sexta-feira, 28 de maio de 2010

2- Chegança

Cheguei doce em Pau Duro. Não, cheguei de Pau Duro em Doce. Não, não, cheguei em Pau Doce duro. Duro de frio, já que, pro meu gosto, abaixo dos 30 graus só não neva por que não é costume local. Comi um amigo, me ofereceu. Quer dizer, comi o que um amigo me ofereceu: jiló com farofa de olho de camarão sete barbas. Estava do olho! Saí para caminhar pela areia. Praia vazia e barriga cheia. Melhor que o inverso. Como em todo pré-inicio de fim-de-semana, essas segundonas maravilhosas, Pau Doce estava mole. Mole para se andar. Não havia viva alma pela orla, só, aqui e ali, algum corpo vivo. Cada corpo! Daqueles que nem de alma precisam, que alma é supérfluo, adereço dispensável. Mas, aquele sossego estava com as horas contadas, já que a semana protransava. Não, não, que protansava nada! A semana prometia. No sábado, haveria a festa do padroeiro, São Vinte de Pau Doce. A mulherada viria em peso atrás do santo. E, algumas, na frente. A mim, na expectativa da festa, não me restava outra que ficar curtindo aquele mar especial, o meu preferido, o marasmo. Ficar olhando o nada por horas pra ver se ele muda de aparência, espantando mosca com a camiseta, sentado na calçada do Bar Bicha, comendo um MacSard - sanduíche de sardinha com Pão Pullman - acompanhando, de longe, o trabalho da ONG européia, dedicado ao atendimento de pré-adolescentes pobres, na qual os ativistas (alguns, aliás, muito passivos) tratam-se, mutuamente, por “filhósofos” –filhos do Filósofo - cujo presidente, chefe, coordenador é reverenciado como o pai, chamado por todos de “Filósofo”. As crianças assistidas são levadas para a pequena sede-cabana, o Pernoite do Filósofo, conhecida pela população paudocense pela engenhosa corruptela – PE DO FILO – para lições de cidadania. Aquela gente santa e abnegada cujo apostolado é, às vezes, denegrido, pela eterna maledicência endêmica brasileira, com acusações impaupáveis e invagináveis, de que aquilo não é ONG nem em Pau Doce nem na China, mas a ponta de um iceberg, um centro de recrutamento de uma competente empresa de turismo sexual. Eles, os pedófi... quer dizer, os filhósofos, é claro, nem tomam conhecimento. Muito menos a polícia. Atribuem os rumores a uns anacrônicos comunistinhas que vêem a Pau Doce queimar fumo e trazer suas incompetências recalcadas para passear na praia. Aliás, no capítulo “fumo e assemelhados” Pau Doce poderia entrar para o Guiness e constar, (com certeza deve constar), dos roteiros obrigatórios da Embrafumo. Há, durante o ano, congressos, torneios, encontros, seminários, semanas, simpósios, nos níveis regional, estadual, nacional e internacional, todos dedicados à tetraidrocanabinol, ou diamba. Sempre com o apoio logístico e lojístico da comunidade fumófila local, da mais alta qualidade, diga-se de passagem. Todos cinqüentões e quarentões – os trintões já são filhos dos primeiros com as segundas – uma interessante fauna que insiste em continuar fazendo artesanato, apesar da quase cegueira de alguns e da osteoporose galopante de outros. Intrigante essa questão do artesanato: fazem pulseiras, colares, cintos, anéis, gargantilhas em público, o tempo todo, e nunca vendem nada. Tenho a impressão que uma equipe faz as peças durante o dia e outra, à noite, as desmonta. Caso contrário, pelo tanto que fazem e pelo nada que vendem, teriam que ter dunas e dunas de bijuterias. Além da manufatura, dedicam-se, também, à faina agrária. Para tal finalidade, têm até, formalizada, uma micro-empresa: a Unidade Agrícola Fumoprodutora Transa Livre, cujo nome fantasia é “Os órfãos de Jimmy Hendrix”. Com apoio do Sebrae e o escambau. E quando alguém pergunta a um deles por que é que não moram em São Paulo, já que a maioria é oriunda da capital, a resposta é, invariavelmente, a mesma: “Sacomé, cara, viemos de Woodstock a pé, mora?, e paramos aqui em Pau Doce pra dar um tapa e uma descansadinha, morou?”

quinta-feira, 27 de maio de 2010

1-Introduzindo o Pau Doce

Praia de Pau Doce

Finalmente eu tinha conseguido tirar aqueles dias livres para poder sair um pouco em busca do reequilíbrio. Quando fico muito tempo sem uma folguinha dessas, sinto que meu organismo exige de mim, autoritário, um tempo para pôr as coisas no lugar: roupa no armário, sapato na sapateira, livros na estante... Não, não, isso é estresse na veia. Colocar outras coisas no lugar: idéias na cabeça, chinelo no pé, sono em dia, não em noite, dormir até o meio-dia, deitar ao amanhecer. Maravilha! Para tudo isso, um mês é pouco. E pensar que às vezes passo uma eternidade sem férias. Meu médico estrila, fica doido comigo. Chego ao cúmulo de ficar dois, três meses sem férias. Mas, graças ao bom Teus, (Teus é o meu chefe), estava eu ali, com todos aqueles dias à minha disposição. Resolvi ir para o litoral norte. Sem novidade, sempre vou pra lá: Sahy, Paúba, Toc-Toc... Dessa vez havia resolvido algo mais exclusivo, mais selvagem: Praia do Pau Doce. Ah, Pau Doce! Apesar do nome se dever a uma árvore nativa, algumas pessoas escandalizadas, que sempre as há, insistem em alegorizá-lo, ruborizadíssimas, “Pênis Edulcorado”. Belo nome! Alguns parecem preferir Pênis Edulcorado a Pau Doce, acredito que é por acharem mais urbano, mais metido a besta, mais propagandístico, mais cultura de massa. (Cabe aqui uma rápida digressão sobre a verdade histórica deste corajoso nome. Pau Doce teve, desde sempre, a ousadia de assumir seu nome, mesmo com todos os contratempos que pudessem ser causados pelos mais variados equívocos. Involuntários, uns; capciosos e sacanas, outros. Não foi covarde como Paúba, cujo nome original e histórico, sendo praia-irmã de Pau Doce era Pau Babado e, por medo da discriminação contra tão sonoro e estimulante nome , alterou-o para o atual e insignificante Paúba, deixando o pau intacto, decepando a integridade do babado e enfiando um criminoso acento agudo na ponta do pau. As duas praias formavam, desde a descoberta, uma unidade: Pau Doce e Pau Babado. O cara se melava no primeiro Pau e babava no segundo. Quando os traidores de Paúba resolveram mascarar o sacrossanto nome, tentaram, inicialmente, induzir (aliciando e subornando) e, posteriormente, obrigar (chantageando e ameaçando) os valorosos paudocenses a praticar o mesmo crime – propuseram a troca de Pau Doce para Paúdo, assim, ao invés de Pau Doce e Pau Babado ficariam Paúdo e Paúba – foram, porém, rechaçados com vigor e indignação). Mas, voltando à praia, que maravilha é Pau Doce! (As mulheres que o digam. As que freqüentam Pau Doce, é claro). Que areia, que água, que ondas! Arenosa, molhada e ondulante como qualquer outra. É que, além do doce nome, Pau Doce é doce também por outras razões. Por exemplo: não tem banco, quer dizer tem banco, mas não tem Banco, desses que dão nota pro país. Levam uma nota preta do país e dão nota vermelha em pagamento. É mole? Bancão necas, mas tem um mini-mercado digno do casal gay mais exigente. Aqueles queijinhos de 10 dólares a fatia, tipo folha de papel-de-seda ou, no máximo, fatia de presunto. Falando nele, o prsesunto, não poderia faltar um dos bons, a altura do nome da praia, importado da Ilha de Caras. E croquetes, dos grandes. E salames, vigorosos. Vinhos afrodisíacos, paella virtual, picanhas em flor recém-colhidas do pé, angulas “en aceite”, lulas recheadas com chocolate branco, velas de citronela com motivos a baianos, café instantaneamente solúvel, e, outros, soluvelmente instantâneos, todos aromatizados artesanalmente. E camisinhas, saidinhas, (de banho), e biquinininhos e viagrinhas e, acima de tudo e menos importante do que nada, miríades de repelentezinhos, que por repelentes que sejam, em Pau Doce sempre são bem-vindos, já que deles se espera que cumpram sua função repelidora ou repilatriz, mais com os borrachudos autóctones do que com as boazudas, aos toques. Tudo enfim, no Mini-mercado Glória de Pau Doce. Nele, Glória, a proprietária (e ativista GLS), não deixa faltar nada que seja necessário para que se possa passar um desses fins-de-semana prolongadinhos de dois meses e meio, que passam voando, sem nenhuma cerimônia, como se fossem íntimos da casa. E a Glória, além do mercadinho, tem também um bar. É o Sans Chupança. Naturalmente, “Sans Chupança do Pau Doce” é a razão social. Social, etílica e freguesia limitada. Que bar! É um bar pra bêbado nenhum botar defeito e sóbrio algum passar na porta. Aliás, a casa tem várias regras e essa é uma delas: “Sóbrio não entra e bêbado não sai”. Tudo barato, baratíssimo, diria, subsidiado. Tudo o que a Glória ganha no Glória deve perder no Sans Chupança. Por causa da Roleta... Mas, esse já é outro assunto.

PREFÁCIO

É sempre uma enorme satisfação para alguém que, como eu, vive profissionalmete de observar e analisar o desenvolvimento da cultura, máxime o da literatura, ver surgir, no escassamente renovado mundo das nossas letras, novos nomes com tão expressiva potencialidade artística e com tamanho vigor estilístico como o de Iduacol Jesodos Tonsas.
Quando recebi os originais, gentilmente encaminhados pela Imprimatur Editorial propondo-me esta participação prefacial, confesso que, passado o momento de envaidecimento, temi. Ao me deparar com o título, tive a tentação de, sem ao menos folheá-los, devolvê-los incontinente. Pareceu-me que tinha nas mãos algo menos que menor, um tipo de subliteratura primária e chula. Não fosse o respeito e a admiração que nutro por esta casa editorial e minha primeira impressão me teria (perdão!) privado de degustar uma obra ímpar no conteúdo e de rara beleza, no estilo.
Este incrível diário autobiográfico é um edificante relato, com perspicazes observações, que pode servir a todo jovem que anseia por um porvir glorioso para si e para sua pátria. É um vigoroso exemplo indicativo e seguro de como os anos da juventude podem ser construtivos, realizadores e geratrizes de um futuro brilhante.
Por mais que sejam, as que se seguem, impressões de um “quase pós-adolescente”, são, também, como constatará o leitor, (tratado pelo autor com um respeito poucas vezes visto), incrivelmente escorreitas e moralmente irrepreensíveis, eivadas de seriedade, sem a fácil utilização de recursos chulos e da apelação para deploráveis duplos-sentidos, nem a menor condescendência com o vulgar e com o preconceituoso, vícios tão próprios de escritos precoces e temporões, dos quais nem mesmo vários dos maiores vultos de nossa história literária viram-se imunes. São estas, de fato, jovens recordações que deverão ser vistas como verdadeiro “vade-mecum” dos bons costumes, do patriotismo e do amor ao trabalho, virtudes de que tanto carece nossa mocidade.
Parabéns à Editora Imprimatur por mais esta obra fundamental à nossa cultura, ao seu autor e, em especial, ao público leitor.



São Paulo, abril de 2010.


Pascoaurélio Fernandes Whys