deve ser um verdadeiro armário). Teus me revelou que ela esteve mais propensa a namorar o time de rúgbi do São Paulo F. C., mas desistiu ao perceber que ali havia muito anabolizante e pouca testosterona. Pulou fora. Enquanto ela estiver entretida com seu novo amor, tenho certeza que vai me deixar em paz por um tempo. Só não posso é me esquecer de lhe pedir provimentos antes dela viajar. Tenho ainda 5 meses de férias e ficar sem grana com ela no exterior, seria um desastre. Claro que na hora do aperto, sempre posso apelar para Teus. Falando nele, gostaria muito que ele conhecesse Pau Doce. Já tentei convencê-lo a vir até aqui, ao menos, para passar um finzinho-de-semana. Mas, não há jeito. Ele nunca sairia de São Paulo para vir a lugar pequeno e humilde como este. Transita só pelas grandes capitais. De São Paulo a Washington, de Washington a Londres, de Londres a Sidney, de Sidney a Kuala-Lumpur, de Kuala-Lumpur a Cubatão (capital da poluição), daí a São Paulo, fechando o círculo. Retomando, pouco tempo depois, os deslocamentos com outras capitais no itinerário, mantendo apenas a saída e a chegada, impreterivelmente em São Paulo. Não viaja em aviões de carreira, utilizando sempre um de seus jatos pessoais. Teus é tão onipresente, quero dizer, viaja tanto, que talvez seja essa a razão de eu nunca tê-lo visto. Muitos, ao saberem disso, me perguntam: “Como é possível você ser filho de Teus e nunca tê-lo visto?” Mas, é a mais pura verdade, sou filho de Teus, trabalho para Teus e nunca o vi face-a-face. Só a seus emissários, os seus “anjinhos” como são chamados lá na firma. Falo com Teus apenas por telefone. Porém, se eu tivesse tido a pretensão de ter conhecido a todos os meus pais, não teria feito outra coisa na vida, a não ser, correr atrás deles para conhecê-los. Neste momento, por exemplo, que estou prestes a me tornar filho do Jardim Ângela Futebol Clube, como fazer? São 17 de uma só vez e, conhecendo minha mãe como conheço, sei que ela vai mantê-los todos em constante atividade, reclusos e intocados (e entocados também). Agora, porém, que tive assegurado, graças a Teus, o meu fim de férias, quero apenas aproveitar, curtir, descansar e preparar minha tese acerca das “Razões Determinantes da Inexorabilidade Para a Manutenção da Paz Mundial da Perpetuação das Minhas Férias”. Se você, desatento leitor, não entendeu, eu explico. A verdade cósmica de que um acontecimento fortuito e, aparentemente, insignificante pode provocar catástrofes globais, cataclismos hediondos, ou, no sentido inverso, solucionar impasses internacionais, pacificar povos ou produzir o aparecimento de curas milagrosas para doenças incuráveis, desde que tal evento não tenha sido descrito no capítulo inicial da criação, no instante partogênico da vida, nem sempre é levada na devida conta ou recebe a importância que merece. Assim, o vôo de um pássaro não previsto nos anais do tempo, a retirada inadvertida de uma pedra de uma ruína desconhecida, uma espinha adolescente espremida fora dos cânones vitais, um estalar de dedos, um ranger de dentes, um pisar em falso, por mais irrelevante que seja qualquer desses fatos, desde que não inscrito na poeira das estrelas, no momento mesmo do parto do universo, desorganiza de tal forma a existência, que pode destruir ou recriar o mundo todo e o próprio tempo em uma fração de segundo. Meu esforço intelectual será, então, provar a Teus e aos seus, (e meus argumentos e provas cabalísticas são convincentes pacas), que, desde todo o sempre, desde antes do tempo dos Afonsinhos, estava escrito que minhas férias, remuneradas, (disso as entidades do Olimpo nunca abriram mão), seriam eternas. Meu Teus, faço qualquer trabalho só pra não trabalhar!

sábado, 17 de julho de 2010

12 Amazônica, mas nem tanto

É sabido que muito poucas pessoas (dizem mesmos alguns especialistas que, de fato, nenhuma) tiveram a ventura de ver o Uirapuru. Mais impossível ainda é encontrar algum ser vivo que tenha capturado um. O Uirapuru é aquele pássaro maravilhoso que habita a Selva Amazônica, multicolorido e dono de um canto divino, que ao ser emitido, (e emitir é um verbo que, definitivamente, não está a altura desse cantar), transforma a floresta num templo de magia, a ponto de, sendo ela uma efervescência de sons, ser tomada, durante um eterno momento, pelo silêncio absoluto. Tudo pára, tudo se imobiliza no instante daquele canto definitivo. Apesar dos manuais de ciência natural registrarem, com luxo de detalhes, essa hipnose natural, que para muitos bordeja o sobrenatural, apesar de importantes sertanistas, antropólogos de renome, camponeses, mateiros e índios dela se ocuparem, continua forte a descrença na existência de pessoas que possam ter visto ou chegaram a ter o misterioso pássaro em seu poder. Mesmo assim, uma das mais populares festas de Pau Doce é o “Ritual de Libertação do Uirapuru”. Momento maior da celebração ecológica, reúne proeminentes ícones da luta preservacionista, ONGs das mais diversas feições, como a dos “Defensores dos Direitos das Abelhas Operárias”, a da “Luta Contra a Utilização do Minhocuçu para Fabricação de Hambúrgueres pelo Mac’Donalds”, a da “Abstinência Alcoólica para os Perus de Natal” e a do “Mutirão Nacional Permanente pelo Desagravo à Honra dos Tucanos” entre tantas outras. Além dos interessados especificamente no tema do evento, acorrem a Pau Doce turistas, populações vizinhas e o tipo mais importante em qualquer celebração: o “arroz-de-festa”. Estará, com certeza, você leitor, em sua compreensível ignorância, se perguntando: “Como Pau Doce consegue fazer uma cerimônia festiva de libertação de um pássaro que nunca foi preso?” Ah, consegue! Outras praias não conseguirão, outras cidades, estados, regiões e mesmo países não conseguirão, mas Pau Doce consegue. Consegue, em primeiro lugar, por sua vocação de sempre conceber o inconcebível e conseguir o inconseguivel. Aqui, e só aqui, sem jactância nenhuma, poderia haver um torneio de traçado de círculos quadrados, uma convenção internacional de homens grávidos, uma fábrica de gelo escaldante, o retorno emocionante daqueles que daqui nunca saíram, um festival de música silenciosa, um campeonato de natação entre galos garnisés e uma campanha de aleitamento por correspondência, (o aleitamento é por correspondência, não a campanha que seria feita no peito mesmo). Se todos esses eventos são possíveis aqui, (e já fazem parte do projeto de calendário de eventos da Comissão de Fomento Turístico), a libertação dos jamais cativos, ou sempre-livres, Uirapurus, seria uma baba. Seria não, é uma baba. Em segundo lugar, o paudocense é predestinado a ser uma mistura de “homus turisticus”, “homus festivus” e “homus diletantis”, o que o leva a transformar qualquer motivo, ou, principalmente, qualquer falta de motivo, em evento, festa ou celebração. Há também um aspecto pragmático na escolha do Uirapuru: como, com certeza, ninguém nunca o viu e sendo suas representações pictóricas (fotos não há) por demais díspares e fantasiosas, qualquer espécime pouco conhecido pode ser convincente no papel da misteriosa ave. Assim é que, meses antes da festa, um sem-número de pequenos animais, nem sempre emplumados, nem sempre bípedes e nem sempre ovíparos são, pacientemente, preparados, maquiados, alegorizados, fantasiados, disfarçados e até operados para condizerem com as idealizações populares do Uirapuru. Importantes cirurgiões plásticos especializados em estetização de bichos tropicais e afamados carnavalescos cariocas são contratados em função da efeméride. E, assim, galinhas-de-Angola, colibris, macucos, bigorrilhos, chupa-ovos, veadinhos mateiros (e urbanos), caninanas, tartarugas verdes, alguns vira-latas e até mulas vadias são travestidos em multicoloridos e canoros pássaros amazônicos. A grande dificuldade, e a conseqüente maior proeza dos técnicos responsáveis pela representação, ocorre no momento culminante: o da abertura das gaiolas. Ele se dá após os discursos de praxe, (na praça), da procissão dos engaiolados, (da igreja à praia), das danças rituais, (já na areia da praia), quando, a um sinal luminoso, milhares de jaulas são abertas em direção ao mar. Os Uirapurus pássaros (os que, de fato, são pássaros, não Uirapurus) voam sem problema, escurecendo o céu de cores semoventes e de pios, arrulhos, trinados, gritos, assobios, guinchos, gorjeios, estrídulos, enquanto os Uirapurus que são quadrúpedes, répteis, batráquios, cervídeos e outros mais complicados são lançados para dentro d’água, onde, por um tempo, desaparecem. Na medida em que o povo canta e dança, feliz a mais não poder, menos pela liberação ornitológica e mais pelo interessante teor alcoólico injetado na corrente sangüínea da cidadania, fazendo uma piramidal fogueira de gaiolas ardentes, jovens diligentemente treinados vão retirando de dentro d’água, a uma distância considerável da festa, os Uirapurus cachorros, serpentes, porquinhos-da-India, cágados, carneiros e veados que conseguiram sobreviver. O que seria do Uirapuru sem Pau Doce?

segunda-feira, 12 de julho de 2010

11 Feriados, os verdadeiros dias úteis

O amanhecer em Pau Doce é único. Tudo começa ainda sob o domínio da noite. Escuro, tão escuro quanto os abismos do mar, que dizem ser muito, muito escuros, e eu imagino que sejam mesmo, ainda que de um escuro molhado e frio, friíssimo; escuro como a pele negra da pantera, ou o pelo da pantera negra, talvez não tanto; escuro como a tez bronzeada das mulatas de verão, que de tão queimadas parecem versão humana das panteras, as felinas de acima; escuro, enfim, como tudo que não é claro, claro! E, aos poucos, o escuro céu, ainda com pimpolhas estrelas esmaecendo, sobre um azul, só com dificuldade percebido, um azul ex-negro, (ou ex-curo como diria um tio meu, trocadilhista inveterado e compulsivo), vai-se pintando de luz e, de golpe, sem que se possa precisar o exato momento, se exato momento há, em que a linha divisória noite/dia é cruzada, ela, enfim, é cruzada. É dia. Amanheceu! É único este momento de glória da natureza, esta cerimônia diária a que comparecem, pontualmente, quase todos os seus personagens: céu, montanhas, mar, brisa, mata, sol (este, infelizmente, funcionário nem sempre assíduo e que, às vezes, tem a cara de pau de mandar no seu lugar algum substituto de quinta categoria: o sol nublado, por exemplo). Amanhecer único, em tudo igual ao amanhecer de Posgraduina do Sul, de Abobrais, de Capivarópolis e do Complexo do Alemão, ou seja, que são únicos também, como o de Pau Doce. O bom deste lugar é que tudo aqui, o ritmo de sua vida, segue a lógica da natureza, tudo é absolutamente natural. Assim, após o amanhecer, é natural que todo mundo vá para a cama. Depois de uma longa noite repleta de atividades e peripécias, em que o espírito do folclore e da cultura popular são encarnados por todos e cada um dos seus moradores: jogando cartas e dados, disputando partidas de malha e de porrinha, suando em bate-coxas fenomenais, contando histórias de assombração para as crianças, cantando nas rodas de samba, aprimorando o estado físico em gozosos escambos carnais, praticando o salubérrimo e higieníssimo ato de reidratação orgânica através do emborcamento súbito e da pipetagem homeopática ininterrupta dos mais variados fermentados, destilados e misturados, ensinando aos adolescentes o samba-enredo “A saga gloriosa e sem descanso do fundador Dom Cornélio Manso, da ajuda sem desmaio de Ricardão, seu lacaio e do amor de Pureza Castiça, sua esposa louca por pizza”, saboreando acepipes múltiplos, molhinhos, muquequinhas, lambe-lambes, sandubinhas, enfim, depois das fainas noturnas que qualquer povo honesto e trabalhador deve praticar, a única coisa a fazer (recomendação unânime do médico, do padre, do juiz, do prefeito e do delegado) é ir dormir. Lá pelas treze, quatorze, quinze horas - dependendo das características e das circunstâncias individuais de cada um - é natural o levantar para que se possa gozar de um merecido e reparador desjejum e ir, aos poucos, devagar, muito devagar, acordando, para, como é natural, ao cair da noite, poder encarar um almoço leve e comprometido com o perfil realizador deste povo e, após, a refeição, é naturalíssimo, fazer o quilo, descansando sensatamente para poder preparar-se para a chegante noitada. É natural. Tudo em Pau Doce é natural. Modificações nesse ritmo vital são raríssimas e ocorrem somente em ocasiões previstas no calendário paudocense de feriados, cujos mais importantes são os seguintes:
Janeiro: 1º (Reveillon), 3 (Dia de Pau Doce no C.U. dos Prejudicados), 6 (Dia de Reis), 13 (Dia de Santo Hilário), 17 (Dia de Santo Antão), 23 (Dia do Pipoqueiro), 25 (todo dia 25, independente do mês, é feriado: Dia do dia sem festa- Dddsf), 28 (Festa do Abacate com Açúcar);
Fevereiro: 2 (Dia da Lavagem da Praia), Carnaval (variável), 9 (Dia do Crupiê), 16 (Dia do Cabide), 20 (Dia do Gosto de Cabo de Guarda-chuva), 25 (Dddsf), 31 (Dia de Pau Doce);
Março: 1º (Dia do Cantor de Bolero), 6 (Dia da Noite, afinal, ela também merece um Dia), 13 (Dia de Zumbi), 17 (transferência da festa do dia 25 de março: Dia do Comércio e Bebércio), 25 (Dddsf); 26 (Dia do Dedo Duro e do Exame de Toque);
Abril: 1º (Dia da Mídia), Semana Santa (variável), 10 (Dia da Omelete), 19 (Dia de Waikiki, praia irmã de Pau Doce), 22 (Festa do Tríplice Vaso: Sangüíneo, Dilatador e Sanitário), 25 (Dddsf);
Maio: 1º (Dia do Descanso), 3 (Dia do Baiacu), 12 (Dia de São Pancrácio), 18 (Dia do Bingo), 25 (Dddsf), 27 (Dia do 3º Sargento);
Junho: 1º (Dia do Catador de Papel), 11 (Dia do Óleo de Soja), 13 (Dia de Santo Antônio), 18 (Dia do Angu de Caroço), 24 (Dia de São João), 25 (Dddsf), 29 (Dia de São Pedro);
Julho: 3 (Dia de Santa Isabel), 9 (Dia do Desfile de 9 de Julho), 14 (Dia da Liberdade, Igualdade e Fraternidade), 16 (Dia da Campanha de Vacinação em Massa Contra a Constipação e a Espinhela Caída), 20 (Dia de São Vinte), 25 (Dddsf), 27 (Dia do Jabaculê);
Agosto: 2 (Dia da Luta pela Preservação da Hiena e do Abutre), 6 (Dia da Síndrome da Menstruação Masculina), 13 (Dia do Gato Preto), 20 (Dia da Marmita), 25 (Dddsf); Setembro: 1 a 15 (Quinzena da Pátria), 19 (Dia das Dores de Corno e de Cotovelo), 24 (véspera do dia 25), 25 (Dddsf);
Outubro: 1º (aniversário da Dona Cotinha do Quibe), 12 (Dia da Romaria para Aparecida), 15 (Dia do Guardanapo-de-papel), 25 (Dddsf), 29 (Dia do Pintor de Rodapé);
Novembro:1º (Dia de Todos os Santos), 2 (Dia do Descanso II, o Definitivo), 3 (Dia do Sonrisal), 5 (Dia do Médico Protologista), 15 (Dia da Enfermeira do Médico Protologista), 19 (Dia do Salário Mínimo), 25 (Dddsf);
Dezembro: 2 (Dia da Capivara e do Triângulo Escaleno), 8 (Dia do Torresmo Pururuca), 12 (Dia de Natal), 15 (Dia do Espelho Retrovisor), 18 (Dia do Anão de Jardim), 25 (Dddsf), 30 (Dia Internacional da Luta pela Dessogralização da Família), 31 (véspera do Réveillon) e mais os fins-de-semana (sextas, sábados, domingos e segundas). A diferença destas datas especiais é que, ao contrário dos dias úteis, (nos quais as noites começam às 23 horas), elas têm início às 6 horas da tarde, indo o sono regular até as 5 e, eliminado o desjejum, parte-se direto para o almoço. Duvido que em qualquer outro lugar do mundo, mesmo em países como Tartarugândia, Ilhas Sossego e Tranquilim e Terra do Nunca, a vida seja tão regrada, com um ritmo tão consoante com os ditames da natureza.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

10 Assuma a sua ou suma!

Deitado naquela areia branca, sentindo a água tocar meus pés em seu contínuo vai-e-vem, com o sol crestando minha pele exposta ao céu, ouvindo pássaros, grilos e marulhos, tendo meus cabelos açoitados pelo vento leste, eu me perguntava: “Cacete, eu não podia ter enchido a cara deitado na minha cama?” Ergui-me com dificuldade, cambaleante e encharcado pela água do mar, pelo sereno da noite recém-finda e por não sei que outros líquidos inoportunos e involuntários, caminhei pela praia, afundando os pés na areia fofa, respirando fundo e sentindo-me mais reanimado. Fui em direção ao Bar Bicha, onde cheguei já com algum discernimento. Discernia que minha cabeça não era, como havia há pouco eu pensava, uma usina de dor lancinante ininterrupta, e sim uma bigorna de marretadas regulares, proporcionando-me, entre cada golpe, 10 segundos de maravilhoso alívio. Queria curar-me com um “fogo de encontro”, mas não conseguia lembrar-me com que diabo de bebida havia me embriagado na noite anterior. Decidido a tentar outra terapia, menos convencional, arrastei-me até a Farma Lícia e fui atendido pessoalmente pela proprietária (até porque não há empregados na farmácia) a farmacêutica Dona Lícia Berta. Aplicou-me um licor na veia que me fez sentir saudade da usina. Tonto, fechei os olhos. Em seguida, abri-os com alívio. Não havia dor, não havia tontura, não havia Dona Lícia e nem sua farmácia. Estava deitado em minha cama atentamente observado por Micoim, Geraldo Fla e Bigorrilho, meus mais fiéis padioleiros e parceiros de damas (nos dois sentidos). Dispensei-os, indicando a direção do bar. “Uma por minha conta!” E pude, então, curtir o prazer de ficar sozinho, sem os pentelhos e já recuperado da apoteose de cangebrina. Mais tranqüilo, recostei-me na cabeceira da cama, quando vi, sobre o criado-mudo, um telegrama. Arrancado, a fórceps, daquele nirvana, vi, naquele pedaço de mau agouro, a fatal realidade abatendo-se sobre mim. Algo de sério deveria ser. Pensei logo em minha mãe. Ou em alguma das minhas ex-mulheres. Muitas querem sempre saber onde estou, se finalmente morri, ou porque minha mãe atrasou o dinheiro da pensão. Não sei porque insistem em me encher o saco com essas questiúnculas menores. Sabem muito bem que a questão de grana é com mamãe e não comigo. Esse foi o acordo que fizemos (mamãe fez) com todas. Sem exceção. Peguei o telegrama meio com nojo. Abri-o, já que não havia ninguém para fazer isso por mim (arrependi-me de haver enxotado os chongas, por mais que não soubessem ler, ao menos poderiam segurar o asqueroso papel para mim). Li o nome do remetente. Ah, não! Teus me chamava! Por mais que o cara fosse meu chefe, por mais que a empresa precisasse de meu valioso e insubstituível trabalho, era muita sacanagem. Me deu vontade de ligar para ele: “Mas, meu Teus, eu acabei de chegar a Pau Doce! Mal fazem 7 meses que estou aqui e você já quer que eu volte?” Isso, pensei, deve ser coisa da minha mãe. Não, não, deve ser tramóia da turma de puxa-sacos da firma. Não podem ver ninguém sair de férias, curtindo uns dias na boa, que não sossegam enquanto não estragam o merecido descanso do infeliz. No caso, eu. Sempre eu. Rezavam, imploravam a Teus para me levar de volta ao trabalho. Se eles soubessem como o (com o perdão da má palavra) trabalho me faz mal, quanto o odeio, eles não fariam isso. Pensando melhor, acho que aí é que fariam. São todos uns canalhas. Mas, Teus é bom. Teus é compassivo. Teus é justo. Sabia que minha estada, em Pau Doce, era para estudar o comportamento humano (e, às vezes, os das formigas também) e que esse(s) estudo(s) redundará(ão) em crescimento de nossa (nossa não, sua) empresa. Rezava para que Teus, em sua infinita sabedoria, me deixasse completar o ano de férias. Afinal, faltavam menos do que cinco meses, que diabo? Resolvi ler de uma vez o telegrama e acabar logo com aquela agonia. Não adiantava chorar. Teus iria me chamar. Era a inevitável volta ao martírio. Mal pude entender as palavras de Teus no texto que dizia: “RETRORNE A SÃO PAULO VG URGÊNCIA URGENTÍSSIMA PT LICENÇA TRABALHO CONTINUA PT MAS VG PELO AMOR DE TEUS VG POR MISERICÓRDIA VG ASSUMA A SUA MÃE PT”.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

9 Pau do oceano? Não! Paudoceano

Outro dia, um grande amigo, que eu havia conhecido na madrugada anterior, (ele bêbado feito um gambá e eu feito um gambá bêbado) e que teimava em me chamar o tempo todo de “Doce”, ou “meu Doce”, me perguntou de chofre: “Por que você gosta tanto de Pau, Doce?” De início, quase lhe enchi a cara de porrada, mas depois, pensando bem, ponderei sensatamente, que sendo ele mais alto e mais forte do que eu, valia a pena ter autocontrole. E, de autocontrole em autocontrole, reinterpretei sua pergunta e, aliviadíssimo, entendi sua intenção. Por que gosto de Pau Doce? É que essa é uma terra especial, diria mesmo, uma terra santa. O próprio nome é um monumento da mais perfeita contradição (e as contradições sempre pegam muito bem no vaidosissímo mercado do conhecimento): de um lado, o Pau evoca a rudeza natural, o forte e até o agressivo; de outro, o Doce, tudo ao contrário, lembra a suavidade, a delicadeza, o aconchego. Juntos, um universo de sentidos, de possibilidades e de promessas. É tão perfeita a conjugação dessas duas palavras, que imaginar outras quaisquer sinonimias seria ridículo e desastrado. Imagine se, ao invés de Pau Doce, fosse Vara Melada ou Cacete Açucarado! “Onde você mora?” “Em Cacete Açucarado”. Ridículo! “Vai de férias pra onde?” “Vou pra Vara Melada”. A Vara talvez seja menos piorzinha do que o Cacete, mas, mesmo assim, não dá! E os gentílicos, então?: “Sou caceteaçucaradiano, e você?” “Eu? Sou varameladense”. “Varameladentro?” “Que é que é isso, meu? Ta me estranhando? Sou varameladense! Ladense, não Ladentro!” Lindos, não? Mas, o bom de Pau Doce vai muito além do nome. O que me atrai é o lugar. É mais do que o lugar. É a sua beleza natural. Não apenas ela. É o seu clima. Muito mais do que o clima. É a sua gente. É o seu estilo de ser. Sua visão de mundo. Sua filosofia de vida. É algo que contagia. Há aqui um vírus (vírus de Pau Doce). O forâneo em dois dias se faz lugareiro. “E qual a principal característica do povo daqui, meu Doce?” Tornou a questionar-me o gambá que, para ser honesto, estava bem pouco gambalizado, ao menos em comparação com a média de minhas constantes gambalizações. Expliquei-lhe (com meus gestos comedidos e minhas palavras bebedidas) que a riqueza do caráter social de Pau Doce não podia ser resumida numa única e solitária particularidade. Havia muitíssimas, muitas, várias, algumas, mas que naquele momento ela não me vinha à lembrança. Horas depois e tendo saboreado um delicioso e reparador coquetel, o Engrisal (uma caixa de Engov num balde de Sonrisal) consegui me lembrar da maldita característica: Pau Doce era, digamos, digestivo (como o Engrisal). Se me pedissem para dar outro nome a Pau Doce, eu pediria desculpas aos castiços cultores da intangibilidade vernacular, os mandaria a “la concha de su madre” e tascaria o novo nome: “slow motion” (“câmara lenta”, para os que não entendem inglês e não “isolou o mocho”). Aqui tudo é tranqüilo, tudo “de leve”, tudo pro ano que vem. Baianidade aqui é sinônimo de estresse. “É, meu Doce, mas ouvi dizer que aqui também existe pressa!” Tornou a me cutucar meu amigão. Pressa? A única pressa de Pau Doce é uma pressa que, de fato, não é pressa, é P.R.E.S.S.A.: Padaria Repouso E Sossego Sociedade Anônima, que o povo daqui não diz “Repouso e Sossego”, mas “Repouso do Sossego”. Isso diz tudo: Repouso do Sossego. Até o sossego tem que ser repousado. Tudo é paz em Pau Doce. Enquanto em outros lugares os apelidos mais populares são “Navalhada”, “Pole Position”, “Sangue Fino”, “Vapt-Vupt”, agressivos, competitivos, instantâneos, nossas alcunhas, inversamente, são calmantes e procrastinatórias. Nosso time de futebol, por exemplo. Ah, temos um time! Por mais que ninguém saiba que ele existe, (às vezes, nem o próprio time, já que sua existência é virtual, só para efeito de relações internacionais), temos um. É o esquadrão da “ENTERRAOPAU” (ENtidade TErapêutica RApaziada Oligofrênica de PAU Doce). Os nomes, apelidos, alcunhas ou o que seja, de cada jogador falam por si próprios. Lá vai a escalação do time titular: ”Pilha Fraca” (goleiro), “Fala Baixo” (lateral direito), “Desligado” (beque central), “Maneirinho” (quarto zagueiro) e “Lexotan” (lateral esquerdo), “Pouca Lenha”, “Freio de Mão” e “Descarrego” (meio de campo), “Come Quieto”, “Amansa Sogra” e “Dorminhoco” (atacantes). O técnico é o excelente “Quase Parando”, o preparador físico é chamado de “DES” (um acróstico do apelido “Devagar E Sempre”) e o médico (na verdade, veterinário) é conhecido por “Espera, Bicho!” E os reservas? “Baba de Boi”, “Remanso”, “Valsa Lerda” e o octogenário “Belle Époque”. Imbatível, esse time.