sábado, 19 de março de 2011

61 A COMIRRABO na DESMONTAOPAU

A vida econômica com suas contradições, choques brutais, jogadas mirabolantes, busca desenfreada do lucro e tantas e tantos tripanossomos alimentados pela avareza e pela cobiça, lançou um dos seus ciclópicos tentáculos em direção a Pau Doce. Foi, recentemente, inaugurado um imenso desmanche de automóveis (na verdade, tanto manche como desmanche; primeiro desmancham e, depois, mancham) multinacional e tecnológico. Atraídos pela fama, merecida, de independência, autonomia, moititude e liberalismo radical de nossa praia, os administradores desse respeitabilíssimo e conceituado empreendimento escolheram-na como ideal para aterrissarem sem perigo. Dado que aqui as construções são modestas, indo de cabanas, taperas, pequenas casas, bangalozinhos, chalés de madeira, muquifos simpáticos, até, no máximo, a algumas mançõezinhas meia-boca, pequeninonas umas, outras grandesinhas e solares razoavelmente espaçosos, mas nada nas dimensões exigidas para abrigar a desmontadora de automóveis, a escolha recaiu, como não poderia deixar de ser, sobre as belas ruínas do Palácio de D. Pedro. Como vimos antes, o puteiro há muito não funciona mais, tendo deixado na mão (literalmente) ministros, cônegos e generais, sendo que as quengas já são, merecidamente, velhas inquilinas do paraíso celeste. O fabuloso capital envolvido no empreendimento, que não poderia ser mais moderno – já que é oriundo de grandes transações internacionais (não de internações transanais) virtuais e virtuosas, produzidas pelos mais importantes e idôneos paraísos fiscais – e, ao mesmo tempo, também não poderia, o dito capital, ser mais limpo e higiênico – pois é fruto das mais eticamente sofisticadas e tecnologicamente perfeitas lavadoras de dinheiro. Os administradores desse capital, com muita dificuldade, subornaram os insubornáveis membros da família real brasileira, em Petrópolis, que nunca tinham feito a mínima idéia da existência dos escombros de Pau Doce, menos ainda, que tinham algo a ver com eles e, meníssimos ainda, que poderiam representar uns santos trocados pingando nos bolsos da falida aristocracia. Ficaram felicíssimos, pois a pobre família vive hoje, somente, de uns desmilingüidos caraminguás advindos de um laudemiozinho sem-vergonha e da exploração, venda e aluguel de uns poucos escravos remanescentes, produzidos em seu criadeiro escondido na serrana cidade fluminense, que os príncipes arrendam (preferem arrendar) para times de futebol, grupos de pagode e música baiana, para desfiles de escolas de samba e para novelas da Globo. As ruínas, recuperadas em tempo recorde, passaram a abrigar a DESMONTAOPAU (DESMONTAdora Oculta de PAU Doce), com a capacidade instalada de 100 veículos/dia desmanchados integralmente. Além da Unidade Geradora de Peças (o desmanche), há, ainda, o Setor de Recuperação dos Componentes, a estratégica Sessão de Alteração de Números de Chassis e a Produtora de Placas Frias e Novos Documentos. Parte da produção deverá ser comercializada como peças de reposição nos mercados nacional e internacional e a outra metade destinada à parte da planta industrial (que tem vida própria e independente) voltada à montagem de novos veículos (o manche), a MONTANOPPAUMONTAdora NOvos Produtos de PAU Doce. Como estratégia globalizante, está sendo estruturada a SEGURAOPAUSEGURAdora Operacional de PAU Doce – e a ENFIOPAUENtidade FInanceira Operacional de PAU Doce. Ou seja, a linha de produção completa da DESMONTAOPAU: MONTANOPPAU, SEGURAOPAU e ENFIOPAU. Tudo com o devido respaldo dos órgãos fiscalizadores como o Instituto Brasileiro de Resseguros e o Banco Central. Uma escola para formação e aperfeiçoamento dos funcionários de captação de veículos alheios também está nos planos da empresa. A cerimônia de inauguração não foi, de fato, uma cerimônia de inauguração. Foi uma Festa de Arromba de uma semana. Festa de Arromba não é uma mera expressão para descrevê-la, mas o nome oficial da dita festa. Festa de Arromba. Tudo a ver, aliás, com a inauguração de um desmanche clandestino de carros. Erasno Carlos foi o artista convidado para o show principal (“Vejam só que festa de arromba (captchura!) em Pau Doce eu fui encontrar (captchura!), presentes no local trombadinha e trombadão, quem não era punguista era político ou ladrão...” bela adaptação do Erasno!). autoridades às pencas, tanto dos 3 níveis, quanto dos 3 poderes. Todas escamoteadas, todas eufóricas, todas se esbaldando. Nomes falsos, e títulos mais falsos ainda, habitavam os enormes crachás multicoloridos e espalhafatosos. Renomadas companhias de acompanhantes femininas (mistas também), incluindo algumas internacionais como a gigante norte-americana “Scort-girls and Peace”, montaram vetustos prostitutodutos ligando diretamente o Rio e São Paulo a Pau Doce. Deputados nordestinos, com seu português ancestral, e o desespero em se apropriarem de tudo, até mesmo dos brindes mais idiotas, contavam-se às centenas. Senadores, edis municipais, deputados estaduais, juizes, advogados, prefeitos, assessores de tudo o que é imaginável, (e vários inimagináveis), ministros, secretários, militares da reserva, primeiras, segundas e terceiras damas, Pau Doce foi tomado de assalto pela mais completa fauna de predadores do país que se tem notícia. Numa decisão inusitada, nunca antes registrada nos anais da crônica política nacional, foi suspensa a sessão do Congresso Nacional, sob a desculpa de dedetização dos imóveis da Câmara e do Senado. Várias das Assembléias Legislativas Estaduais e centenas de Câmaras de Vereadores seguiram o exemplo de Brasília e, também, contrataram empresas para descupinizar suas sedes, não sem antes votarem a liberação de verbas para a viagem a Pau Doce. O Partido dos Trambiqueiros, o Partido dos Solidários com os Devedores Brasileiros, O Partido Tô na Boquinha, o Partido dos Dinossauros Trogloditas, o Partido Sempre Baratinho e Partido da Partilha foram alguns dos que enviaram alcatéias de representantes. Na medida em que as manadas de políticos iam adentrando no Pau, ainda nas proximidades da Rio-Santos, eram recebidas festivamente pela COMIRRABOCOMIssão de Recepção da RApaziada BOazuda – na qual se destacavam centenas de bem fornidas meretutas e prostitrizes, convenientemente, vestidas com um colar havaiano e sandálias de salto 12. A cada convidado era entregue, além do colar de uma das recatadas funcionárias (o que a deixava apenas com os pés cobertos – para azar dos pedólatras), um kit-cidadão com peruca, barba e bigode postiços, óculos escuros, o mega-crachá, tubos de lança-perfume, vaselina em spray e repelente de mosquitos. Durante toda uma semana, Pau Doce viveu uma orgia de discursos improvisados, com incríveis propostas sobre o nada e a coisa-nenhuma, de discussões, de debates, de disputas verbais sobre os mesmíssimos temas dos discursos. Tornou-se, ainda, o maior bordel a céu aberto do planeta e, com tantos políticos reunidos, foi superado o recorde mundial de bateção de carteiras. Foi possível, no entanto, perceber que esse tipo de furto, nunca antes aqui registrado, é muito menos deletério do que se pode imaginar, já que funciona como excelente remédio contra o estresse e não tem efeitos práticos, pois como todos roubam a todos sempre que podem, tudo termina empatado. Finda a semana, com a volta da paz a Pau Doce, era hora da DESMONTAOPAU começar a funcionar. Não funcionou no primeiro dia. Tentaram no segundo. Nada. Nem no terceiro, no quarto, quinto... Após quinze dias, a saída encontrada pelos dirigentes foi fechar o empreendimento e ir embora daqui. A mão-de-obra operária, necessária para mover toda a estrutura, seria recrutada em Pau Doce. Não conseguiram um só que quisesse trabalhar. Viva Pau Doce!.

segunda-feira, 14 de março de 2011

60 Síndrome de Abstinência Alcoólica: o mal supremo

Num gesto de tresloucado desprendimento e de desesperada manifestação de amor ao próximo, o cerne da cidadania de Pau Doce, aquela eterna meia-dúzia de três ou quatro, resolveu juntar os cacarecos culturais, que cada membro (membro no sentido mais desmembrado possível) tem espalhado pela casa e montar um sebo. Não, jumentil leitor, não é montar num pau de sebo (inclusive porque aqui todo pau é doce e não de sebo). É montar um se-bo, uma venda de livros usados. Sebo de livros, mas que aceitará LP, 78 e 33 rotações, CDs e toda e qualquer bugiganga espírito-alimentícia. Acima de tudo, de livros. Não um sebo qualquer, desses que andam por aí, em tudo o que é cidade, mendigando moedas em troca de deploráveis brochuras (na verdade, toda brochura é deplorável). Será um seboneficente, que terá como objetivo levantar fundos para a criação e manutenção da Casa de Apoio ao Abstêmio Inveterado. Essa casa, que ainda não existe, é um projeto tão fabuloso e meritocrático, que o simples lançamento da idéia foi suficiente para suscitar o envio à Academia Sueca de 213 solicitações para que ele (o projeto) concorra ao Prêmio Nobel da Paz do próximo ano. A idéia é dar todo o amparo ao infeliz abstêmio, possibilitando a ele um tratamento que atue, com eficácia, sobre as verdadeiras e terríveis causas de seu doloroso vício, através de equipes de psicólogos e psiquiatras de alto cortuno, com vasta experiência na ação terapêutica contra essa avassaladora e desumana enfermidade. Recentes pesquisas efetuadas pelo Centro Internacional de Investigação da SÍNdrome de ABstinência AlcoÓLICA (SINABÓLICA – CID 1 327 434), financiadas com verbas a fundo perdido doadas por várias, isentíssimas, organizações de produtores de bebidas, todas de ilibado conceito – como a Associação dos Produtores de Whisky da Escócia, Irlanda e Paraguai, a Entidade de Defesa dos Vinicultores da França, de Portugal, da Itália e de São Roque, o Sindicato dos Confeccionadores de Caipirinha e Rabo-de-Galo e a União dos Multiplicadores de Fórmulas Químicas para o Mercado Informal (preconceituosamente chamado de “negro”) conseguiram detectar várias causas geradoras da SINABÓLICA: tara paterna incontrolável, desestruturação do cromossomo “G”, responsável pelo desenvolvimento da vocação etílica, vital para a formação aperfeiçoada do ser humano, problemas de flexibilização na infância, provocados pela convivência com adultos acometidos de hiperconservadorismo e religiosidade mórbida. O fato, que não deixa de ser doloroso, é que somente dentro de alguns anos (10 a 15, quem sabe?) será possível pensar em um tratamento seguro contra o problema da abstinência alcoólica compulsiva, provavelmente. Já há no mercado um produto alopático destinado a reduzir a resistência intelectual ao álcool, porém, (é importante que neste tipo de assunto se use a maior honestidade) ainda não liberado pelo Ministério da Saúde, mas usado em larga escala, que atende pelo nome de TOCOABOCANABIRITEX A4. Esse excelente produto tem contra si, não apenas essa não autorização, mas o alto custo e a complexidade do tratamento: na primeira fase são necessárias 2800 drágeas (enormes) de 230 ml que devem ser ingeridas, de meia em meia hora, 28 vezes seguidas ao dia (por exemplo: das 8 da manhã às 21 hs, sem falhar nenhuma). O TOCOABOCANABIRITEX A4 é um composto formado por 9 destilados e 5 fermentados, com um veículo integrador à base de chuchu africano. A SINABÓLICA é uma dessas desgraças que se abateram sobre o ser humano moderno, não havendo noticias de que os heróis gregos fossem abstêmios, ou os 12 apóstolos, ou os monges medievais, ou os filósofos de qualquer época, sendo certo que antes da era moderna todo mundo enchia a caveira até chamar urubu de meu loro. A CID 1 327 434 é, em tudo, semelhante às doenças degenerativas do cérebro, como os Males inventados pelos Irmãos Alzheimer e Parkinson (a invenção, concomitante, dessas duas doenças é um caso raro na história da medicina. Segundo os registros do Centro de Atendimento a Doentes Candidatos a Óbito do Hospital Regional de Manfredônia Renal (do Rio Reno), os irmãos Alzheimer e Parkinson Schultz eram trambiqueiros do mais alto calibre. Seus golpes eram tantos, suas maracutaias tão absurdas, que a população da pacata cidade adormecida às margens do Rio Reno, antes de sua desembocadura no Sena e logo após receber as barrentas águas (desembocamole) do Danúbio, numa revolta inusitada tentou linchá-los. Socorridos pela meganha local, foram levados à delegacia. Lá, instados pelo delegado a assinar uma confissão de culpa (o que os obrigaria a devolver muitos milhões de marcos e asseguraria uma longa hospedagem no presídio de Auschwitz) a dupla passou a demonstrar comportamentos estranhíssimos: enquanto Alzheimer fingia não entender nada do que se passava, nem quem era ou tinha sido, Parkinson, por sua vez, foi acometido de um fortíssimo tremor em ambas as mãos, que o impedia de assinar o que quer que fosse. Levados às pressas ao hospital, foram internados e seus casos, minuciosamente estudados, possibilitando o registro e a catalogação dessas duas novas enfermidades que, sendo hoje reais, nasceram de um engodo). Denúncias gravíssimas, de casos absolutamente revoltantes, têm chegado até a Comissão Organizadora do Seboneficente: trata-se de pais ou responsáveis por crianças e adolescentes em plena formação de suas personalidades, que, na frente dos menores, sem qualquer pudor ou constrangimento, adotam atitudes contrárias à sadia ingestão de bebidas alcoólicas por adultos. Essas pobres crianças são candidatas, em potencial, a desenvolverem a Síndrome de Abstinência Alcoólica. A COMI-SEBO está tentando, junto às autoridades policiais e judiciárias de São Sebastião, uma drástica apuração das denúncias e, se confirmadas, uma radical solução para o caso. Voltando ao Sebo, nós estamos entusiasmados. De início, achamos que a idéia era como macarronada sem queijo, ou pior, como sanduíche sem pão: fadada a morrer no útero. Não porque não fosse boa. Ao contrário, era boíssima, quase ótima. Mas, por que, se era tão boa, não daria certo? Estará se perguntando o desconectado e cefalovacuóide leitor. O problema não estava na proposta e sim na previsível falta de estoque para ensebar o Sebo. Achávamos que, juntando as mixórdias de cada um, não daria para encher uma mochila de aluno de pré-escola. Ledoenganosidade! Ficamos boquiabertos e manofechados quando vimos ir fluindo, aparecendo, pipocando obras valiosíssimas e inestimáveis, lamentavelmente semideterioradas (a maioria) pelo uso indevido, ou porque haviam servido, por anos, como pé de poltrona, ou porta-copo eventual, ou, ainda, como abanador de carvão ou lenha de fogão. Para que o parvo leitor possa avaliar (já que sonhar não é proibido) o tesouro oferecido ao Sebo, citarei, apenas, uma pequena parte do acervo:
-“A Bíblia Muçulmana ilustrada por Carlos Zéfiro”,
-“A Neves diz que eles manjaram” (estupenda tradução feita por Adilson Maguila do famoso romance “As neves do Kilimandjaro”),
-“Seja um personal-torturer moderno: açoites eletrônicos, pau-de-araras virtuais e telefones telepáticos”,
-“Vida e obra de Joãozinho-mija-pra-traz”,
-“Curso prático, em três aulas, do idioma ciríaco”,
-“Vida, paixão, conversão e martírio de São Fernando Collor de Mello, protetor dos emergentes e novos-ricos”,
-“O resgate dos injustiçados – correção histórica de uma discriminação: o cinema mudo também era surdo”,
-“Dicionário da elite – especializado em termos pedantes, esnobes e inúteis”,
-“Masturbação onírica – técnicas masturbatórias revolucionárias para deficientes manuais”,
-“Antes tarde do que nunca – saída do armário histórico dos quatro grandes gays enrustidos: Cabral, Titadentes, Caxias e Lampião”,
-“Você transaria com a Vovó Donalda? Testes vocacionais e de personalidade”,
-“Como comes? Como como como!”,
-“A estrepitosa vida sexual de São Casto da Virgindade em sua pregressa encarnação como Senador Fudencius Orgíacus Bacanalis”,
-“A nova educação brasileira resgatando a cidadania: o professor analfabeto”,
-“Esqueça, olvide, deslembre – as modernas técnicas de governança”,
-“O pênis inútil – manual de psicologia para o novo homem”,
-“Não dependa dos médicos,: opere-se você mesmo”,
-“Por que o Juiz de Direito é uma animal em extinção?”,
-“A teoria da involução – novas pesquisas antropológicas provam que homem voltará a ser macaco”,
-“A escovação dental aumenta o risco de câncer no pâncreas”,
-“O poder curativo do rabo da lagartixa”,
-“Gestação e amamentação masculina: o futuro chegou”,
-“Jiló e rapadura: 1000 receitas criativas com os dois ingredientes básicos da cozinha nordestina”,
-“A pedagogia dos pequenos furtos: como integrar o adolescente na sociedade moderna”.
Bom, acho que nos próximos anos – não mais do que 8 ou 9 – conseguiremos a disposição necessária para arrumarmos adequadamente os livros e outras doações para iniciarmos o funcionamento do Sebo. O atendimento aos pobres abstêmios estará, então, assegurado e esse terrível vício será tratado como merece. Salute!

quarta-feira, 9 de março de 2011

59 Paudocês na ponta da língua

Muito temos discutido, ultimamente, sobre o Paudocês. Você, ignaro leitor, com a incompetentividade que lhe é peculiar, poderá estar achando que nós não temos nada que nos meter nesse tipo assunto. Axioma totalmente falso, digamos, sofisma primário. Os mais eminentes filólogos do Paudocês (nóis) temos nos perguntado: o que pode ser mais incisivo, ereto e penetrante do que o Paudocês? No início de nossos debates, notamos um certo constrangimento, sobretudo da parte dos participantes mais acaipirados, oriundos dos grotões do atraso, de regiões ignotas e semiperdidas, fins-de-mundo, onde só sobrevivem os insetos mais peçonhentos, os animais mais agrestes e os humanos mais rústicos. Gente boa, mas carente de uma mínima dentição do espírito, os conhecidos “banguelas culturais”. Regiões inóspitas e despovoadas como Campinas, Bauru, Presidente Prudente, Atibaia, São Carlos, Araraquara, Ribeirão Preto, Sorocaba. Demorou para que percebêssemos a razão dos caipirões se mostrarem tão constrangidos. A ficha só caiu, definitivamente, quando um dos sertanejos, no meio de um acalorado debate disse, quase gritando: “Paudocês uma ova, queru vê ocês falarem amodi o Paumeu!” Quando aquela voz roufenha e desarticulada pronunciou a palavra “Paumeu”, com uma entonação de desafio e agressividade, entendemos tudo. Foram necessárias três reuniões, de quatro horas cada uma, para explicar aos matutos que Paudocês não era “Pau d’ocês” (Pênis Vosso ou Pinto Alheio) e sim, o idioma falado em Pau Doce. Que aqui a língua não é, exatamente, o português, mas algo diferente, mais criativa, mais sofisticada, muito mais elaborada. Segundo os Paudoçólogos, o Paudocês é um idioma classificado como o nível 1 pela “Escala de Surdeviski e Mudezts”. Essa escala posiciona as línguas pelos critérios de sofisticação e qualidade, numa variância que vai de 100 – para as mais toscas, primárias e desarticuladas – a 1 – para as mais complexas e aperfeiçoadas. Para que o leitor possa ter uma idéia (o que reconheço ser muito difícil) o inglês tem a classificação 99, só perdendo para a “Língua do Pê”, já que é um idioma bárbaro, primaríssimo, semibalbuciante. Outras classificações de línguas bastante conhecidas: o pushtu tem a posição 91, o tâmil, 83, o ovimbundu, 77, o farsi, 74, o grego moderno, 72, o bariba, 66, o fon, 61, o setswana, 59, o mossi, 54, o swahili, 50, o náuatle, 45, o amárico, 42, o cebuano, 38, o tualog, 34, o iloco, 30, o ifugao, 29, o malinka, 25, o abkhaz, 22, o soussou, 19, o fang, 15, o bubi, 13 e o gujarati, 9. Os cinco primeiro lugares são ocupados pelos mais perfeitos idiomas criados pelo homem: 5º- mandarim, 4°- indu, 3º- grego antigo, 2º- latim e, no primeiríssimo lugar, o Paudocês. A perfeição da língua de Pau Doce é tal que, na maioria das vezes, permite a comunicação (perfeita) apenas por monossílabos (só!, tá, tó, tô, ti...) e, outras tantas (vezes), bastam grunhidos articulados engastados em situações/momentos de inconsciência etílica, funcionando como relação cognitiva telepática (Pruuuuhh... Srruuu... Arghhh... Brruuuss... Miineeemiiii... Pffrruuu... Ssniiiiss...). Os gramáticos do Paudocês, ou seja, os que tiram o Paudocês para fora, do seu nicho interior, colocando, com cuidado e delicadeza, o Paudocês na boca. Colocando o Paudocês na boca? Estará se perguntando, de boca aberta, o parviíssimo leitor (um puta pudico). Na boca, claro. Colocando o Paudocês na boca das mulheres e até na boca dos homens. Ensinando-os a conhecer o Paudocês em seus mais íntimos detalhes, não só na sua aparência externa, mas também em sua estrutura interior. Enquanto outros idiomas (que mais propriamente deveriam ser chamados de idiotomas) primam pela objetividade, a ponto de serem registrados em dicionários – o máximo da objetividade obtusa – o Paudocês é totalmente subjetivo, já que cada indivíduo paudocesófono cria as palavras, com os significados correspondentes, ao seu bel-prazer. Impossível, então, um dicionário de Paudocês. Seriam necessários tantos tipos de dicionários quantos fossem os falantes. Apesar dessa total subjetividade, o Paudocês é belo, é forte, impávido colosso. Seus verbos, ao invés das minguadíssimas e ridículas cinco conjugações do português, tem infinitas possibilidades conjugacionais, que podem ser convertidas em apenas uma e, mais comumente, em nenhuma. Outra interessante idiossincrasia é que os substantivos não têm substância, como, aliás, deveria ocorrer com todos os outros idiomas, ao menos com os que são considerados sérios e respeitados. Nela, os adjetivos funcionam como pronomes, os quais têm a missão de advérbios, que atuam como conjunções, que, por sua vez, substituem as preposições, que, na realidade, são artigos. Mas, talvez, sua marca maior e determinante, seja o fato do Paudocês não possuir voz ativa (em especial no gênero masculino), sendo totalmente, dominado pela voz passiva, como, aliás, ocorre com tudo o que é de Pau Doce. A questão da acentuação também deve ser destacada. Todo acento do Paudocês é tônico e todo tônico, por lei deve ter graduação alcoólica mínima de 18 graus. Já a estrutura da palavra paudocesa é sofisticadíssima, compreendendo, fonema, morfema, estratagema e siriema. As figuras de sintaxe, além das 11 normais (elipse, zeugma, pleonasmo, hipérbato, anástrofe, prolepse, sínquise, assíndeto, polissíndeto, anacoluto e silepse) possui outras 49, das quais a senvergonhetse, a masturbazeugna, a desmunhequieuze, a babacoluta e o filhodapústrofe são as mais utilizadas. Concluindo esta filológica reflexão, constatamos que se o Paudocês é uma língua, e se o lugar da língua é no interior da boca, o ideal é colocar o Paudocês, lá, inteirinho, bonitinho, dentro da boca. Na minha não, violão!

sábado, 5 de março de 2011

58 Venha a nós o vo$$o reino

Pau Doce tem uma nova coqueluche: aterrissou aqui o messias de uma nova religião. Responde pelo pomposo nome de Néstor Alejandro VIcente FIdel Tabaré CHAvez da SILva, ou NAVIFITCHASIL I. Atribui-se a si próprio, poderes infernalmente divinos e afirma ser a encarnação reincarnada, via metempsicose/osmose/osteoporose, dos antidiluvianos faraós egípcios: Nestor Kirshnofis III, Alejandro Toledmés XVII, Vicente Foxaton IX, Fidel Castrusil 0, Tabaré Vascamon V, Hugotsil Chaves XXXII e Lulanotep da Silva VI. Segundo informações atribuídas ao Sindicato do Mercado Negro Internacional de Múmias Autênticas e Seminovas, NAVIFITCHASIL I tem em seu poder os restos mumificados dos seus sete alegados antepassados. São múmias de alto valor comercial pelo excelente estado de conservação (em se tratando de múmias, obviamente) e por serem exemplares do início da Primeira Dinastia (3100 a. C), época em que os mandatários não tinham a mínima idéia do que era governar, tendo passado à História como protótipos da comicidade política, misturando ingenuidade, inexperiência, experimentalismo infantil, improvisação, insegurança escamoteada e, sobretudo, deslumbramento pelo poder. Conta a lenda que Néstor Kirshnofis III governou como se o Egito fosse um império de corruptos, sempre prontos a mamar nas tetas do estado e arruaceiros que, ao invés de trabalhar, passavam a vida fazendo protestos, piquetes e panelaços. Aos impérios vizinhos dedicou desdém e asco. Caloteiro como ele só, nunca pagava as dívidas, as suas e as do seu governo. Os seres de que mais gostava, dizem, eram os pingüins, animais inexistentes no Egito e que eram trazidos do pólo sul para habitar os seus palácios. Afirmam alguns mumiólogos, que estudaram como poderia ter sido sua fisionomia, que essa predileção talvez se devesse à sua extrema semelhança física com essas personalíssimas aves. Alejandro Toledmés XVII, em seu curto reinado, adotou como animal oficial (sempre havia um animal oficial) o peru. Segundo biógrafos conceituados deste faraozinho de baixa estatura, sua adoração peruana chegou ao ponto dele proibir o popularíssimo consumo do emplumado animal nos dias de Natal, (para o bem da verdade, naqueles longínquos dias pré-piramidais, todo dia era dia de Natal. Como hoje, aliás) punindo os infratores com a morte por afogamento (daí a origem da expressão “afogando o peru, que, muito mais tarde, evoluiu para “afogando o ganso”). Vicente Foxaton IX reinou à sombra de um irmão seu, George W Bushonotep II, rei dos Estados Unidos da Amacedônia do Norte, poderoso, inculto e arrogante. O alcoolismo atávico e a religiosidade mórbida de Bushonotep faziam-no delirar diuturnamente e ser acometido de visões apocalípticas, entre as quais, a de que os egícios pobres (conhecidos por cucarachas), aos milhares, invadiam os EUA para tomar os empregos de seus súditos, com a agravante de tentar infiltrar em seu território o facínora petrolífero Osama Bin Lademcamom e seus barbudos asseclas. Pobre Foxotan, sequer podia respirar livremente sem a apurrinhação do seu irmão do norte. Fidel Castrusil 0 foi um faraó em tudo faraônico. A começar pela dupla duração de seu reinado: foi o mais duro e o que mais durou. Autênticos papiros paraguaios do Antigo Egito calculam a longevidade do faraonato de Catrusil 0 em 1213 anos (mais de mil anos sem sair de cima). Mumificado em vida, governou por séculos de dentro de seu sarcófago-leito do qual só saia para inaugurações oficiais, viagens internacionais e execuções paredonais. Diferentemente de seus antecessores e sucessores, que usavam as roupas egípcias comuns aos incomuns (elite), Castrusil vestia-se, sempre, com fardamento militar, numa antecipação milagrosa de uma moda que só viria a acontecer quase cinco mil anos mais tarde, tendo sido antiquado e cafona por antecipação. Segundo alguns estudiosos, o provecto faraó recusou-se, terminantemente, a morrer, sendo a única das múmias de NAVIFITCHASIL I, a continuar viva, e a quem são servidos, todos os dias, vigorosas doses de rum e enormes charutos, importantes agentes ativos de remumificação. Tabaré Vascamon V reinou num momento em que o Egito viera de uma longa seqüência de faraós de direita, de semi-extrema direita e de extrema-direita tresloucada. Quando muito jovem, pegara em armas contra alguns desses governantes que costumavam agir com mãos-de-ferro e pés-de-barro. Tendo adormecido por algumas décadas, acordou achando que tanto o seu reino, como o mundo todo, ainda eram os mesmos do que quando pegara no sono. Para seu azar, não eram! Hugotsil Chaves XXXII foi um faraó fanfarrão e macarroneador (seja lá o que macarroneador queira dizer). Tentou dar um golpe na velha e boa oligarquia sumo-sacerdotal e esta, unindo-se à dos meios de comunicação verbal e aos militares tribais, retribuiu com um contra-golpe. Hugotsil conseguiu reequilibrar-se, mas por pouco, muito pouco, pouco mesmo não foi tragado pelo Nilo, indo servir de alimento às famosas piranhas do Egito (que não são meretrizes egípcias como muita gente pensa). Lulanotep, dinossáurico líder sindical, organizou os operários que trabalhavam na construção das pirâmides do ABC (região operária do Antigo Egito) e fundou o PT (Partido Tamarista) que uniu os coletores de tâmaras em torno de sua luta por melhores condições de trabalho (“mais cama e menos tâmara ou mais câmara e menos tama”). Com muita determinação - apesar de ter perdido parte de um dedo em sua labuta meta-lúdica (colher tâmaras para ele era brinquedo) e ser chamado por concorrentes e pela nobreza de “sapo barbudo” (o sapo era sabidamente um animal amaldiçoado no Antigo Egito e usar barba era próprio dos salteadores, sicários e portadores de HIV) - de tanto tentar, da Silva tornou-se Lulanotep VI. Reinou ao lado da Rainha Marisis, a Deslumbrada, tendo predileção especial por peladas, churrascões (camelo assado na brasa) e por pronunciamentos improvisados, ocasiões (freqüentíssimas) em que, tomado por espíritos profundos, proferia lições de vida e dava aulas de administração pública, prenhes de metáforas cuja chulice e primariedade jamais foram encontradas iguais, até mesmo nos textos sagrados ou nos escritos dos sábios metafóricos. NAVIFITCHASIL I, protegido por tal plêiade de semi-divindades, escudado em seus ensinamentos e inspirado em suas biografias, fundou sua definitiva seita: a seita “Aceita-se Tudo”, também conhecida como a religião “Arre, Ligião!” (Ligião é a amante oficial do supra-sumo-sacerdote). Seus principais dogmas são: Deus não existe, sequer o bem existe. Não existindo o bem, não existem, também, o mal e o demônio. O ser supremo, a ser cultuado e adorado é o Dinheiro. Por essa razão, ele é tão misterioso, tantos tentam entendê-lo, definí-lo e explicá-lo, sem sucesso. Quem cria os automóveis, os aviões e os computadores? Ele. E as cidades, as rodovias e as fazendas? Também Ele. Do mesmo modo, de forma que ainda não alcançamos entender, Ele criou a vida, o homem, o universo e tudo o que nele existe. É considerado sagrado, na “Arre, Ligião!”, todo aquele esforço que vise produzir e reproduzir a divindade. Assim, toda ação objetivadora de aquisição e multiplicação do dinheiro é santa: um assassinato, um roubo, uma doação, um sacrifício, a prática sexual, sempre e quando tenham por finalidade o lucro. O sexo não pecuniário é totalmente neutro. Outros dogmas: whisky, só escocês; charuto, só cubano. Acho que NAVIFITCHAVIL I acertou em cheio vindo pra cá: Pau Doce vai ser a Roma e a Meca da “Arre, Ligião!”. Tô nessa, Navi!