segunda-feira, 14 de março de 2011

60 Síndrome de Abstinência Alcoólica: o mal supremo

Num gesto de tresloucado desprendimento e de desesperada manifestação de amor ao próximo, o cerne da cidadania de Pau Doce, aquela eterna meia-dúzia de três ou quatro, resolveu juntar os cacarecos culturais, que cada membro (membro no sentido mais desmembrado possível) tem espalhado pela casa e montar um sebo. Não, jumentil leitor, não é montar num pau de sebo (inclusive porque aqui todo pau é doce e não de sebo). É montar um se-bo, uma venda de livros usados. Sebo de livros, mas que aceitará LP, 78 e 33 rotações, CDs e toda e qualquer bugiganga espírito-alimentícia. Acima de tudo, de livros. Não um sebo qualquer, desses que andam por aí, em tudo o que é cidade, mendigando moedas em troca de deploráveis brochuras (na verdade, toda brochura é deplorável). Será um seboneficente, que terá como objetivo levantar fundos para a criação e manutenção da Casa de Apoio ao Abstêmio Inveterado. Essa casa, que ainda não existe, é um projeto tão fabuloso e meritocrático, que o simples lançamento da idéia foi suficiente para suscitar o envio à Academia Sueca de 213 solicitações para que ele (o projeto) concorra ao Prêmio Nobel da Paz do próximo ano. A idéia é dar todo o amparo ao infeliz abstêmio, possibilitando a ele um tratamento que atue, com eficácia, sobre as verdadeiras e terríveis causas de seu doloroso vício, através de equipes de psicólogos e psiquiatras de alto cortuno, com vasta experiência na ação terapêutica contra essa avassaladora e desumana enfermidade. Recentes pesquisas efetuadas pelo Centro Internacional de Investigação da SÍNdrome de ABstinência AlcoÓLICA (SINABÓLICA – CID 1 327 434), financiadas com verbas a fundo perdido doadas por várias, isentíssimas, organizações de produtores de bebidas, todas de ilibado conceito – como a Associação dos Produtores de Whisky da Escócia, Irlanda e Paraguai, a Entidade de Defesa dos Vinicultores da França, de Portugal, da Itália e de São Roque, o Sindicato dos Confeccionadores de Caipirinha e Rabo-de-Galo e a União dos Multiplicadores de Fórmulas Químicas para o Mercado Informal (preconceituosamente chamado de “negro”) conseguiram detectar várias causas geradoras da SINABÓLICA: tara paterna incontrolável, desestruturação do cromossomo “G”, responsável pelo desenvolvimento da vocação etílica, vital para a formação aperfeiçoada do ser humano, problemas de flexibilização na infância, provocados pela convivência com adultos acometidos de hiperconservadorismo e religiosidade mórbida. O fato, que não deixa de ser doloroso, é que somente dentro de alguns anos (10 a 15, quem sabe?) será possível pensar em um tratamento seguro contra o problema da abstinência alcoólica compulsiva, provavelmente. Já há no mercado um produto alopático destinado a reduzir a resistência intelectual ao álcool, porém, (é importante que neste tipo de assunto se use a maior honestidade) ainda não liberado pelo Ministério da Saúde, mas usado em larga escala, que atende pelo nome de TOCOABOCANABIRITEX A4. Esse excelente produto tem contra si, não apenas essa não autorização, mas o alto custo e a complexidade do tratamento: na primeira fase são necessárias 2800 drágeas (enormes) de 230 ml que devem ser ingeridas, de meia em meia hora, 28 vezes seguidas ao dia (por exemplo: das 8 da manhã às 21 hs, sem falhar nenhuma). O TOCOABOCANABIRITEX A4 é um composto formado por 9 destilados e 5 fermentados, com um veículo integrador à base de chuchu africano. A SINABÓLICA é uma dessas desgraças que se abateram sobre o ser humano moderno, não havendo noticias de que os heróis gregos fossem abstêmios, ou os 12 apóstolos, ou os monges medievais, ou os filósofos de qualquer época, sendo certo que antes da era moderna todo mundo enchia a caveira até chamar urubu de meu loro. A CID 1 327 434 é, em tudo, semelhante às doenças degenerativas do cérebro, como os Males inventados pelos Irmãos Alzheimer e Parkinson (a invenção, concomitante, dessas duas doenças é um caso raro na história da medicina. Segundo os registros do Centro de Atendimento a Doentes Candidatos a Óbito do Hospital Regional de Manfredônia Renal (do Rio Reno), os irmãos Alzheimer e Parkinson Schultz eram trambiqueiros do mais alto calibre. Seus golpes eram tantos, suas maracutaias tão absurdas, que a população da pacata cidade adormecida às margens do Rio Reno, antes de sua desembocadura no Sena e logo após receber as barrentas águas (desembocamole) do Danúbio, numa revolta inusitada tentou linchá-los. Socorridos pela meganha local, foram levados à delegacia. Lá, instados pelo delegado a assinar uma confissão de culpa (o que os obrigaria a devolver muitos milhões de marcos e asseguraria uma longa hospedagem no presídio de Auschwitz) a dupla passou a demonstrar comportamentos estranhíssimos: enquanto Alzheimer fingia não entender nada do que se passava, nem quem era ou tinha sido, Parkinson, por sua vez, foi acometido de um fortíssimo tremor em ambas as mãos, que o impedia de assinar o que quer que fosse. Levados às pressas ao hospital, foram internados e seus casos, minuciosamente estudados, possibilitando o registro e a catalogação dessas duas novas enfermidades que, sendo hoje reais, nasceram de um engodo). Denúncias gravíssimas, de casos absolutamente revoltantes, têm chegado até a Comissão Organizadora do Seboneficente: trata-se de pais ou responsáveis por crianças e adolescentes em plena formação de suas personalidades, que, na frente dos menores, sem qualquer pudor ou constrangimento, adotam atitudes contrárias à sadia ingestão de bebidas alcoólicas por adultos. Essas pobres crianças são candidatas, em potencial, a desenvolverem a Síndrome de Abstinência Alcoólica. A COMI-SEBO está tentando, junto às autoridades policiais e judiciárias de São Sebastião, uma drástica apuração das denúncias e, se confirmadas, uma radical solução para o caso. Voltando ao Sebo, nós estamos entusiasmados. De início, achamos que a idéia era como macarronada sem queijo, ou pior, como sanduíche sem pão: fadada a morrer no útero. Não porque não fosse boa. Ao contrário, era boíssima, quase ótima. Mas, por que, se era tão boa, não daria certo? Estará se perguntando o desconectado e cefalovacuóide leitor. O problema não estava na proposta e sim na previsível falta de estoque para ensebar o Sebo. Achávamos que, juntando as mixórdias de cada um, não daria para encher uma mochila de aluno de pré-escola. Ledoenganosidade! Ficamos boquiabertos e manofechados quando vimos ir fluindo, aparecendo, pipocando obras valiosíssimas e inestimáveis, lamentavelmente semideterioradas (a maioria) pelo uso indevido, ou porque haviam servido, por anos, como pé de poltrona, ou porta-copo eventual, ou, ainda, como abanador de carvão ou lenha de fogão. Para que o parvo leitor possa avaliar (já que sonhar não é proibido) o tesouro oferecido ao Sebo, citarei, apenas, uma pequena parte do acervo:
-“A Bíblia Muçulmana ilustrada por Carlos Zéfiro”,
-“A Neves diz que eles manjaram” (estupenda tradução feita por Adilson Maguila do famoso romance “As neves do Kilimandjaro”),
-“Seja um personal-torturer moderno: açoites eletrônicos, pau-de-araras virtuais e telefones telepáticos”,
-“Vida e obra de Joãozinho-mija-pra-traz”,
-“Curso prático, em três aulas, do idioma ciríaco”,
-“Vida, paixão, conversão e martírio de São Fernando Collor de Mello, protetor dos emergentes e novos-ricos”,
-“O resgate dos injustiçados – correção histórica de uma discriminação: o cinema mudo também era surdo”,
-“Dicionário da elite – especializado em termos pedantes, esnobes e inúteis”,
-“Masturbação onírica – técnicas masturbatórias revolucionárias para deficientes manuais”,
-“Antes tarde do que nunca – saída do armário histórico dos quatro grandes gays enrustidos: Cabral, Titadentes, Caxias e Lampião”,
-“Você transaria com a Vovó Donalda? Testes vocacionais e de personalidade”,
-“Como comes? Como como como!”,
-“A estrepitosa vida sexual de São Casto da Virgindade em sua pregressa encarnação como Senador Fudencius Orgíacus Bacanalis”,
-“A nova educação brasileira resgatando a cidadania: o professor analfabeto”,
-“Esqueça, olvide, deslembre – as modernas técnicas de governança”,
-“O pênis inútil – manual de psicologia para o novo homem”,
-“Não dependa dos médicos,: opere-se você mesmo”,
-“Por que o Juiz de Direito é uma animal em extinção?”,
-“A teoria da involução – novas pesquisas antropológicas provam que homem voltará a ser macaco”,
-“A escovação dental aumenta o risco de câncer no pâncreas”,
-“O poder curativo do rabo da lagartixa”,
-“Gestação e amamentação masculina: o futuro chegou”,
-“Jiló e rapadura: 1000 receitas criativas com os dois ingredientes básicos da cozinha nordestina”,
-“A pedagogia dos pequenos furtos: como integrar o adolescente na sociedade moderna”.
Bom, acho que nos próximos anos – não mais do que 8 ou 9 – conseguiremos a disposição necessária para arrumarmos adequadamente os livros e outras doações para iniciarmos o funcionamento do Sebo. O atendimento aos pobres abstêmios estará, então, assegurado e esse terrível vício será tratado como merece. Salute!

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