quinta-feira, 30 de setembro de 2010

27 Pescando no gargalo (dois)

Chegou o famigerado dia. Depois de muito marcar e desmarcar, adiar em cima da hora, simular atropelamento, picada de cascavel, botulismo galopante e tantas e tantas mumunhas procrastinatórias, não dava mais. Minha moral, perante a cidadania paudocense, estava periclitante. Minhas desculpas não colavam mais. Meus amigos já não aguentavam preparar tudo: barco, tralhas, iscas, gelo, oxigênio destilado e, na hora da saída, eu não aparecer. Invariavelmente, desistiam da pescaria, iam para um bar, mandavam fritar as iscas e secavam a provisão de cachaça e assemelhados da viagem frustrada. Enquanto enchiam a cara, entoavam hinos de louvor em minha homenagem, nos quais eu era tratado por “pimpolho de meretriz”, “enviado às fezes” e “meu glúteo era - segundo eles - atacado por enormes pênis enlouquecidos” e terminavam por se arrastarem até o posto de saúde (onde sabiam que eu, nessas ocasiões, me refugiava), para me insultarem pessoalmente. Mas, não tendo mais como fugir, prestes a ser expulso de Pau Doce, capitulei. Não sem pagar um alto preço psico-somático: insônia, febres terçã e quartã, taquicardia, visões fantasmagóricas, náuseas múltiplas, pesadelos nos quais eu era devorado por peixes enormes, após ser servido a eles espetado num anzol colossal. No dia marcado, no pornográfico horário das 6 da manhã, fui levado de maca até o barco. Os mais chegados, temendo outra fuga, ou tentativa de suicídio, ficaram do meu lado, sem arredar pé, durante as últimas 48 horas. Como eu tivesse amanhecido cor de gema de ovo e tartamudeante, tendo recusado, pela primeira vez na vida, o trago do despertar, fundamental para mim, (já que minha filosofia de vida me impõe a obrigatoriedade de jamais comer nada em jejum), como, enfim, suspeitaram que era ou morte iminente ou joãosembracisse calhorda, e como, em ambos os casos, não faria a mínima diferença um ou outro – se fosse óbito, me jogariam no mar, se fosse engodo, me levariam na marra – me amarraram na maca e me levaram. Assim, foi meu triunfal embarque. Depositado no pequeno convés, com o barco em movimento, comecei a ressuscitar. O vento fresco e o cheiro de mar, penetrando narinas e boca adentro, além de me despertar, me predispuseram para o primeiro gole. Arco-íris, maravilha-maravilhice, aurora boreal, cristais em brasa, orgasmos visuais, sensacionalissimamentedade, embriões niquelados, cogumelos da paz, viva a vida viva, voar de volta à vulva ventríloqua, insenso estereofônico, grig-ar, bandolo, uga-uga, ai!ui!ei!oi! Trrrrrrrruuuuuuummmm... Ah, o primeiro gole. Es-pe-ta-cu-lar! Não há nada melhor que ele, ao mesmo tempo. Só é superado pelo segundo, que só perde pro terceiro, e pro quarto, quinto. O milésimo então! Meus companheiros ocupados e entretidos com a preparação do próximo e humano morticício, mal conseguiam aproximar o gargalo da minha boca desesperada. Para impedir que o balanço do mar me provocasse enjôo e para evitar presenciar a mortandade que, na certa, se avizinhava, decidi, mais uma vez, que o único caminho era o coma alcoólico, que não seria fácil atingir, dado meu estado de excitação e estresse, derramando toneladas de adrenalina em minha indefesa corrente sanguínea. Mas, mesmo assim, fiz um esforço e emborquei, praticamente, toda a adega marítima reservada para os doze apóstolos. Éramos doze no barco. O estoque era, segundo me contaram mais tarde (muito mais tarde), composto por 10 caixas de uísque, 8 de rum carta oro, 3 de carta blanca, 19 de cachaça da pura, 8 de gim, 7 de tequila, 2 de saquê, 18 de bagaceira, 13 de conhaque, 25 de vermute rosso, 5 de bianco, 10 de vodca, 6 de campari, 2 de arak e, por via das dúvidas, 5 de álcool puro, 98 graus, para misturar com limão, se a coisa apertasse. Quando as primeiras indefesas vítimas começaram a reluzir contra o céu azul, eu já havia esgotado 80% das 1692 garrafas, uma dúzia por caixa. Quando as areias de Pau Doce podiam ser, novamente, vistas, findou o estoque e, agora juntos, os doze apóstolos, começamos a tomar o que restava do combustível do barco, já que mesmo sem óleo diesel, ele chegaria no embalo. Atracamos. Deixando para trás os assassinados esquecidos no barco, voamos para o boteco mais próximo, para não perder o primeiro gole noturno. Os doze. Correndo. O último que chegar é mulher do padre!

sábado, 25 de setembro de 2010

26 Despescagem (um)

Todo caiçara que se preze, (ou mesmo todo animal urbano, que viva, porém, numa praia, como eu), tem que fazer, ao menos uma vez na vida, uma pescaria. Como sou avesso a qualquer tipo de execução, até mesmo de seres humanos, sempre nutri pela pesca um asco fundamental. A caça, que para mim é uma pesca piorada, é uma das maiores provas de que o homem é o menor dos seres. O mais abjeto. Aliás, o mais, não. O único. Eu a aceitaria somente se fosse uma luta de iguais. O leão e o homem. O tigre e a pantera. O homem e o urso. De mãos limpas. Sem qualquer arma, a não ser as providenciadas pela natureza. O covarde correndo atrás da raposa, ou emboscando, com flechas, facas, armas de fogo, armadilhas mil, é de uma vileza brutal. Os efeminados toureiros, por exemplo, com suas tão pouco másculas fantasias, para fazerem um simulacro mentiroso de desafio e coragem, com suas capas traiçoeiras, que escondem a arma mortal, necessitam que, antes de se arriscarem, um bando de banderilheiros agressores sangrem humanamente o touro, para abatê-lo e enfraquecê-lo, quase no limite do fatal. A pesca tem sobre essas atrocidades, apenas uma insignificante diferença que, de forma alguma, a redime: o matador não vê a sua vítima. A não ser na submarina, que, não sem razão, mais do que pesca, chama-se caça. As outras, de rede ou anzol, são feitas a vôo cego. Mas, ambas horríveis. A primeira, invisivelmente, cerca o peixe e o aprisiona. Não dá a ele a menor chance. Nenhuma. Nada. É, portanto, muito humana. E a outra, é o engodo elevado ao infinito. Uma apetitosa comida, às vezes viva, que esconde no seu âmago um feroz gancho mortal. Humaníssima também. Porém, depois que me fiz paudocense, notei, após os dois primeiros anos de férias, naqueles 24 meses iniciais, que meus amigos não eram totalmente meus amigos. Havia algo, um “não-sei-quê” que os mantinha arredios e “com o pé atrás”. No início, não havia me dado conta. Quando comecei a perceber que alguma coisa estranha estava ocorrendo, fui tentando alternativas. Parti de uma premissa indiscutível: não confiavam em mim. Mas, por quê? Tudo, a meu ver, ia bem. Adaptara-me perfeitamente à vida de Pau Doce, à sua cultura fundamental de endeusamento do ócio, da demonização de qualquer atividade que pudesse ser confundida com, ou interpretada como trabalho, da adoração da noite e do desprezo pelo dia, da vocação etílica, da incorporação do jogo como função vital, da absorção da malemolente malandragem como estilo de ser, da vocação etílica, do exercício sexual, fonte de vida, do banimento de todos os preconceitos – exceções feitas a posturas opostas a estes mandamentos -, da vocação etílica, do culto à música popular madrugadeira, da elevação dos botequins à condição de catedrais e da vocação etílica. Por que, então, ser tratado como um forasteiro, ou quase? Achei, primeiro, que era por minha marca urbano-paulistana. Porém, esta possibilidade caiu por terra ao constatar, entre os locais, a existência de vários oriundos da capital bandeirante. Seria por minha origem, já que não é segredo pra ninguém que eu sou filho de Teus? Desisti dessa também. Havia outros de estirpe industrial. E minha posição na pirâmide econômica? Não, porque todos sabem que minha amorosa mãe (amorosa em todos os sentidos) me provê do essencial e Teus, a pedido dela, mantém indefinidamente meu emprego. Tudo pouquinho, tudo pingadinho, mas tudo no dia certo. Assim, fui desfiando, uma a uma, dúzias de possíveis causas e, uma a uma, as fui descartando. Até que, numa excursão que fizemos, meu amigo Fenrique Hernando e eu, ao fundo de um garrafão de uca, abri a ele meu coração e confessei-lhe minha desorientação. Ele, num rasgo de coragem e confiança na sinceridade de meu desespero, me segredou a solução. A pesca. A pesca? Sim, a pesca. Mas como, a pesca? O fato fatal era que não confiavam em mim porque eu não pescava. Nem mesmo o inocente banho em minhoca eu dava. E o povo via, e o povo falava. E, em Pau Doce, quem não pesca não presta. Agradeci ao Fenrique e decidi: vou ter que pescar. Uma pescaria. Uma só. Pode ser uma só, mas com toda a pompa e circunstância, pra ninguém botar defeito e pra todo mundo conhecer o grande pescador. Meu Deus, como é que eu vou conseguir dormir depois? Veremos...

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

25 Mais um dia a menos ou menos um dia a mais?

Pela primeira vez, amanheceu de noite em Pau Doce. Claro que para o paquidérmico leitor isso é impossível. (Impossível, aqui no paraíso, é calo na mão, trabalhar dois dias seguidos, manter o biscoito seco, desprezar a canjebrina e, principalmente, camuflar a geringuenga). Impossível e impensável. Que podem também ser impossável e impensível. Na verdade, Pau Doce combina mais com impemponsável e impompensível. Mas, o antediluviano leitor (pleonasmo), sempre preocupado com a objetividade obtusa dos fatos, estará, apressurado, perguntando-se sobre o tal amanhecer. Amanhecer pela manhã é de uma mesmice primária e apatetada, indigna de nossa nirvânica praia. Ou anoitecer de noite. O fato da noturna amanhecedura ocorreu num comuníssimo dia 37 de marceneiro (aquele mês paudocense que mistura março com janeiro). Havíamos todos (todos, aqui, quer dizer “todos” mesmo, sem exceção nenhuma, nenhumíssima, com exceção, é claro, dos menores de idade, já que a pedoalcolatria é proibida nestas paragens, e com exceção, também, dos muito maiores de idade, que a provectosenília é, aqui, enfermidade elevada ao nível de ciência) passados 3 dias, segundo os mais exagerados, ou 19, pelos cálculos dos mais comedidos, em “absoluta orgia etílica descompensada” (porque há, também, a “absoluta orgia etílica absoluta”, conhecida pelo nome técnico de “absoretuta”), quando a população foi, aos poucos, aos goles, saindo do coletivo sono pós-orgiástico, que, segundo pesquisa da Organização Mundial de Saúde, durou cerca de um mês e ficou conhecido como o “Apagão de Pau Doce” – período em que tudo parou, veículos não circularam, escolas não funcionaram, estabelecimentos não abriram nem fecharam, com as ruas e as calçadas atapetadas de ressonantes cidadãos, uns deitados sobre os outros, homens e mulheres, indiscriminadamente, sem qualquer relação necessária de amizade ou parentesco, num sono profundo, sonorizado por um fantasmagórico ronco geral, pontuado por apnéias, grunhidos e tosses secas (e algumas molhadas), transe durante o qual apenas as crianças, de todas as idades, estiveram isentas, sendo cuidadas pelo panteão de divindades paudocenses e seus diligentes mensageiros – quando, então, foram recobrando os sentidos, (a maioria louca para dar um tapa na celestial), deu-se o fenômeno miraculoso: caminhavam, afoitos como sempre, os horeiros dos relógios do número 18 para o 19 e os minuteiros, muito mais velozes, como soem ser, buscavam desesperadamente o 24, com o céu já multipontilhado de estrelas e uma obscena lua cheia exibindo-se peladona, peladona, quando, sem o menor aviso, mais abruptamente do que qualquer abruptamente já antes visto, ele, o sol, apareceu. Apareceu sem qualquer cerimônia, como alguém que, sem saber, entra num palco pensando que é um banheiro, pessoa errada na hora trocada no lugar equivocado, ele, justamente ele, tomou conta do pedaço e a noite, que mal começara (não que começara mal), transformou-se em dia, pior, transmutou-se o anoitecer, lascivo e maravilhoso, em repugnativa e nauseante manhã; e, como, proverbialmente, todo paudocense odeia, de alma e corpo, as horas matinais (reservadas ao sagrado labor de pulverização e reabsorção inconsciente dos átomos de etanol, multi-presentes na emoglobina de toda a cidadania, tarefa executada por São Morfeu, um dos mais cultuados entes da santografia de Pau Doce) os acordantes, muito mal despertos ainda, num acordo tácito e involuntário, puseram-se a vaiá-lo com todas as forças, que apesar de não serem muitas, produziam um apupo ensurdecedor, não muito diferente do ensurdecedor ronco que o precedera. O sol, tomado de horror pela recepção hostil à sua presença, numa atitude bem própria de todo sol, continuou brilhando acintosamente durante todas as horas da noite. Não restou outra saída do que mexer nos horeiros, minuteiros e segundeiros, acertando os relógios pela vontade do rei. A única dúvida que, até hoje, persiste é quanto ao dia do ocorrido: Pau Doce ganhou um dia ou perdeu uma noite? Vai saber...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

24 Umaseoutras

Olhando em torno, tudo era paz. A mais absoluta e completa. A brisa sequer soprava suavemente. Era mais um leve lamber, um imperceptível roçar. O mar mais parecia uma pintura que um elemento vivo e presente. A ausência quase total de quaisquer sonoridades, interrompida, em pequenos intervalos, por algo que dava a impressão de água caindo, pequena e pouca, imprimia ao cenário uma dimensão atemporal. As montanhas próximas, sempre de um verde semi-violento, deixavam-se ver esmaecidas; as outras, ao longe, habitualmente azuis, mantinham-se, obstinadamente, azuis. O sol alto, tórrido em dias estivais como aquele, mantinha-se a pino, majestático, mas presença apenas plástica, carente de energia. Um quase imperceptível aroma rosa-almiscarado acariciava os terminais de olfato, que, ato contínuo, produziam agradável umidade gustativa. Achei, por um longo instante, que havia morrido e me encontrava desfrutando do paraíso, curtindo o éden ou fruindo do nirvana. Esperava, já, pela chegada, a qualquer momento, de flanantes querubins, com bandejas de luz transbordantes de maná e néctar, ou entidades soprantes plenas de ondas nutrientes, ou, ainda, ectoplasmas borbulhantes, mas prestativamente alimentícios. Aos poucos, muito, muitíssimo aos poucos, fui me dando conta de que estava vivo e que, se meus sensores perceptivos não estavam danificados, encontrava-me em Pau Doce mesmo. Mas, por que o cenário de sonho? As quiméricas sensações? O éden nirvânico paradisíaco? Garçons angelicais... sopros calóricos... influxos alimentícios...? Por imperceptíveis gradações, fui me dando conta das respostas. Estava em Pau Doce, de fato, tão pau e tão doce como sempre. Estava em meu bar habitual – todos os bares paudocenses me são escandalosamente habituais – deitado sobre três mesas, voltando à vida. Pelo que depois me informaram, eu havia desconectado há uma semana, ou pouco mais, tendo feito, com uns íntimos amigos, dos quais não tenho o mínimo vestígio de lembrança, uma aposta deliciosa: aquele que conseguisse maior absorção hemoetílica por milímetro cúbico, ganharia o invejável prêmio de seis meses de gratuidade alcoólica em todos os estabelecimentos comercializadores do gênero da mais primeiríssima necessidade pedeense (de “pe” e “de”: Pau Doce). Que maior felicidade poderia ter um morador desta moralíssima praia? Que maior prêmio? Que maior ventura? Seis meses de maravilhosa e total prévia anistia pecuniária para consumo da seiva fundamental! A comissão organizadora do concurso queria, inicialmente, que a gratuidade fosse vitalícia, mas a própria cidadania manguacense, que inclui praticamente toda a população de Pau Doce, se opôs a essa eternização, prevendo um futuro sombrio para o comércio do divino néctar, o que redundaria em prejuízo dos próprios adoradores do deus Baco e deuses associados. A excepcional preocupação das lideranças paudocenses, de todos os setores: político, religioso, jurídico, educacional, esportivo e, até, das dessetorizadas, obrigou a Comidora (obviamente, COMIção julgaDORA) a lançar mão de todos os cuidados possíveis para preservar a lisura do embate, como, por exemplo, o de providenciar a aplicação de tecnologia de ponta e de sofisticados equipamentos. Para dar uma idéia do tipo de providência tomado, basta saber que a medição da quantidade do supremo elixir, por unidade de sangue, foi planejada para ser executada em intervalos de 30 minutos, em cada concorrente, pela equipe do Hemocentro “Sanguinário”, ou Seminário do Sangue, da Universidade Nacional da Transilvânia, em convênio com a Associação dos Investigados pela “Operação Vampiro”. Como o apatetado leitor pode ver, tudo em nível de primeiro mundo. Tudo em casa. Percebi, então, que o mar, que me parecera estranhamente imóvel e parado, como um quadro pendurado na parece, estava mesmo parado e imóvel e era, efetivamente, um quadro na parede do bar, pendurado bem à frente da minha cabeça. A expectativa pelos garçônicos anjos e forças espirituais alimentícias, indicava que uma semana em coma, mais alguns dias de disputado torneio, durante o qual só líquidos podiam ser ingeridos, haviam provocado uma incalculável “marica”, desesperadora sensação de insaciedade, irmã da larica. Quis saber o resultado do torneio. Meus amigos me parabenizaram pela derrota. Só entendi a razão do regozijo, quando recebi o convite para o enterro do vencedor.

sábado, 11 de setembro de 2010

23 Turismorfético

A tendência atual entre os grandes centros turísticos é a prática de uma concorrência feroz e sem limites, na qual tudo é possível, mesmo o impossível, ou seja, onde o impossível é possível. Para que o leitor, em geral acometido de indigência informativa aguda, possa ter uma idéia dos níveis atingidos por essa disputocracia (perdão leitor pelo baixo-calão, melhor talvez fosse dizer: disveadocracia, disgaycracia ou dishomossexualocracia), basta dizer que o ramo mais novo e promissor no mundo da espionagem é a especializada no mundo turístico. Esta há muito já ultrapassou outras modalidades tradicionais e lícitas de espionagem, como a política, a militar, a industrial, a diplomática, a religiosa, a esportiva, a artística e até a espionagem quimicamente pura – espionar por espionar - na qual os espiões não sabem o que espionam, nem querem saber e têm raiva de quem sabe. Guindada ao status de ciência, academicamente rotulada de Espiorística (Espionagem Turística), já consta do currículo de algumas das maiores universidades ao redor do mundo, como a de Urtgnlenkvrólia na Croésia Insular, do Instituto Superior de Antitecnologia Nuclear, situado no sul do Deserto Mongolóide e da Unimérdia, Universidade do Mercado da Dinamarca Austral. Espiorísticos (ou espioristólogos, como alguns preferem ser chamados) famosos – como o israelense Ibn Abdul Ibn, o francês William Mc’Lern, o alemão Ugundo Bantô, o saudita David Jacob Stein e o português Joaquim Manoel de Lisboa, todos, certamente, usando pseudônimos desorientadores de suas identidades pessoais e nacionais, como já é hábito entre os acadêmicos dessa humanística ciência – estão hoje entre as maiores estrelas da mídia científica e, consequentemente, entre os maiores salários mínimos da zona agrionesca. Os Zés e os Zero-setes, ou seja, os cabeças-de-bagre e os cabeças propriamente ditos, dos mais variados e avariados centros turísticos, têm atuado incessantemente no sentido de desenvolver sofisticados processos apurrinhativos e engenhosíssimas armações filhasdapuríssimas, (ríssimas não, tíssimas), para atazanar a vida de seus concorrentes, tentando conseguir colocar carne estragada na empada alheia e, de quebra, jogar dejetos no ventilador do vizinho. Torpedear um congresso, viabilizar o cancelamento de um super-show, instigar greve nos aeroportos, provocar o colapso do sistema elétrico, conseguir que o concorrente programe uma apresentação de axóde (axé com pagode), descobrir e furar a sequência de eventos da alta-estação alheia, rezar para São Pedro fazer chover às pampas durante a dita, subornar, alimentar e encaminhar esquadrilhas de borrachudos e nuvens de pernilongos em direção das principais praias e estâncias das forças oponentes, são algumas das mortíferas e demolidoras ações peçonhentas (aprovadas pela AGRESTUR – AGência Reguladora da ESpionagem TURística) terçadas entre os lealíssimos concorrentes. Como deve ter ficado claro, quase claro, digamos cinzinha, das ações acima citadas, algumas delas extrapolam o campo da pura, simples e ética espionagem e invadem o terreno do terror aberto e deslavado. Cabe, então, consignar que a Espiorística tem uma ciência irmã, quase gêmea, na verdade, um irmão, o Terrorístico, (Terrorismo Turístico), consistindo hoje numa das carreiras mais promissoras para os jovens pré-universitários, altamente incentivada pela Unesco, pelo FMI e pela Igreja Universal do Reino do Banco Central. Assim, Pau Doce, depois de intensa e febril atividade espiativo-dedodurística, assessorado pelos mais renomados e famosos espioristas e terrorísticos secretos disponíveis no mercado negro, descobriu que a última moda no disputadíssimo mundo dos eventos de turismo associativo são as já famosas celebrações onomásticas. E o que são celebrações onomásticas? (Não confundir com cerebrações onanísticas). A coisa é muito simples: são orgias comemorativas. Comemorativas, não de uma data ou acontecimento especiais, (tipo Impeachment do Collor, derrota do Maluf ou gravidez precoce da filha de um desafeto), mas de absolutamente nada. Na verdade, são orgias sócio-agregativas, cujo único motivo plausível é engordar as contas bancárias de toda a cadeia turística de uma cidade, ou região, com o soliotário pretexto de convidar pessoas com um determinado nome a se reunirem com outras pessoas que tenham esse mesmíssimo nome, com a finalidade de estarem juntas sem nenhuma finalidade. Assim, quem se chama Paulo está, em princípio, convidado para a onomasticação, ou a celebração do dia do seu nome, na cidade de São Paulo. É a verdadeira exacerbação da omonimia masturbativa. Dois ou três dias de festejos para os Paulos e Paulas de todo o Brasil (que não se conhecem) se encontrarem e perguntarem: “Ah, você é Paulo? Que maravilha! Sabe que eu também sou Paulo? Não é surpreendente? E aquele bando lá? Tudo Paulo!” É uma verdadeira paulada. Os Carlos, se reúnem no Rio de Janeiro; os Antônios em Curitiba; os Franciscos em Salvador; os Deusdédites em São Querêncio das Costas Largas, e assim por diante. Claro que pode a mesma cidade ser a Meca de mais de um nome. Em épocas diferentes, evidentemente. É o turismo se reinventando sem parar, dando nó em pingo d’água, tirando suco de pedra. Pau Doce, para não perder carona nesta onda, sediará o encontro comemorativo de um dos nomes mais importantes para o povo brasileiro e, hoje, dos mais pronunciados nas pias batismais e mais declarados nos cartórios de registro civil do país: Pauno. Pauno e Pauna, claro (É comum a crença de que este é um nome só masculino, porém é engano, pois Pauna abunda). São esperados os Paunos mais famosos do Brasil e até alguns do exterior. Do exterior? Sim, Paunos estrangeiros. Confirmaram presença, entre outros, o pianista do Congresso Pauno Cunhado, o zoólogo Pauno Coelho, a campeã de basquete Pauna Scotchas, o Ministro Pauno Curado, o sindicalista Pauno Lula, a sociality Pauna Plebe, o sobrinho do ex-governador de São Paulo Pauno Serra, o médico protologista e cirurgião bucal Pauno Kutêo Jr., o fundador da seita “Não sou o dono do mundo, mas cobro o dízimo por ele” Pauno Papa, o doleiro e megatrapaceiro Pauno Resto. Infelizmente, não poderá comparecer a famosa dupla-de-dois estilistas-farofeiros Pauno Bama e Pauno Brown. Que chance única Pau Doce vai perder!


Foto do Encontro Comemorativo dos Paunos em Pau Doce
A foto comprova que tanto Pauno cumula como Pauna abunda

domingo, 5 de setembro de 2010

22 O Ministério da Saúde adverte: Pau Doce não é mole

O que faz de Pau Doce um centro turístico, diferente, único, especial e ímpar é o fato dele ser diferente, único, especial e ímpar. Mesmo para aqueles leitores lerdos e desprivilegiados intelectualmente, ou seja, parvos (a maioria, com certeza), se ele não fosse diferente, único, especial e ímpar não poderia ser diferente, único, especial e ímpar. Mas o fato é que ele é dif... bom, é tudo isso, porque aqui o turista age como morador e o morador como turista. Não é maravilhoso? Todo turista, em qualquer lugar do mundo, quer sempre se sentir um local, já os locais sonham em ser tratados como visitantes. Menos aqui em Pau Doce que o troca-troca é de lei. De lei e recomendado pela Comissão Paudocense de Saúde. Diga-se de passagem, que esta Comissão é conhecida internacionalmente por seu trabalho, do qual o Projeto Troca-troca é o mais famoso (em especial no âmbito da comunidade pink) e por ser a única comissão de saúde, reconhecida oficialmente, formada por um único médico, não formado. É uma comissão diferente, única, especial e ímpar formada por um não-formado. Explico: o menino, quer dizer, o jovem, digamos, na verdade, o quase quarentão, que forma esta comissão individual, ainda não é médico. Falta pouco para se formar e o pouco que falta se resume numa palavra: vontade. Sabe como é, esses adolescentes que não abrem mão de continuar adolescendo até a velhice, têm pouca responsabilidade, vivem nas costas dos pais, mordem uma grana das mães (sim, pais e mães, pois, em geral, o pai original está no 5º casamento e a mãe no cesto, não, no sexto) e assistem aula uma vez por ano, exagero que os leva ao limite do estresse absoluto. Nosso quase-médico é um desses. Digo quase-médico e não sei se exagero, já que o querido João Gandaia, nestes últimos 15 anos de faculdade, foi reprovado em 7 das 8 matérias do primeiro ano (a oitava é Educação Física da qual foi dispensado, por surfar o ano todo em Pau Doce). Mesmo com essa performance, não de todo espetacular (este ano recomeçará o curso pela 16ª vez, o que demonstra sua grande qualidade: a persistência), foi contratado para compor a referida Comissão Paudocense de Saúde, (conhecida popularmente como Pau na Doença), por vários motivos e algumas ameaças. Primeiro, por não existir nesta praia outro candidato a trabalhar nessa área (nessa ou em qualquer outra), mesmo sendo funcionário público, recebendo seus proventos sem precisar trabalhar, tendo direito ao 15º salário, auxílio-paletó, vale-pescaria, ajuda-birita, bolsa-coçação e incentivo-boemia, além, é claro, de folga dupla por dia não trabalhado e ressarcimento-insalubridade por ter que atuar vestido, o que em Pau Doce é duplo atentado à cidadania: trabalhar e, ainda por cima, vestido. Os outros motivos, mais relevantes que o primeiro, serão omitidos, porque eu também sou filho de Teus e já estou com o escroto abarrotado de tanto motivo. Na biografia de nosso douto pré-médico, cuja especialidade na medicina, como vimos, é a “primeiranistologia”, um dado interessante é o fato dele não saber, nem nunca ter sabido, quem foi sua mãe, traço comum a toda estirpe dos Gandaias. Seu pai, João Gandaia Pai, seu avô, João Gandaia Avô, seu bisavô, João Gandaia Bisavô, assim como seus demais ascendentes paternos, todos, sem exceção, ignoraram a identidade de suas mães. A única quase-explicação (já que explicação, de fato, não existe) é que os Gandaias são geneticamente promíscuos, estabelecendo incalculáveis intercâmbios sexuais com sem-número de mulheres e, às vezes, com alguns homens com-número (24, por exemplo, mas isto não vem ao caso). Muitas das azaradas consortes, premiadas com um espermatozóide fecundador, acabavam remetendo (remetendo, não retransando, nem refodendo) por correspondência o resultado do conluio amoroso ao Gandaia de plantão e dando no pé sem deixar rastro, o que, sem dúvida, é melhor do que dar no rastro sem deixar pé. Uma vez de posse do novo Gandaia, o Gandaia velho o educava à sua imagem e semelhança e o ciclo se repetia. Isto desde tempos imemoriais. Esta é a saga dos Gandaias, ou Sagandaia, vivida neste momento por João Gandaia, o Atual. Porém, como nosso querido primeiranistologista é radicalmente contra o intercurso vaginal, considerando as hétero-ralações como imorais, pecaminosas e, por que não dizer, hediondas, dando preferência (e outras coisas mais) às sadias pegações conhecidas na comunidade rosa como bagote, ou “bafo no cangote”, é possível que a longa e saudável tradição dos Gandaias seja bruscamente interrompida. E tudo porque um deles, ao invés de levantar o marionete, prefere sentar no croquete.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

21 Paudocinematográfico

Um dos sonhos de todo paudocense, nato ou nonato, (aqui há um número enorme de nonatos. E alguns, de tão longevos, parecem renatos), é o de Pau Doce conseguir realizar o seu festival de cinema. Internacional, é claro. Este ano, por fim, o festival saiu do papel. Saiu do papel de promessa e assumiu o higiênico papel, (higieníssimo, diga-se), de projeto. Acredita-se que, em breve, (como todo bom cartaz de filme a estrear), chegue ao papel de proposta. Quem sabe quando, assumirá o de programa (será um verdadeiro papelão). Por conta do nosso espírito prevenido – prevenido não – precavido, resolvemos não esperar as delongas e démarches e, devagar, colocamos a mão na massa (mão, evidentemente em sentido figurado, já que Pau não tem mão. No máximo, tem cabeça. Pensante.) A primeira providência foi tentar sediar um fórum, (já que estes estão tão na moda), ligado ao tema. Depois de incontáveis reuniões preparatórias destinadas a marcar uma reunião definitiva para deliberar sobre o assunto (todas bem iniciadas, mas nenhuma terminada – nem bem, nem mal – devido à nossa característica social mais forte, à nossa vocação primeira, impressa a fogo no DNA de Pau Doce: a etilidade endêmica), resolvemos lançar o “Fórum INternacional dos Críticos de Cinema e AUdivisuais de PAU Doce” – o (já famoso) FINCCAUPAU - Por total falta de recursos, de datas e, principalmente, de vontade, decidiu-se que não seria um fórum físico, mas virtual. Como o único computador do pedaço é o do nosso nobre edil Jacinto Pinto Aquino Rego, o evento teria que ser realizado em sua casa (na verdade, seu quarto na “Lacinhos Cor-de –Rosa). O bom do negócio era que seu PC, movido a lenha, (e a álcool), obrigava a CUPULATIVA – “CÚPULA ExecuTIVA” – do FINCCAUPAU (nóis), a passar as madrugadas reunida, fazendo uns parangolés bicos-de-pato que só aqui em Pau Doce sabemos fazer (até Jacinto saudades!). Depois de seis meses de intenso trabalho, chegamos a um primeiro esboço preliminar de como deverá ser possivelmente o Festival, (quem sabe?). Aquilo que os metidinhos a besta chamam de desenho do festival, (mais exato seria “rascunho”). Em primeiro lugar a coisa seria de tal magnitude, que reduziríamos a pó todos esses festivaiszinhos que andam por aí de salto alto e rebolando: Gramado, Cannes, Veneza, Brasília, Sundance e a puta que los parió. Teríamos uma infinidade. Teríamos não, teremos. Teremos uma infinidade de categorias de filmes. Na verdade, categorias inenarráveis, como: filminho normal (bem pouco inenarrável), filmes futuros (ainda não feitos e, talvez, nem pensados), filmes ao vivo, (não confundir com teatro, o que seria grosseiro e idiota), filmes catástrofes, (que depois de projetados, não sobra um só espectador pra contar a história – o que é muito bom, pois nunca ninguém vai saber o final dela), filmes naturais, (sem atores atrozes e atrizes de enormes atrases, tudo muito natural), filmes épicos, (de fato, filmes e picos, e picas também: sexo, drogas e rock’n’roll), filmes do tipo ‘americano’ (aqueles em que a América do Norte entra pelo cano) e do tipo ‘resmundaço’ (nos quais o Resto do Mundo perde o Ca-bresto). Enfim, todo tipo de filme, com exceção dos filmes de todo tipo. Tudo ia muito bem, quer dizer, tudo ia tranqüilo, fluindo, devagar, maneiro, paradinho, paradinho, na velocidade quase zero graus centígrados que nos caracteriza, quando senão eis que, eleição pra presidente, Lula lá na frente e, pra nossa total despirocação mental, um dos nossos assume, não o poder, mas a refazenda, transformando tudo num tempo rei, como se tudo não passasse de um domingo no parque. A partir daí, mudamos de novo o FINCCAUPAU. Cheios de moral, decidimos realizar não mais o fórum virtual, nem mesmo o físico, mas, meter as caras no festival propriamente dito. Fim do FINCCAUPAU! No seu lugar entrou o “ESFINTER (ESpetacular Festival INTERnacional Cinematográfico)”. Saímos do FINCCAUPAU e entramos no ESFINTER. Foi um rito de passagem: FINCCAUPAU no ESFINTER. Coisas de Pau Doce! Sinal verde do Gilberto, saímos da inércia contemplativa e partimos para a inércia ativa. Contratamos as duas principais estrelas ascendentes do MINC no âmbito de tudo que se trate de cinema, vídeos, dvds e sacanagens conexas, os imbatíveis Mortimer da Costa e Hugo Boss Tavares, conhecidos no mundo da sétima arte como dois pesos pesados que não afundam nunca e bóiam sempre. Nunca entendi porque, com prenomes tão lindos e expressivos – Mortimer, nome inglês sonoríssimo e Hugo Boss, nome nobre da alta costura – só atendem pelos sobrenomes rampeiríssimos, Costa e Tavares. Coisas do cinema...