domingo, 27 de fevereiro de 2011

57 Queridos hermanos de Tiento Dulce

Esta semana foi aberta mais uma casa noturna aqui em Pau Doce (casa noturna, evidentemente, é um pleonasmo, já que aqui todas as casas são noturnas). O maior estardalhaço, o maior buchicho, o maior perepepê. Situada num centro de excelência do prazer (outro pleonasmo paudocense) no famoso beco que leva o nome do grande navegador espanhol – que ficou muito mais famoso por suas estratégicas, constantes e desesperadas retiradas (fugas, na verdade) do que por suas incursões, empreendimentos ou ataques – Juan Albendía Réia, el Cagon. O novo local define-se pelo próprio nome “Tango no Réia”. Uma casa para cultuar-se a eterna música portenha. O tango imortal. O tango, que segundo Leopoldo Lugones é um “réptil de lupanar” e que para Enrique Santos Discépolo é “um sentimento triste que se dança”. Agora, em Pau Doce, neste calor que, às vezes, derrete até os postes, poderemos, todas as noites, dançar um triste sentimento e, ao mesmo tempo, saudar cavalheirescamente: “Olá Réptil de Lupanar!” O Tango no Réia é uma casa especial! Verdadeira: com suas dezenas de falsas prostitutas (umas verdadeiras putas), que cobram, pela tabela, 2 reais por programa, já incluído nele 10 tangos bailados. Há falsos “compadritos” com suas absurdas costeletas, seus terninhos justos e chapéu milongueiro. Ah! Não esquecer as navalhas. Todos portam sevilhanas ostensivas (falsas, naturalmente). Há uma maravilhosa orquestra falsa, com 21 excelentes falsos músicos. Sem falar no sexteto de cantores (3 homens e 3 mulheres, todos falsíssimos). Enfim, uma verdadeira casa de tangos, onde tudo deve ser falso. A decoração, extraordinária, tem seu principal destaque nos belos quadros a óleo, retratando o universo tangueiro. Uma certa atemporalidade presidiu a escolha dos retratados: ícones do inicio do tango, como Gardel e Le Pera convivem com nomes um pouco mais novos como Julio Sosa e Piazzolla, havendo espaço para ídolos externos à rubrica musical como é o caso do enorme quadro que tenta reproduzir parte da antiga obesidade maradonística. A noite de inauguração foi apoteótica (ainda que, ao amanhecer do dia seguinte, uns afirmassem que fora apetoética, outros discordavam definindo-a como apateótica e, outros ainda, ipotaítica e opeotática. Foi apoteose para todos os fogos). Pau Doce inteiro foi vestido a caráter: toda mulher era uma autêntica prostituta e toda prostituta uma autêntica mulher. Os homens, sem exceção, eram cafajestes despudorados. Ou seja, Pau Doce continuou como sempre foi e, se Deus quiser, como sempre será. A música oficial, claro, era o tango, só o tango e apenas o tango. Espanhol, o idioma. Faixas com frases de confraternização e amizade, todas em espanhol, foram estendidas e amarradas por todo lado. Algumas diziam: “Todo brasileño es puto y maricón”; “Um batido de dos brasileños en una licuadora resulta en un lindo jugo de mierda", "Los próceres de Brasil son gorilas anencefalicos”; “Lula es trolo”; La mas cara mujer de Brasil la pagamos con veinte pesos”; “El mejor producto brasileño es el analfabeto”; “Pelé es monaguillo, Maradona Diós”. Lindas, enormes, coloridas. Todos acharam as faixas maravilhosas apesar da maioria não entender as mensagens de amor e congraçamento nelas escritas por não conhecer o idioma de nossos queridos irmãos. Por causa dessa solidariedade toda, muitos resolveram fantasiar-se para retribuir ao carinho dos visitantes: Piroco, o Vesguinho, vestiu-se de Kirshiner. Bacuri, the stupid, criou um Perón perfeito. Secundão, o Beso (não confundir com El Beso), 210 quilos, Rei Momo vitalício, não podia ser outro que não Maradona. Sandro, o Gilete, foi de Gardel. E tivemos ainda Evita, Lopes Rega, Duhalde, Isabelita, Menen, Fangio, Mario Kemps, Mercedes Sosa e mais, aproximadamente, 73 personagens platinos fidedignamente reproduzidos. O maior problema da noite, totalmente inesperado, foi causado pela vinda, ao Tango no Réia, de muitos desses personagens, os autênticos. Foi uma total confusão. Com exceção dos já falecidos e dos ausentes, não havia como distinguir, nas duplas presentes, quem era o verdadeiro e quem era a imitação. A comitiva do presidente argentino, depois de meia-hora de festa, já não sabia mais a quem custodiar. Os acessores e seguranças, para evitar com segurança os acessores assediadores, decidiram dividir-se, por via das dúvidas, em duas sub-comitivas. Uma ficava de olho no gato e a outra na sardinha. Exatamente como Kirshiner. (Crestina ainda nãoi havia assumido). Com Maradona ocorreu o seguinte: quando Diego deu de cara com o Segundão, ficou possesso. Era como se estivesse olhando para um espelho, sem espelho. Tudo igual. Os mesmos 210 quilos, a mesma camisa 10, o mesmo boné para trás, a mesma expressão arrogante, a mesma barriga panorâmica. Resolveu partir pra briga. Ao agarrar o clone, deu-se conta da burrice que havia cometido. Não havia mais como saber quem era ele e quem era o falso. Um gritava que ele era ele e o outro dizia que não, que quem era ele era ele. Falava, um, dos times nos quais jogou, dos gols que fez, dos campeonatos que ganhou, dos amigos que comeu, das mulheres que conquistou. Tudo em vão, já que o outro repetia o mesmo currículo e com mais detalhes. Já estavam, os 420 quilos, completamente exauridos, quando um dos amigos do verdadeiro, propôs uma prova irrefutável, uma façanha que só o autêntico Maradona poderia realizar. Colocariam 2 carreiras de pó, paralelas, de uns 200 metros cada uma, perfazendo todo o percurso, do início do Beco J. A. Réia terminando dentro da casa de tangos. A um sinal, os dois começariam a cheirar. No mundo, só Maradona conseguiria detonar essa quantidade. Aquele que conseguisse chegar ao fim provaria ser o verdadeiro e o que caísse desmaiado, em coma ou morto seria o impostor. Aprovada a proposta, estocada a maldita (levou quase 15 minutos para se conseguir juntar tantos e tantos quilos), esticadas as carreiras, foi preciso postergar o início da disputa por duas horas, dada a quantidade de apostadores que começou a surgir de todos os lados, assim que a notícia se espalhou. Os dois tiveram que ser identificados com os números 1 e 2 para viabilizar as apostas. Foi quase impossível contê-los, tão desesperados ficaram quando viram todo aquele pó à disposição. Dado o sinal de largada, os dois passaram a aspirar e fungar furiosamente. O público delirava só com as emanações. Mais de mil espectadores gritavam incentivando o seu preferido. Vinte minutos depois, surpresa total: os dois chegaram empatados. Haviam consumido, cada um, 10 quilos da pura e ainda queriam mais. Os amigos e organizadores se deram por vencidos. No dia seguinte, a saída foi tirar a sorte. O vencedor voltou para Buenos Aires. Nós estamos desconfiados que o Segundão foi embora e vamos ter que aguentar um Rei Momo que só fala espanhol. Carajo!

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