quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

55 “Mater tua mala burra est” (Tua mãe come maçãs maduras)

Finalmente, mamãe escreveu. Não tinha notícias dela há mais de dois anos. Sabia que nada de mal havia ocorrido, primeiro porque é próprio dela passar longas temporadas sem dar sinal de vida, depois, e mais importante, porque os depósitos em minha conta bancária continuaram a ser feitos, mês a mês, religiosamente, com a pontualidade de sempre. Por mais que eu saiba que a grana é remetida pela graça de Teus, se algo de anormal tivesse acontecido, ele teria enviado seus mensageiros para me informar e levar-me à sua divina presença. As novidades de mamãe chegaram por via postal. Uma longa carta, escrita com sua letra firme e arredondada. Contou-me, em linhas gerais, tudo o que ocorreu desde o fim de sua relação com o time do Jardim Ângela Futebol Clube. Chegou, ainda a relembrar alguns lances desse relacionamento tão ímpar, quanto complicado. Também, não era para menos. Não é todo dia que uma mulher se casa com 17 homens ao mesmo tempo. Biandria, triandria, até o limite da pentoandria são, digamos, quase normais nos dias de hoje. Mas, uma poliandria de quase duas dezenas é inusitabilidade pra ninguém botar defeito. Mamãe disse que os últimos dias da relação foram muito conturbados, que o Jardim Ângela (todos os 17) parecia desinteressado, só preocupado consigo mesmo, alegando os incômodos comuns a uma fase de desencanto – dor de cabeça, cansaço, sono constante – já não faziam sexo há vários dias e quando pintava um conluio carnal notava-o distante e automático. Mamãe estava começando a desconfiar daquilo que eu lhe havia alertado: o Jardim Ângela só estava interessado em seu dinheiro. Claro, para um time de futebol do bairro mais miserável de São Paulo, louco pra crescer, ascender, ganhar visibilidade e, como conseqüência, muito dinheiro, mamãe era o ideal. Mulher de meia-idade, muito rica, de uma fogosidade incontrolável, apaixonada e cega, como todas as apaixonadas. Era a escada certa para o sucesso. Escada não, elevador. Só que a equipe – formada por jogadores muito jovens e inexperientes, que se consideravam tão atletas sexuais quanto futebolísticos – não contava com o furor ovariano, com a insaciabilidade de uma mulher que, a primeira vista, parecia sexualmente normal. Parecia, mas não era! Findo o relacionamento, ela, como sempre, como que por imposição de uma lei inexorável, voltou para Teus. Repetiu-se o movimento de sempre. Acabado um interlúdio amoroso, como esposa-pródiga, ela se volta para Teus. Ele, na sua infinita sabedoria, a aceita sempre, como se ela não o tivesse deixado nunca. De volta a São Paulo, para não ficar sem fazer nada, ela resolveu montar uma loja de alto luxo (deve ser a décima nos últimos cinco anos). Da mesma maneira como procede com seus homens, com as lojas ela também tem uma relação inicial de dedicação quase fanática, passa depois para uma de normalidade, para desembocar numa verdadeira aversão. Aí, livra-se dela (ou deles) e parte para outra. Desta vez, com um investimento de 10 milhões de dólares (financiados por Teus) ela abriu uma sofisticada butique especializada em cílios postiços. Só cílios e nada mais do que cílios. Seu interesse pela pilagem ocular logo se desvaneceu, e ela fechou a loja. Nem se deu ao trabalho de vendê-la ou de proceder seu encerramento legal. Fechou as portas com tudo dentro e se mandou. Na seqüência, deixou, novamente, o Brasil e foi para Zurique fazer um curso de árbitra em luta greco-romana (sempre foi fissurada em lutadores dessa modalidade). Fez sucesso entre os descomunais atletas. Morou um tempo com o campeão búlgaro. Alguns meses depois, estava com o do Azerbaidjão. Trocou, de novo, então pelo da Irlanda do Norte. Passou a limpo, ainda, o russo, o do Curdistão e o espanhol. Açambarcou, também, campeões de outros continentes: de Uganda, da Malásia, do Afeganistão, do Burundi, da Austrália, da Bolívia, da Nicarágua e, por fim, o do Canadá. Desiludiu-se, definitivamente, dos lutadores greco-romanos, quando constatou que eles tinham, todos, músculos no lugar de cérebro. Aproveitando o fato de já estar na Europa, acabou aceitando um antigo e insistente convite da Rainha Elisabeth 2ª, que sempre rejeitara, (o convite, não a Rainha) e ficou morando no Palácio de Buckinhan. Temporada difícil e constrangedora, já que a Família Real passava os dias – todos – na total inércia contemplativa. Um absoluto não-fazer. Nem um joguinho de dominó, nem um carteadozinho, nem sequer uma tevezinha. Era só tomar chá e folhear álbuns de fotos da própria família. Marasmo total e absoluto. A Rainha-Mãe, com essa agitação toda, morreu com mais de 100 anos. A Elisabeth já está no trono há mais de 50. Provavelmente, viverá até os 200. Não fosse por alguns serviçais e camareiros jovens e vigorosos, ela teria ficado lá não mais do que um mês. Com essa compensação, ficou quatro. O único problema era ter que dividir os valetes com os homens da familiaridade real. No ano passado, mamãe voltou ao Brasil. Refugiou-se, outra vez, na onipotência de Teus. Como Teus tem o mundo inteiro para cuidar, tendo negócios nos 5 continentes, ela sempre demora um pouco para ficar de saco cheio dele. Outra vez em Sampa, passou a dedicar-se à política. Não à política propriamente dita, mas à política de aproximação com os políticos. Começou por dar umas saidinhas com a Morta Suplicynha – chás, vernissages, badalações – com direito a algumas trepadinhas com o guarda-costas franco-argentino (nas costas da Morta, claro). Freqüentou o sítio e o apartamento de NHC, dando um trabalho danado para as noras de Nanando. Terminado esse surto pluripartidário, ela resolveu que estava mais do que na hora de viver uma paixão arrebatadora. Queria, porém, algo diferente, novo, inusitado, que mexesse com sua estrutura e que a arrancasse daquele marasmo existencial. Assim, sua meticulosa escolha, dirigida por seu imbatível faro para tudo o que a fizesse viver perigosamente, recaiu na pessoa do renomado cirurgião plástico Dr. Ivo Pitanguinha. Pitanguinha é caso ímpar na sua especialidade, não exatamente por sua habilidade técnica, mas por ser o único, no mundo, a exercer reformas delicadíssimas na epiderme e na estrutura das pessoas, máxime nas mulheres, sendo totalmente cego. Mamãe acompanhou-o em suas grandes cirurgias (fez, rapidinho, um curso de férias de instrumentação cirúrgica) como sua instrumentadora. Hábil como ela é, conseguiu evitar alguns desastres estéticos como trocar os dois olhos de lugar (o direito no lugar do esquerdo e o esquerdo no do direito), a substituição de um mamilo, demasiadamente pequeno, por um clitóris, a ausência das narinas num nariz novinho em folha, o desbalanceamento de silicone nos dois seios de uma paciente (5 quilos em um e 1 e meio no outro), a circuncisão no pênis de um xeique árabe, uma lipoaspiração numa panturrilha direita. Acabou voltando para Teus quando, numa noite de amor desvairado, Pitanguinho, excitadíssimo, cego de tesão, por pouco não a submeteu (na verdade, supermeteu) a uma extirpação de mama bucal, conhecida no jargão técnico como uma “buco-mastectomia-carnal”. Salvou-a um brusco contra-ataque conhecido como “genu-aniquilo-escrotal”. Neste momento (momento em que ela postou a carta) ela continuava no regaço de Teus. Por quanto tempo? Isso nem Teus sabe!

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