sábado, 30 de outubro de 2010

33 Enfim, um hino não é um hino (dois)

É possível que algum leitor mais apanacado que o normal - o que é muito difícil, mas não impossível - tenha achado alguma semelhança entre o razoável, quase sofrivel, Hino Nacional Brasileiro e essa esplêndida exuberância inigualável que é o Hino de Pau Doce. Até aí, tudo bem. É possível mesmo que possa haver algo de um que lembre o outro, (já que, como salientei na Itinerância anterior, todos os hinos ou são quase idênticos ou não são hinos), mas jamais Pedouro, o Duralágio, não, Pelágio, o Duradouro poderá ser acusado de plágio (apesar do seu nome sugerir essa possibilidade). Estudos aprofundados efetuados pelo renomado Instituto Histérico e Pornográfico de Pau Doce, que, devido ao excepcional cuidado e extrema competência dos pesquisadores – os ditos porno-histéricos - alongaram-se por várias décadas, consumindo, não um caminhão de dinheiro, mas um comboio inteiro, de verbas nacionais e internacionais, (todas verdinhas, verdinhas), chegaram à conclusão, exatamente oposta. Após penosas consultas a históricos alfarrábios, betarrábios e, até, gamarrábios, todos muito bem acondicionados e preservados - com o auxílio de indispensáveis colônias de traças e voracíssimas populações de cupins, animais sabidamente preservacionistas e indispensáveis para a manutenção de guardados antigos, em especial, de papel e madeira – no falecido arquivo do Município de São Sebastião, comprovaram ter Pelágio concluído sua consagrada sinfonia – apenas a música – no ano de 1821, deixando para compor a letra algum tempo depois (esperou baixar a inspiração), por volta de 1908. Ora, qualquer ignorante e idiota sabe, com certeza, e é possível (pouco, é verdade) que até o leitor também o saiba, que o Hino Nacional Brasileiro teve sua música composta (certamente copiada) em 1822 e a letra (chupadíssima) em 1909. Assim, o pouco original Hino Nacional Brasileiro é muitíssimo mais jovem que a obra-prima paudocense. Despeitadíssimos familiares descendentes dos compositores do clone do nosso hino, os insignificantes e inexpressivos Francisco Manuel da Silva e Joaquim Osório Duque Estrada, tentaram inverter o jogo e enlamear o respeitadíssimo nome do Mestre Plágio, ao acusá-lo de ser ele o autor do pelágio, quer dizer, de Pelágio ser, não o plagiado, mas o plagiário. Com suntuosos subornos conseguiram cooptar criminosamente o Instituto Histórico Nacional, o Museu da Casa Brasileira, a Academia Brasileira de Letras, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Associação Brasileira de Inventores, a Casa do Poeta Brasileiro, o Conservatório Nacional de Música, o Conselho Mundial das Igrejas (setor Brasil), a Associação Médica Brasileira, a Escola Superior de Guerra, a Associação dos Magistrados Brasileiros, o Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Terra, a Confederação Brasileira de Futebol, o movimento internacional dos Confeiteiros Sem Fronteiras, a Câmara Brasileira do Livro, a direção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a Associação Nacional dos Trabalhadores na Indústria do Turismo Sexual, a Confederação Geral do Trabalho, o Instituto Rio Branco, o Sindicato Nacional dos Heróis de Histórias em Quadrinhos, a Central Única dos Trabalhadores, a Confraria Brasileira dos Devotos de São Longuinho, a Confederação Nacional da Indústria, a Associação Brasileira de Defesa do Mercado de Trabalho das Prostitutas, dos Sacoleiros e dos Vereadores, a Associação das Escolas de Samba de Aparecida do Norte e mais 839 assinaturas de associações autodenominadas nacionais, brasileiras e o escambau. Todas tão inexpressivas quanto ás citadas no rol acima. Claro que os dirigentes da diretoria do IAGAPEPEDE (Instituto Histérico e Pornográfico de Pau Doce) e seus membros (os membros do Instituto, não dos dirigentes, bem entendido) não deram a mínima pelota aos puxa-sacos de Francisco Manuel e Joaquim Osório. Mas, como a insistência foi muito grande e o loby enorme, foi necessário apelar para instâncias internacionais, dessas que não se impressionam com o tamanho do loby. Iniciamos – o Instituto Histérico...etc – com um pleito (enorme também) ao Conselho de Segurança da ONU. Já que a questão era apelar, fomos direto pras cabeças. Como esse conselhinho, que se reúne quando quer, estava demorando para responder e nós não estávamos a fim de ficar esperando eternamente, peticionamos ao Parlamento Europeu, que para alguma coisa deve servir. Os europeus, por sua vez, são mais devagar que os bahianos – só não ganham de nós, os paudocenses, é claro – desistimos e apelamos para a Associação Internacional dos Compositores de Bolero, Mambo e Chá-chá-chá (evitamos a Associação Internacional de Compositores de Hinos, pois soubemos que ela estava já comprometida com os nossos inimigos). Como, ainda uma vez, a resposta tardasse, batemos à porta da renomada, insuspeita e incorruptível Associação das Famílias Sicilianas, também conhecida como Movimento Associativo das Federações Internacionais de Amigos. Finalmente, batemos na porta certa. Descobriram, os pesquisadores da M.A.F.I. A., que a melodia do Hino de Pau Doce é muito semelhante, digamos quase igual, a uma marcha composta no ano 261 aC, durante a Primeira Guerra Púnica (que o indigente leitor se abstenha de tentar fazer qualquer trocadilho de mal gosto com o nome da guerra, por favor), pelo próprio Pelágio, o Duradouro, para ser executada durante uma das batalhas da flatulenta guerra. Assim sendo, ficaram os senhores Francisco da Silva e Joaquim Estrada e seus sequazes, totalmente, desmascarados. É muito provável, que depois dos resultados desta demanda, o governo brasileiro decida derrogar o atual Hino Nacional Brasileiro, já que é um reles plágio. Analistas vêem grande chance da escolha do novo hino recair sobre a composição do Mestre Duradouro. Assim, não seria necessário ensaiar uma canção patriótica diferente: a melodia é praticamente a mesma. E a letra? Bem e a letra, tanto faz, já que nem a Seleção Brasileira sabe a atual de cor. Fazer o quê?

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

32 Um hino é um hino, é um hino, é um hino (um)

Por volta do ano da graça de mil oitocentos e alguma coisa, aportou nesta praia, segundo seguríssimos registros históricos, competentemente preservados no pingódromo do Bar do Zé, vindo lá das Guerras Púnicas (evidentemente, perdeu-se no caminho e vagou pelos oceanos durante fugazes e miseráveis 2200 anos), o ex-combatente, regente de fanfarra e fanfarrão empedernido, Pelágio, o Duradouro. Consta que no ano 300 aC, Dura já era bem rodado, tendo sido maestro de inúmeras e incontáveis bandas, a ponto de ser conhecido em Cartago, como o Rei do Coreto. Em aqui chegando, no citado ano da graça, Douro, depois de um belo e reconfortante banho, de sol, e, após ter se inteirado de como funcionava o galinheiro, candidatou-se ao cargo de Diretor Musical da Banda Marcial de Pau Doce. Diante do inexorável fato da inexistência de tal agrupamento artístico e não havendo, ainda, aqui músicos executantes de instrumentos bandísticos, como clarim, trumpete, trombone, baixo-tuba, gaita a laser e órgão masculino, alguns, à época, sequer ainda inventados, nosso jovem macróbio, resignou-se a receber seu salário marajaístico - que já no século XIX a maracutaia era servida como prato do dia - e curtir a praia e as morenas e as loiras novecentistas. Mas, para não ficar com a vasta batuta abanando e evitar ser motivo da maledicência popular endêmica, resolveu edificar (e até, por vezes, ediir) o Hino de Pau Doce. Como todo bom hinólogo, Estável, Estável não, Duradouro, mais do que um exímio compositor era um excelente copiador. Existe algo mais igual a um hino do que outro hino? Qualquer hino. Se os arqueólogos musicais encontrarem em suas escavações sonoras, dois hinos diferentes, só há duas possibilidades aplicáveis ao caso: 1ª: um dos dois não é hino; será samba, maxixe, rebolado, cantiga de roda, solidó, tango-rock, valsa cearense, ou o que quer que seja, menos hino, ou 2ª: nenhum dos dois é hino. Um hino para ser hino mesmo, não pode ser, digamos, igual, igualzinho aos demais hinos, o que seria um evidente exagero e uma malediscência contra esse gênero pré-musical, quase musical, protomusical, que tanto emociona os conservadores e provoca orgasmos cívicos nas madonas quatrocentistas, ou nas madistas quatrocentonas. Um hino não é, nem pode ser igualzinho aos demais, não, nunca, jamais. Ele deve ser e, sem dúvida, será apenas idêntico. Por exemplo, suas introduções instrumentais devem ser sempre:

Parâm/param/pam-Parâm/param/pam-Parâm/param/pam-Pam

Pam-Parâm-Parâm-Parâm-Parâm-Parâm-Pam

Parâm/Param/Pam-Parâm/Param/Pam-Parâm/Param/Pam-Pam

Pam-Parâm-Parâm-Parâm-Parâm-Parâm-Pam

Parâm-Param-Pam

Parâm-Param-Pam

Parâm-Param-Pam

Parâm-Param-Pam

Parâm-Param-Pam

Parâm-Param-Pam

Parâm-Param-Pam

Parâm-Param-Pam

Parâm-Param-Pam-Pam

Pam-Parâm-Pam-Pam

Esta é, exatamente, a introdução do Hino de Pau Doce. Criativa, nova, personalíssima, inimitável. Apenas, e com muito orgulho, com um longínquo parentesco com a do Hino Nacional Brasileiro. Mas, nada tendo a ver com este, o que seria um sacrilégio contra os acordes iniciais do divhino paudocense. Para que o desinformado leitor possa ter uma idéia (sei que não é nada fácil) da originalidade absoluta da composição do Mestre Pelaginho (em Pau Doce adoramos um diminutivo) e de sua extraordinária capacidade criativa, não só na melodia, como na letra, transcrevo, a seguir, com vetusto ufanismo, os versos do inimitável Hino de Pau Doce. É preciso avisar ao descerebrado leitor que muitas das estrofes não fazem muito sentido, alguns versos são truncados e, às vezes, não há seqüência lógica entre eles, ou sequer ilógica. Esses acidentes de percurso se devem ao parco domínio que Duradouro tinha do idioma português e, porque, como todo paudocense que se preze, o insigne compositor (que podia não se prezar, mas já era, à época da composição, um nativo de quatro costados) estava de pileque em tempo integral. Mas, deguste a beleza desta poesia:

Os virgos deflorando amantes clássicas
Que o polvo-herói, c’o dardo penetrante
E é só dali, beldade enraba os fúdidos
Trilhou corcel da praia lancinante.
Se o senhor desse à irmandade,
Com seus vinhos emborcar um trago forte
Entre seios, que liberdade!
Deus enfia em nosso peito a água da sorte.

Oh! Praiamada! Ensolarada! Sol e sal vês!

Barril com rum bem denso, honra teu fígado
De amora, a caipirança até enlouquece
Sente o gostoso mel, bisonho e insípido
A alma do cachaceiro desvanece.
Brindando com os prós da natureza
Ex-belto, ex-forte em Pau viu dois colossos,
Sem ter futuro, esperas e com certeza
Terás louraças
E morenas mil
Quem em ti já viu
Tal mulherada
Das filhas, estas,
Só lesmão não viu
Que a passarada
Fugiu.

Deitar, externamente, e ver se entende
O céu, o mar e a luz do sol, pro fumo,
Enxugar o barril, maior da América
O luminar alsou de novo o mundo:
A Dulce, a Vera e a Margarida
São risonhos, lindos anjos, sem mais flores,
Não deboches dessa vida,
Pois nossa vida em Pau Doce é só amores.

Oh! Praiamada! Ensolarada! Sol e sal vês!

Bramiu, fragor externo, eu já sinto
É lá o bar que, oitenta, há destilados
E, diga o negro e o loiro dessa fama:
Ter no futuro a glória do “traçado.”
Mas, se achas que a manguaça estava forte
Verás que um paudocense não labuta
Prefere, ao batente, a própria morte.
Terás louraças
E morenas mil
Quem em ti já viu
Tal mulherada
Das filhas, estas,
Só lesmão não viu
Que a passarada
Fugiu.


Autor: Pelágio, o Duradouro.
Qual será a etimologia da palavra plágio?

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

31 Teatro histórico

Quinhentos e tantos anos depois, Pau Doce vai realizar, pela primeira vez no Brasil, e se é no Brasil, será no mundo, a mais justa homenagem, mais do que justa, apertadíssima homenagem, jamais feita, ao cara pálida, ao alvíssimo e alvaríssimo ser humano (ser ou mano?) que por aqui chegou nas caravelhas (caras e velhas, na opinião de Cabral & Associados), desviados da rota, estabelecida em contrato com el rey D.Manuel, o Venturinha, por acidente de percurso. Mas, como assim? Perguntará, atônito, o estultíssimo leitor. A primeira homenagem a Cabral? O Brasil não está capilarmente devastado de tanto fazer homenagens, e até mulheragens, ao luso capitão? Não, querido e anencefálico leitor. Uma outra não tem nada a ver com a coisa. A Bahia não é Pau Doce e Brasília, também, não é Pau Doce. Só Pau Doce é Pau Doce. E Pau Doce jamais repetiria quem quer que fosse. Nossa cabralina homenagem será única, especialíssima, “primus inter pares”. E por que tanta exclusividade? Volverá a inquerir, em sua desneuronizada impotência, o ignaro leitor. A especialissimidade de nossa comemoração vem do fato de ser essa a única festa indígena a celebrar o descobridor. Indígena? Indígena! Total e absolutamente indígena. Branco e preto nessa gandaia não têm vez. Quer dizer, quase não têm vez, já que Pau Doce é a liberdade elevada à enésima potência do infinito. Branco e preto só fantasiados de índio. Ou seja, preto é índio, branco é índio e até índio é índio. Na verdade, índio é menos índio que o branco e o preto, já que a maquiagem e a viadagem em Pau Doce são artes sagradas. Em nossa festa, o que tem de índia autêntica paparicando crioulo vestido de pajé, não está escrito. E índio babando por brancona travestida de Iracema, então? Touro Deitado descendente de nigeriano? Lua Estrelada chegada num chucrute? De monte! De monte, é pouco. De cordilheira! Mas, nossa festa é um caso à parte. Não, é um caos à parte. Caos, porque ela é a maior zona. A maiorsona de todas as grandes festas. Tudo com muito respeito: comemoração religiosa, religião comemorativa, liturgias e litorgias, oratórios e orotários, amém! Conhecida, internacionalmente, como “Capando Cabral”, nossa comemoração dura 3 dias. 3 dias e 3 noites, é claro! No primeiro, dá-se a preparação do ritual, que no idioma oficial da festa – o garachupi, mistura insólita de guarani, chulês e tupi – leva o sonoro designativo de Itaporangamirim, que em português culto quer dizer “Lapidação do Pênis Diminuto” e em chulês puro seria “Tasca pedra no pinto anão”. No segundo dia, ocorre a cerimônia “Recuperação do Combalido”, (em chulês, “Refresco pro Pintelho”), ou, oficialmente “Puringoraraporingu”, fase de interregno e descanso entre a exuberância da abertura – abertura, no sentido menos fechado possível, aliás, escancaradíssimo – e a loucura do fechamento ou momento da fechadura (fechadura, não flexadura). Interregno durante o qual, todas as tribos presentes ao megaevento, quiçá até algumas ausentes, dão-se, doam-se, permitem-se, entregam-se aos atos mais libidinosos imagináveis, pornografia pura e desenfreada, como: palitar os dentes em público, comer hambúrguer com catchup, tomar cerveja morna, coçar frieira entre os dedos do pé e até, horror dos horrores, ultrapassar pelo acostamento. No derradeiro dia, assiste-se – a menos que se feche os olhos – ao espetáculo mais sangrento que se tem notícia, desde o tempo em que Nero, o Piedoso, praticava seu esporte predileto “observação da origem da genialidade imperial, a partir do contemplar das vísceras maternas”. É o rito final, em que se dá a degola cabal, também conhecida pelo grito de guerra “Degola o Cabral!” durante o qual, o que sobrou da lapidação do vetusto membro cabralino é extirpado sem dó, nem piedade, pelos piedosos, condoídos e também antropófagos selvícolas, comandados pelo legendário pajé “Estirpaopau”. O espetáculo teatral de encerramento deste maravilhoso tríduo é levado a cabo no magestático palco, o “palcuzão” de Pau Doce. Ocupam o cenário três troupes de atores: uma, à direita, com mais ou menos duzentos componentes, formada, exclusivamente, por índios é a “Comissão de Decepação”; outra, à esquerda do palco, é integrada pelas divindades, espíritos intermediantes, com perto de trinta participantes; a última, postada no centro, conhecida como “Tem cutruco no sufoco”, formada por eles, os próprios, os descobridores, composta por uns quinze membros, prontos a serem, literalmente, desmembrados. Como estratégia de defesa e despistamento, todos os quinze atores aparecem vestidos de Cabral, assim, o verdadeiro, que é apenas um deles, fica protegido pelos outros catorze. Bela estratégia! Os índios, que são índios, mas não são idiotas, esfolam os quinze, por via das dúvidas. É interessante notar que todos os quinze Cabrais ou Cabraus, são atores portugueses autênticos, e que ao terminar o espetáculo, todo ano, os que conseguem, voltam com o que sobrou para Portugal e os que sobram ficam por aqui com o que conseguem. É preciso, no entanto, repor o estoque anualmente. E a cada ano a fila de candidatos, a ter o cabrau decepado, aumenta. Vai entender esses portugas...

sábado, 16 de outubro de 2010

30 A santificação do voluntariado

Aqui em Pau Doce, tudo o que é doce é doce e tudo o que não é doce também é doce. Quer dizer, tudo o que no resto do planeta não é doce, aqui é doce. Ou seja, vivemos o “Milagre da Onidulcificação Universal.” Conseguimos transformar o mais azedo e mais ácido dos limões em uma fruta borbulhante de açúcar. Em primeiríssimo lugar, nos nossos 839 tipos de caipirinha (está lá, catalogado no Livro Guiness: 839!), capitaneados pela pornográfica “Caipirinha XXX” (Xeia de Xarope de Xocolate, havendo, também, a opção GLS: Xeia de Xarope de Xantilly). Mas, nem só de caipirinha sustenta-se o recém-citado MOU (Milagre...). Há, é evidente, muitas outras modalidades de dulcificação limonar. Várias modalidades de caipira (Por favor, não confundir caipira com caipirinha, já que esta é mais mixuruca e a caipira é mais robusta, mais coxuda, mais fornida, digamos mais gostosona): a caipirasca (caipira com casca), a caipiroca (caipira com Coca. Com coca não, com Coca), caipirush (caipira com Crush), caipiranta (caipira com Fanta), guarapira (guaraná com caipira), caipirum (caipira com rum), Caipirisky (caipira com whisky), caipirinho (caipira com vinho), caipirari, (caipira com Campari), caipiródca (caipira com vodca), caipiquila (caipira com tequila), caipimute (caipira com vermute) e, até, caipiringa (caipira com pinga). E incontáveis batidas: baticu (batida de curau), batibronha (batida de bronhafilecus (fruta própria de Pau Doce)). Batissiririca (batida sem sidra, mas rica, rica em carboidratos) e outras e outras e outras.Porém, nem só o limão aqui é adoçado, mas tudo. Tudo, exatamente tudo. O vinagre é doce, a azedinha é doce, a carambola verde é doce e até a salmoura é super doce.No entanto, o mais importante, fundamental mesmo, é que essa dulcificação não se abate apenas sobre as atividades gustativas. Essas relações de sabor são meramente adjetivas. O que interessa mesmo são as realidades substantivas (isso qualquer ANALFAbeto funcioNAL – ANALFANAL – sabe). O esforço físico, por exemplo, aqui em Pau Doce é feito sem o menor esforço físico, tanto que o chamamos de desforço físico. O esforço físico é, portanto, adoçado. Tudo o que represente dificuldade, sofrimento e malhação é recoberto por uma enorme camada de mel, açúcar, doce de leite e melaço, transformando-se em facilidade, dessofrimento e desmalhação.Porém, a mais abjeta, nojenta, sepulcral, pestilenta e calhorda das atitudes humanas é o trabalho. Já sabemos que só o ser humano é capaz de escravizar semelhantes, só o ser humano inventou máquinas de matar (forca, guilhotina, cadeira elétrica), só o ser humano diverte-se, coletivamente, assassinando (touradas e assemelhados), só o ser humano criou venenos letais (formicida, soda cáustica, chumbinho), só o ser humano vende sua própria carne, mas, sobretudo, e pior do que tudo, só o ser humano trabalha. (As formigas e as abelhas não contam por que não recebem salário - ao menos nunca foi encontrado um único contracheque assinado por uma delas...)Como Pau Doce constitui-se no Centro Mundial da Higienização Moral (centralidade que visa a regeneração humana, fazendo deste atual estrupício andante algo semelhante a Eva e Adão antes da transa com a serpente), aqui, como já afirmei em algumas destas celestiais Itinerâncias e, ainda afirmarei em outras, aqui, repito, o trabalho é total, absoluta e radicalmente proibido. Como proibido? - estará rascunhando mentalmente o canhestro leitor, geralmente um bóia-fria intelectual – se já foi dito que nesta praia há uma média de 10 botecos e inferninhos para cada morador? Claro que há, talvez até mais. No entanto, boteco, inferninho, bar, birosca não são considerados empresas, firmas, micro-empresas, mas templos. Os sagrados templos de adoração do Deus Baco e associados.É preciso repetir enfaticamente, com todas as letras: aqui não existe trabalho. O que temos são atividades voluntárias (às vezes, correndo uma graninha de leve) como a dos Sacerdotes e Sacerdotisas Bacanais (do Deus Baco, bem entendido), Agentes de Comercialização Carnal, Entregadoras de Caipireite (caipirinha com leite, como mostra a Foto 1), Segurador de Jegue e Auxiliador de Trepada (Foto 2), Técnico em Esvaziamento de Garrafas, Desvirginadoras de Mancebos, Denunciador de Crime Laboral, Inoculador Espermatozoidal, Puxador de Samba Enredo, Benzedor de Espinhela Caída, Guarda Diurno (Atuando enquanto Pau Doce dorme. Atividade terceirizada, já que ninguém nesta praia submete-se a ficar acordado durante o dia), Escultor Capilar, Decoradora Facial, Exterminador de Cutículas, Anulador de Detritos, Inseminador Não-Artificial, Solista de Atabaque e Redator de Itinerâncias, ou Itinerador de Redações, ou Itinetor de Redarâncias. Chega!Cacete, quanto voluntariado!
                                       
Foto 1                             
Distribuidora de Caipireite  
Atividade voluntária paudocense (não há mais vagas)
  
                                Foto 2                      
Segurador de Jegue e Auxiliador de Trepada                  
Outra voluntaríssima atividade de nossa linda praia

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

29 Despirocação cidadã

Da mesma forma que Hollywood é a “Meca do Cinema”, Pau Doce é a “Meca da Política”. Como pode, estará se perguntando o axaropado leitor, uma mera praia, bairro longínquo de um modestíssimo município, ser a Meca do que quer que seja, e em especial da política? Caro e primaríssimo leitor, as coisas nem sempre são o que não aparentam ser e sempre não são o que aparentam (não entendeu, não é? Tinha certeza de que com essa profundidade de pires de leite não ia entender mesmo). É, como dizia Exíolo, o Matreiro, em sua fundamental obra “Algumas achegas ônticas à condição reflexo-acomoidal do humano ser”: “Toda moeda de ouro, de ouro terá que ser, ou não moeda de ouro será”. Ou, como nas duras palavras do sábio gregoriano Xenoduto de Phenis, o Ereto, “mais vale não parecer que parece que um parecer que perece”, mínima máxima de sua máxima criação: “Quem confere o ferro, conferido será ferrado”. Assim, se o cinema é a “Hollywood de Meca”, Meca é a “Política de Pau Doce”. Ou a política é “Pau Doce de Meca”. Não importa, “a ordem dos cobradores não altera o propinoduto” (esta já é de Malo Pauluf, o Honesto, em sua obra, obra não, em seu canteiro de obras: “De Jersey, Caiman e outras ilhas paradolarisíacas”). Pau Doce é o centro do centro, o centro da esquerda e o centro da direita. Para cá, todos os anos, meses e dias, convergem todos os que divergem: homens públicos e mulheres muito mais públicas ainda. PuLulam candidatos de todas as estirpes: a cargos majoritários e proporcionais, maiores e menores, internos e externos, quentes e frios, inteiros e fracionários, brancos e cotistas, paulocas e cariístas, gregos e troianos, letrados e analfabetos, marchistas e marxistas. Despencam de todos os cantos e recantos do mundo: da Groenlândia Tropical, de Beabalópolis Central, da Macronésia, da República de São Ateu, do Haiti Continental e de tantos outros lugares impossíveis. Os encontros e eventos se sucedem mês a mês, durante todo o ciclo anal, anual, e vão desde encontros primeiro-mundistas, a encontros totalmente desencontrados, passando por todas as formas de reencontros e improváveis pós-encontros, não esquecendo nunca os proto-encontros e, até mesmo, os encontros furtivos, que ninguém é de ferro. Os que metem e os que levam o dito cujo vêm para cá. Os paradigmas da luxúria ideológica, também. E idem os ícones do conservadorismo, irmanados aos próceres da revolução, da rotação e da translação. Claro que toda essa fauna, que por aqui aflora, não se contenta apenas com a modalidade encontrística. Promovem também, simpósios, congressos, fóruns, cursos, teleconferências, jornadas, prosopopéias, mostras, instantâneos, shows, epístolas dramatizadas, apresentações, work-shops, demonstrações, streep-teases morais, procissões, marchas, desfiles, passeios cívicos, caminhadas, enquetes coletivas, buxixos, mesas-redondas, manifestações, abraços simbólicos, minutos de silêncio e, incrível, até comícios. Um dos mais apetitosos vícios determinantes da primazia de Pau Doce sobre outros centros aglutinadores dos construtores da ação política é o mirífico e absurdo poder de juntar o injuntável, de unir o inunível e de amalgamar o inamalgamável. Na última UNIVERsíade Universal de PAU Doce – a UNIVERPAU – (mais conhecida no baixo-mundo ideológico como ONDa Internacional de TEorização Macropolítica de PAU Doce, a famosa e procuradíssima ONDITEMPAU) uma encontroferência única no mundo, reuniram-se (reuniram-se, evidentemente, é uma força de expressão) 30 partidos que, como linha de atuação e razão de ser, apresentavam uma extraordinária coerência lógico-ideológica. Assim, fizeram-se representar, com numerosissímos delegados, os seguintes harmoniosos partidos: POP – Partido Operário Patronal, PCE – Partido Conservador de Esquerda, PES – Partido da Elite Socialista, PCL – Partido Comunista Liberal, PMR – Partido Monarco-Republicano, PPP – Partido Presidencial Parlamentarista, PTD – Partido Totalitário Democrático, PRU – Partido Ruralista Urbano, PCA – Partido Centralizador Autonomista, PEC – Partido do Extremo Centro, PEP – Partido da Extinção Preservacionista, PBQ – Partido da Bola Quadrada, PCI – Partido da Cromacidade Incolor, PA – Partido Apartidarista, PIP – Partido da Irracionalidade Pensante, PMM – Partido da Minoria Majoritária, PCA(II) – Partido dos Crentes Ateus, PMF – Partido dos Meios Finais, PIN – Partido Intransigente Negociador, PRJ – Partido da Provecta Juventude, PEA – Partido dos Escritores Analfabetos, PMC – Partido da Moralidade Corrupta, PIR – Partido da Ida Retornante, PHL – Partido da Heterosexualidade Lésbica, PUP – Partido da Unicidade Pluralista, PCR – Partido da Curva Retilínea, PFI – Partido do Fim Inicial, PMS – Partido da Multidão Solitária, PTA – Partido da Triste Alegria e PCTP – Partido Contra Todos os Partidos. Agremiações sem identidade ideológica, ou com propostas contraditórias, não foram aceitas na Univerpau, como por exemplo, o PT - Partido dos Trabalhadores e o PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira. Se fossem aceitos seria demasiada avacalhação. Sem-vergonhice tem limite. Tenho dito!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

28 Multimacrocambialização

Estamos em plena Bienal do Livro. Incrível, ou inacreditável, o que é uma Bienal do Livro. Claro que o deserto mental do apanacado leitor estará indicando, como sempre, o óbvio: uma bienal do livro, em primeiro lugar, é “bienal”, ou seja, ocorre, invariavelmente, a cada dois anos. E, em segundo, deve ser “do livro”, isto é, o artigo único e fundamental em exposição comercializável é esse conjunto de folhas de papel costuradas, ou coladas, ou costucoladas umas às outras, numeradas, envoltas, ou quase, por uma capa mais dura ou consistente, repletas de textos, eventualmente contendo gravuras, gráficos ou fotos, a que chamamos “livro”. Porém, os letárgicos, adormecidos e rarefeitos neurônios do leitor, uma vez mais o enganaram. Não estamos em São Paulo, Madrid, Nova Iorque, Cidade do México, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Belzebu de Mato Adentro (nada a ver com o demônio, mas com belíssimos zebuínos), ou alhures. Estamos, como o leitor está calvíssimo de saber, em Pau Doce. E, em Pau Doce nada é como pensam que é. Tudo aqui é como se nunca antes houvera sido em qualquer outro lugar. Para começar, bienal não é bienal. É bianal, bianal não, bianual. E por que bienal e não bianual do livro? Só por charme e pra pegar carona na marca. É mole? E “do livro” não é, exatamente, do livro. Quer dizer, é do livro, mas não do livro como se fosse assim, do livro. Na verdade, é como se fosse dessas feiras chamadas de “feira do rolo”, nas quais toneladas de bugigangas são todas, sem exceção, objetos “de rolo”, comercializadas através do enrolado e pouco claro sistema da enrolação. Assim, a Bienal do Livro. É do livro porque todas as operações realizadas têm quer registradas no livro. Registradas no livro? Sim, há um livrão enorme, apropriadamente, chamado de “o livro”, no qual são lançadas todas as transações – transas, para os íntimos – ocorridas durante a feira. Há de tudo na Bienal do Livro de Pau Doce, inclusive alguns livros. Mas, há muito mais. Por exemplo, no quesito “novas tecnologias” – todo um amplo setor da Bienal – há produtos maravilhosos: um telescópio para cegos, programado em braile-soft, que permite aos deficientes visuais, se não enxergar, ao menos ler a descrição do que estariam enxergando se fossem eficientes visuais; um forno de micro-ondas a pilha, utilíssimo para pequenas unidades – uma empadinha, uma maravilha de queijo, um croquete – cuja especialização em miniaturas e bocaditos é motivada pelo enorme volume do compartimento das pilhas, em número de 215, das grandes (é pesadíssimo, para carregar); uma bíblia eletrônica programável, que além de 15 idiomas diferentes, possui 10 versões distintas, aplicáveis aos diversos credos religiosos que divergem quanto ao texto, sendo possível eliminar ou adicionar versículos, parágrafos inteiros, personagens, alterar contextos e afirmações, havendo recursos que pulverizam até Moisés, Salomão e o próprio Cristo se o freguês desejar; um piano com formato de bateria, acoplado a uma bateria adaptada a um teclado de piano; coquetéis saborosíssimos – Alexander, Manhattan Seco, Zarnohoff, Wallick`s, Dedo de Moça (Lady Finger), Dunhill Especial, Retirada de Moscou, Sonho de Viúva, Samba em Berlim... – desenvolvidos por maitres internacionais, que possuem em comum a revolucionária vantagem de serem saboreados (os coquetéis, não os maitres) com total sigilo e discrição, de forma que o protagonista possa “encher a cara” sem que ninguém se dê conta, já que os sofisticados drinques estão acondicionados em interessantes supositórios de glicerina - ao invés de emborcar, é só sentar em cima; avançadíssimos programas de computador, em micro-discos, que transformam os mais modernos PCs em autênticas máquinas de datilografia Remington e Olivetti, ótimas para os saudosistas; fabulosos ternos e smokings, assinados por renomados estilistas europeus, que, quando virados do avesso, transformam-se em elegantíssimos costumes femininos; elegantíssimos costumes femininos, assinados por renomados estilistas europeus, que, quando virados do avesso, transformam-se em fabulosos ternos e smokings; papagaios, pipas, pandorgas para filhos de milionários, com varetas de titânio banhadas em poeira de diamantes, papel de seda chinês da Dinastia Ming, contrabandeado do acervo exclusivo do Museu Imperial de Xangai e rabiola costurada com fios de ouro das minas texanas e da Tansmânia. Além deste setor, a Bienal comporta mais 37 pavilhões: o de antigas tecnologias, o das tecnologias totalmente obsoletas, o de produtos para saúde do corpo, da alma e contra a labirintite, o setor de produtos eróticos-I, o de equipamentos para registro da imagem, o de geringonças patrióticas, o de alimentos naturais até em excesso, o de alimentos muito pouco ou nada naturais, mas gostosos pra caramba, o de material escolar, com destaque para os dicionários especiais para analfabetos, com os verbetes totalmente ilustrados com desenhos e fotos, o setor de produtos eróticos-II, o de produtos descaradamente pornográficos, o de cursos especializados em amamentação de adolescentes e pediatria para adultos, o setor de produtos eróticos-III, o da indústria de calçados, com estandes especializados em sapatos para um só pé (direito ou esquerdo, a escolher), voltados para o consumidor perneta, o de utilidades utilitárias domésticas, como o descascador de camarão 7 barbas, o besuntador de pão automático (atenção: é o pão que deve ser automático, não o besuntador) e o eficientíssimo cortador de grão de gergelim, o setor de produtos eróticos-IV, o de produtos para a fidelidade partidária petista, como a pílula da eterna inocência e a poção do imediato esquecimento, a já famosa Poção do Olvido (não do ouvido, por favor), o dos pet-shops para animais invertebrados, o de técnicas para orientação de criadores de pássaros submarinos e de peixes andarilhos, o de comercialização de lotes celestes, o setor de produtos eróticos-V, o de construção civil e militar, o de produtos religiosos e de combate à acne, o de alimentos instantaneamente perecíveis, o de genuínos equipamentos do Paraguai, o de produtos eróticos-VI, o de bijouterias confeccionadas com metais preciosos, o de tapetes e cheques voadores, o de produtos com a data de validade vencida antes mesmo da fabricação, o de produtos eróticos-VII, o de videokês para desafinados e afônicos, o de equipamentos para esportes radicais, com destaque para canoagem no deserto e alpinismo decorativo, o de material indispensável para uma bela 1ª Comunhão, para uma ótima Circuncisão e para uma segura Viagem à Meca, o de produtos para galinhagem (criação de galinhas) e para viadagem (galinhagem de criados), o de produtos eróticos-VIII e, finalmente, o 37º pavilhão - pa vilão nenhum botar defeito – o de cursos de terrorismo moderno – presenciais ou à distância - como o recentíssimo “10 Maneiras de Explodir Logradouros Públicos, Sem Sair de Casa”. E tudo, tudinho lançado no livro!