segunda-feira, 25 de outubro de 2010

32 Um hino é um hino, é um hino, é um hino (um)

Por volta do ano da graça de mil oitocentos e alguma coisa, aportou nesta praia, segundo seguríssimos registros históricos, competentemente preservados no pingódromo do Bar do Zé, vindo lá das Guerras Púnicas (evidentemente, perdeu-se no caminho e vagou pelos oceanos durante fugazes e miseráveis 2200 anos), o ex-combatente, regente de fanfarra e fanfarrão empedernido, Pelágio, o Duradouro. Consta que no ano 300 aC, Dura já era bem rodado, tendo sido maestro de inúmeras e incontáveis bandas, a ponto de ser conhecido em Cartago, como o Rei do Coreto. Em aqui chegando, no citado ano da graça, Douro, depois de um belo e reconfortante banho, de sol, e, após ter se inteirado de como funcionava o galinheiro, candidatou-se ao cargo de Diretor Musical da Banda Marcial de Pau Doce. Diante do inexorável fato da inexistência de tal agrupamento artístico e não havendo, ainda, aqui músicos executantes de instrumentos bandísticos, como clarim, trumpete, trombone, baixo-tuba, gaita a laser e órgão masculino, alguns, à época, sequer ainda inventados, nosso jovem macróbio, resignou-se a receber seu salário marajaístico - que já no século XIX a maracutaia era servida como prato do dia - e curtir a praia e as morenas e as loiras novecentistas. Mas, para não ficar com a vasta batuta abanando e evitar ser motivo da maledicência popular endêmica, resolveu edificar (e até, por vezes, ediir) o Hino de Pau Doce. Como todo bom hinólogo, Estável, Estável não, Duradouro, mais do que um exímio compositor era um excelente copiador. Existe algo mais igual a um hino do que outro hino? Qualquer hino. Se os arqueólogos musicais encontrarem em suas escavações sonoras, dois hinos diferentes, só há duas possibilidades aplicáveis ao caso: 1ª: um dos dois não é hino; será samba, maxixe, rebolado, cantiga de roda, solidó, tango-rock, valsa cearense, ou o que quer que seja, menos hino, ou 2ª: nenhum dos dois é hino. Um hino para ser hino mesmo, não pode ser, digamos, igual, igualzinho aos demais hinos, o que seria um evidente exagero e uma malediscência contra esse gênero pré-musical, quase musical, protomusical, que tanto emociona os conservadores e provoca orgasmos cívicos nas madonas quatrocentistas, ou nas madistas quatrocentonas. Um hino não é, nem pode ser igualzinho aos demais, não, nunca, jamais. Ele deve ser e, sem dúvida, será apenas idêntico. Por exemplo, suas introduções instrumentais devem ser sempre:

Parâm/param/pam-Parâm/param/pam-Parâm/param/pam-Pam

Pam-Parâm-Parâm-Parâm-Parâm-Parâm-Pam

Parâm/Param/Pam-Parâm/Param/Pam-Parâm/Param/Pam-Pam

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Esta é, exatamente, a introdução do Hino de Pau Doce. Criativa, nova, personalíssima, inimitável. Apenas, e com muito orgulho, com um longínquo parentesco com a do Hino Nacional Brasileiro. Mas, nada tendo a ver com este, o que seria um sacrilégio contra os acordes iniciais do divhino paudocense. Para que o desinformado leitor possa ter uma idéia (sei que não é nada fácil) da originalidade absoluta da composição do Mestre Pelaginho (em Pau Doce adoramos um diminutivo) e de sua extraordinária capacidade criativa, não só na melodia, como na letra, transcrevo, a seguir, com vetusto ufanismo, os versos do inimitável Hino de Pau Doce. É preciso avisar ao descerebrado leitor que muitas das estrofes não fazem muito sentido, alguns versos são truncados e, às vezes, não há seqüência lógica entre eles, ou sequer ilógica. Esses acidentes de percurso se devem ao parco domínio que Duradouro tinha do idioma português e, porque, como todo paudocense que se preze, o insigne compositor (que podia não se prezar, mas já era, à época da composição, um nativo de quatro costados) estava de pileque em tempo integral. Mas, deguste a beleza desta poesia:

Os virgos deflorando amantes clássicas
Que o polvo-herói, c’o dardo penetrante
E é só dali, beldade enraba os fúdidos
Trilhou corcel da praia lancinante.
Se o senhor desse à irmandade,
Com seus vinhos emborcar um trago forte
Entre seios, que liberdade!
Deus enfia em nosso peito a água da sorte.

Oh! Praiamada! Ensolarada! Sol e sal vês!

Barril com rum bem denso, honra teu fígado
De amora, a caipirança até enlouquece
Sente o gostoso mel, bisonho e insípido
A alma do cachaceiro desvanece.
Brindando com os prós da natureza
Ex-belto, ex-forte em Pau viu dois colossos,
Sem ter futuro, esperas e com certeza
Terás louraças
E morenas mil
Quem em ti já viu
Tal mulherada
Das filhas, estas,
Só lesmão não viu
Que a passarada
Fugiu.

Deitar, externamente, e ver se entende
O céu, o mar e a luz do sol, pro fumo,
Enxugar o barril, maior da América
O luminar alsou de novo o mundo:
A Dulce, a Vera e a Margarida
São risonhos, lindos anjos, sem mais flores,
Não deboches dessa vida,
Pois nossa vida em Pau Doce é só amores.

Oh! Praiamada! Ensolarada! Sol e sal vês!

Bramiu, fragor externo, eu já sinto
É lá o bar que, oitenta, há destilados
E, diga o negro e o loiro dessa fama:
Ter no futuro a glória do “traçado.”
Mas, se achas que a manguaça estava forte
Verás que um paudocense não labuta
Prefere, ao batente, a própria morte.
Terás louraças
E morenas mil
Quem em ti já viu
Tal mulherada
Das filhas, estas,
Só lesmão não viu
Que a passarada
Fugiu.


Autor: Pelágio, o Duradouro.
Qual será a etimologia da palavra plágio?

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