quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

52 A performance do Pantero Cor-de-Rosa

“Reflexões sobre a irreflexão”, este foi o tema central do ENFIOPAUENcontro FIlosófico Onanístico de PAU Doce. A importância do evento, no popularíssimo mundo da filosofia, foi tal que chegou a circular, em regiões e cidades nossas concorrentes (movidas, certamente, por despeito de nosso desbunde), um folder apócrifo, em tudo semelhante ao original, com apenas uma singela e criminosa adulteração no título da conferência-mor: “Irreflexões sobre a reflexão”. O orador convidado, Dr. Heitor Romeu Pinto, professor titular da cadeira de Filosofia Aeróbica na Universidade Paris-27 e autor do seller best-célebre “O mundo sem Filosofia? Um horror!!! (com as 3 exclamações, sim senhor) Guia Prático de Filosofia Fashion”, informado do abominável ato terrorista, riu às bandeiras despregadas (?) e vaticinou, com um tom um tanto machista: “Esses tolinhos não sabem que dá tudo na mesma, na mesma tudo dá! Bofes!” Pau Doce engalanou-se para a efeméride (como sempre se engalana) com muito bom gosto. Dentro do espírito do ENFIOPAU, enfeitamos todas as ruas com enormes laços de seda, cheios de missangas e debruns, nos mais variados tons de rosa. Um luxo! Mas, apesar do aspecto alegre e festivo da decoração, o encontro foi de trabalho duro, muito duro. Dr. Heitor, numa voz abaritonada e falso sotaque, levemente francês (um charme), começou por introduzir, muito suavemente (introdução perfeita), o seu escopo (objetivo, por favor) na conferência: faria 53 reflexões distintas sobre a irreflexão. (Nesse momento, nós da Comissão fizemos um rápido cálculo de cabeça: 53 por 15 minutos cada uma = 11 horas e caracacá, mais introdução, conclusão e algumas frescuras das quais ele, certamente, não abriria mão, e teríamos 12 horas de conferência. Olhamo-nos de soslaio, apavorados). Somente depois do cofee-break, segundo disse, aceitaria perguntas. Vou tentar relatar apenas as poucas reflexões que pude ouvir antes de pegar no sono. Infelizmente, não pude dormir como merecia, pois, de quando em quando, um grito de “Lindo!”, dirigido ao Dr. Heitor R. Pinto, me fazia despertar sobressaltado. Não falarei, é claro, da manifestação do público nos primeiros minutos da apresentação, que para o delírio do conferencista gritava: “Introduz Heitor, introduz!”. Contida a ânsia libidinosa da platéia, ele continuou. Sua primeira reflexão foi que reflexões não existem. Disse ele: “Essa pseudoprofundidade de pensar a que todos se referem como refletir, em verdade, é um ato tão natural, automático e involuntário como espirrar, dormir (eu ainda estava acordado) ou depilar o peito. A diferença do simples pensar e do refletir não está, nem na profundidade, nem na complexidade, está na comunicação. Quando fazemos uma rápida introspecção, o que estamos, de fato, produzindo é um complexo movimento de comunicação, do eu para o eu-mesmo, ou do eu-mesmo para o eu. Todos, absolutamente todos, ao pensarmos produzimos reflexões, profundas e complexas, mas, infelizmente (ou felizmente, quem sabe?) não nos damos conta disso. Não alertamos a nós mesmos que estamos refletindo tão refletidamente quanto um dia refletiram Sócrates, Avicena, Kant e a Dona Zica da Mangueira. Ligamos nosso reflexor automático e seguimos em frente, comandados por nossa incomensurável tendência à insignificância. Não confiamos em nós mesmos. Sócrates, por exemplo, que diferença significativa teve sua reflexão comparada com as nossas, comuns mortais? Nenhuma. Ele gostava de pensar. Como nós. Gostava de conversar. Como nós. Gostava de fazer perguntas. Como nós. Gostava de terçar argumentos. Como nós. Gostava da procura da verdade. Como nós. Gostava dos jovens efebos. Como nós podemos ver, não há nenhuma importante diferença entre o seu saber e o nosso. A única diferença é que entre seus preferidos, escolheu um de ombros largos (saradão, como diríamos hoje) que pegou no pensamento de Sócrates, com muito carinho, afagou-o, fez com que ficasse enorme e guardou-o dentro de si. Nos seus livros. Tanto que, até hoje, por mais que se tenha pesquisado, ainda não se sabe onde começa Platão e onde Sócrates acaba. Os efebos da platéia deliravam com a intumescida eleqüência do Dr. Heitor Romeu P.. A seguir, seguiu seguindo a seqüência do seu pensamento. “Refletir não é mais do que projetar em si a imagem que o mundo oferece. É exatamente o papel do espelho. Refletir é sinônimo de especular, palavra que vem do latim “especulum” cuja tradução literal é espelho. O que faz o espelho? Ele nada faz, apenas reflete. Deixa reproduzir em si mesmo, de maneira fidelíssima, o que está à sua frente. Não cabe ao espelho não querer, negar-se a refletir. É da sua essência mesma, ou espelhicidade, a reflexão acrítica e compulsória. Não podemos imaginar um espelho (se a ele déssemos a habilidade do falar) dizendo: “Saia de mim! Não vou refletir você nem que me estilhassem em mil pedacinhos. Horroroso!”Jamais! O espelho reflete e apenas isso, reflete, produz reflexão. O nosso refletir (daí se origina a palavra) é idêntico ao do espelho: reproduzimos as imagens que nosso cérebro capta à sua frente. A única diferença está (de fato, nem diferença é) no conceito de “à frente”. A nossa (frente) não é espacial, como a do espelho. Pode estar à frente do nosso cérebro uma curva do Rio Ganges, ou uma equação do segundo grau, ou uma seqüência melódica atonal, ou o processo de transgenia, ou a Lei de Talião, ou uma sapatilha de ballet maravilhosa! Tudo está à nossa frente, ainda que nada esteja à nossa frente”. Na fileira de traz, um cavalheiro de uns 30 anos, vestindo um Summer branco, bigodes indomáveis, bíceps invulgarmente desenvolvidos, sem conseguir conter-se, exclamava, excitado: “Que homem! Isso é que é homem e não aquele babaca que eu tenho lá em casa!” A esta altura do espetáculo, as poucas mulheres presentes já haviam se retirado. Os rapazes, em número cada vez maior, ululavam em transe. Iniciada a terceira reflexão (depois desta, ainda faltariam 50) eu adormeci, sob o acalanto da voz do Dr. Heitor Romeu Pinto. Depois de 30 ou 40 acordadelas, saltei, na poltrona, assustado e pronto para sair correndo. Então, percebi que a ovação final me despertara. A platéia, em pé, delirante e apoplética, gritava em coro o nome do grande artista:
- “H. Romeu Pinto!”
-“H. Romeu Pinto!”
-“H. Romeu Pinto!”
Saí correndo. Tô fora!

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