terça-feira, 5 de outubro de 2010

28 Multimacrocambialização

Estamos em plena Bienal do Livro. Incrível, ou inacreditável, o que é uma Bienal do Livro. Claro que o deserto mental do apanacado leitor estará indicando, como sempre, o óbvio: uma bienal do livro, em primeiro lugar, é “bienal”, ou seja, ocorre, invariavelmente, a cada dois anos. E, em segundo, deve ser “do livro”, isto é, o artigo único e fundamental em exposição comercializável é esse conjunto de folhas de papel costuradas, ou coladas, ou costucoladas umas às outras, numeradas, envoltas, ou quase, por uma capa mais dura ou consistente, repletas de textos, eventualmente contendo gravuras, gráficos ou fotos, a que chamamos “livro”. Porém, os letárgicos, adormecidos e rarefeitos neurônios do leitor, uma vez mais o enganaram. Não estamos em São Paulo, Madrid, Nova Iorque, Cidade do México, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Belzebu de Mato Adentro (nada a ver com o demônio, mas com belíssimos zebuínos), ou alhures. Estamos, como o leitor está calvíssimo de saber, em Pau Doce. E, em Pau Doce nada é como pensam que é. Tudo aqui é como se nunca antes houvera sido em qualquer outro lugar. Para começar, bienal não é bienal. É bianal, bianal não, bianual. E por que bienal e não bianual do livro? Só por charme e pra pegar carona na marca. É mole? E “do livro” não é, exatamente, do livro. Quer dizer, é do livro, mas não do livro como se fosse assim, do livro. Na verdade, é como se fosse dessas feiras chamadas de “feira do rolo”, nas quais toneladas de bugigangas são todas, sem exceção, objetos “de rolo”, comercializadas através do enrolado e pouco claro sistema da enrolação. Assim, a Bienal do Livro. É do livro porque todas as operações realizadas têm quer registradas no livro. Registradas no livro? Sim, há um livrão enorme, apropriadamente, chamado de “o livro”, no qual são lançadas todas as transações – transas, para os íntimos – ocorridas durante a feira. Há de tudo na Bienal do Livro de Pau Doce, inclusive alguns livros. Mas, há muito mais. Por exemplo, no quesito “novas tecnologias” – todo um amplo setor da Bienal – há produtos maravilhosos: um telescópio para cegos, programado em braile-soft, que permite aos deficientes visuais, se não enxergar, ao menos ler a descrição do que estariam enxergando se fossem eficientes visuais; um forno de micro-ondas a pilha, utilíssimo para pequenas unidades – uma empadinha, uma maravilha de queijo, um croquete – cuja especialização em miniaturas e bocaditos é motivada pelo enorme volume do compartimento das pilhas, em número de 215, das grandes (é pesadíssimo, para carregar); uma bíblia eletrônica programável, que além de 15 idiomas diferentes, possui 10 versões distintas, aplicáveis aos diversos credos religiosos que divergem quanto ao texto, sendo possível eliminar ou adicionar versículos, parágrafos inteiros, personagens, alterar contextos e afirmações, havendo recursos que pulverizam até Moisés, Salomão e o próprio Cristo se o freguês desejar; um piano com formato de bateria, acoplado a uma bateria adaptada a um teclado de piano; coquetéis saborosíssimos – Alexander, Manhattan Seco, Zarnohoff, Wallick`s, Dedo de Moça (Lady Finger), Dunhill Especial, Retirada de Moscou, Sonho de Viúva, Samba em Berlim... – desenvolvidos por maitres internacionais, que possuem em comum a revolucionária vantagem de serem saboreados (os coquetéis, não os maitres) com total sigilo e discrição, de forma que o protagonista possa “encher a cara” sem que ninguém se dê conta, já que os sofisticados drinques estão acondicionados em interessantes supositórios de glicerina - ao invés de emborcar, é só sentar em cima; avançadíssimos programas de computador, em micro-discos, que transformam os mais modernos PCs em autênticas máquinas de datilografia Remington e Olivetti, ótimas para os saudosistas; fabulosos ternos e smokings, assinados por renomados estilistas europeus, que, quando virados do avesso, transformam-se em elegantíssimos costumes femininos; elegantíssimos costumes femininos, assinados por renomados estilistas europeus, que, quando virados do avesso, transformam-se em fabulosos ternos e smokings; papagaios, pipas, pandorgas para filhos de milionários, com varetas de titânio banhadas em poeira de diamantes, papel de seda chinês da Dinastia Ming, contrabandeado do acervo exclusivo do Museu Imperial de Xangai e rabiola costurada com fios de ouro das minas texanas e da Tansmânia. Além deste setor, a Bienal comporta mais 37 pavilhões: o de antigas tecnologias, o das tecnologias totalmente obsoletas, o de produtos para saúde do corpo, da alma e contra a labirintite, o setor de produtos eróticos-I, o de equipamentos para registro da imagem, o de geringonças patrióticas, o de alimentos naturais até em excesso, o de alimentos muito pouco ou nada naturais, mas gostosos pra caramba, o de material escolar, com destaque para os dicionários especiais para analfabetos, com os verbetes totalmente ilustrados com desenhos e fotos, o setor de produtos eróticos-II, o de produtos descaradamente pornográficos, o de cursos especializados em amamentação de adolescentes e pediatria para adultos, o setor de produtos eróticos-III, o da indústria de calçados, com estandes especializados em sapatos para um só pé (direito ou esquerdo, a escolher), voltados para o consumidor perneta, o de utilidades utilitárias domésticas, como o descascador de camarão 7 barbas, o besuntador de pão automático (atenção: é o pão que deve ser automático, não o besuntador) e o eficientíssimo cortador de grão de gergelim, o setor de produtos eróticos-IV, o de produtos para a fidelidade partidária petista, como a pílula da eterna inocência e a poção do imediato esquecimento, a já famosa Poção do Olvido (não do ouvido, por favor), o dos pet-shops para animais invertebrados, o de técnicas para orientação de criadores de pássaros submarinos e de peixes andarilhos, o de comercialização de lotes celestes, o setor de produtos eróticos-V, o de construção civil e militar, o de produtos religiosos e de combate à acne, o de alimentos instantaneamente perecíveis, o de genuínos equipamentos do Paraguai, o de produtos eróticos-VI, o de bijouterias confeccionadas com metais preciosos, o de tapetes e cheques voadores, o de produtos com a data de validade vencida antes mesmo da fabricação, o de produtos eróticos-VII, o de videokês para desafinados e afônicos, o de equipamentos para esportes radicais, com destaque para canoagem no deserto e alpinismo decorativo, o de material indispensável para uma bela 1ª Comunhão, para uma ótima Circuncisão e para uma segura Viagem à Meca, o de produtos para galinhagem (criação de galinhas) e para viadagem (galinhagem de criados), o de produtos eróticos-VIII e, finalmente, o 37º pavilhão - pa vilão nenhum botar defeito – o de cursos de terrorismo moderno – presenciais ou à distância - como o recentíssimo “10 Maneiras de Explodir Logradouros Públicos, Sem Sair de Casa”. E tudo, tudinho lançado no livro!

Nenhum comentário:

Postar um comentário