terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

56 Com plexo de Édipo

Querida mamãe, estou escrevendo pra você porque estou muito carente. Você sabe que esse meu sentimento não é nenhuma novidade. Nem nunca foi. Você me dizia que desde que engravidou, passou a sentir que uma força interna a sugava avassaladora e completamente. Essa sucção constante durou os nove meses. Depois do parto, muito aliviada, você percebeu que o sugador era aquela coisinha pequena, quase só uma enorme boca chorante. Quanto mais eu chorava, mais você sumia. Contratou babá, aia, mucama, enfermeira e mais uma trempa de auxiliares e substitutas. Contaram-me que você nunca me pegou no colo, o que você sempre negou, já que uma vez por ano, no dia do meu aniversário, você me segurava para tirar a foto oficial. Você sempre me disse que não me pegava no colo, no dia a dia, porque seu bruxo particular dizia que essa proximidade excessiva iria me dar azar. Isso se repetiu até que eu fizesse quatro anos. Foi uma época maravilhosa, pois, de vez em quando, eu podia ver você. Depois do meu quarto aniversário, você sumiu por completo. (Assim uma das mucamas-de-leite me contou mais tarde, 12 anos depois, quando você a demitiu por justa causa alegando que eu ainda necessitava de leite do peito e que o dela já secara (apesar de eu ainda continuar mamando nela). Estava muito despeitada (não é trocadilho, mamãe) e passou a falar mal de você pra mim. Claro que eu não acreditei em nada do que ela me falou). Bom, você sumiu, mas não sumiu, claro. Mantinha-se sempre em contato, pagando as despesas através da babá-presidente e provia tudo o que eu necessitava. Não sei porque eu, ainda, continuava carente. Mas, o fato é que eu continuava. E como! Os seus presentes foram sempre maravilhosos, caros, exclusivos e eu ficava imaginando você os escolhendo e comprando-os para mim em Paris, em Roma, em Nova York. A mucama me disse, durante o processo, que não era você que os comprava. Que você havia contratado uma empresa especializada em comprar presentes para filhos carentes de mães ausentes. É claro que não acreditei nela de novo. Uma linguaruda e mentirosa! Ela, para tentar me convencer e me envenenar contra você, me disse: “Você não lembra que quando fez cinco anos ela mandou um computadorzinho de bolso, aos sete anos, uma bola quadrada para bebê, que aos dez anos ela enviou uma enorme e rica coleção de livros só com desenhos e gravuras, sem nenhuma legenda e aos catorze, um guarda-roupa completo, (incluindo sapatos de salto e bujuterias) para você usar em seu baile de debutante, no ano seguinte; o vestido da noite principal era um luxo! Depois, alguém deve ter percebido o fora e, aí trocaram tudo isso por uma pistola automática calibre 12, uma moto tipo Vespa e uma passagem para a Disney. Lembra ou não lembra? Você tem todas as fotos”. Mamãe, tenho absoluta certeza de que você tem uma explicação para todos esses presentes, só não teve tempo de me contar. Quando fiz dezesseis anos, você reapareceu. Linda e deslumbrante. Já havia se casado 23 vezes e estava, momentaneamente, desocupada. Foi aí que você conheceu a Teus. E converteu-se a ele. Lembro-me, como se fosse hoje, que você me dizia, extasiada: “Teus é soberano! Teus é justo! Teus é verdadeiro! Teus é todo poderoso! Teus é fiel.” Que beleza! Eu ficava maravilhado vendo até onde chegava sua adoração por ele. Claro que eu ficava feliz, mas, no fundo, no fundo, minha carência aumentava e aumentava e aumentava. Sua primeira relação com Teus durou pouco, coisa de duas semanas. Aí você desapareceu outra vez, apaixonada, agora, por um palhaço de circo. Excursionou com o circo por um ano e meio, mundo afora. Quando fiz dezoito, a meu pedido (não foi fácil localizar o circo, que, àquela altura, estava em Pequim) você mandou um telegrama a Teus e graças a ele me livrei do Exército; apesar do seu rompimento, ele nunca virou as costas para você. Teus nunca vira as costas pra ninguém. A cada dia que passava, eu sentia mais a sua falta. Depois de se cansar das viagens e das palhaçadas, você voltou e Teus convenceu-a a ficar em São Paulo, por um tempo. Durante os três anos seguintes, foi ótimo, pois nós almoçamos juntos quatro vezes. Pena que sempre com tanta gente junto e com a maioria disputando sua atenção. Quando completei vinte um anos, você me deu dois carros de uma vez. Lindos! Chiquérrimos! Mas, eu já possuía a Mercedinha dos dezoito anos e a Masseratti dos dezenove. Sinceramente, mamãe? Eu nunca usava nenhum dos quatro. O que eu mais gostava era sair de bicicleta. Aquele vento no rosto, quando eu descia a Ladeira Porto Geral sem breque, dava-me uma sensação de aconchego e segurança enormes. Passava, depois, dois ou três dias (ou meses) internado e comprava uma bicicleta nova. Foi assim que fraturei 13 vezes o fêmur direito, (o esquerdo, por incrível que pareça, só duas), a bacia, 23 vezes, os braços, ambos, perdi a conta depois da 41ª vez. Dos 17 traumatismos cranianos, só 5 ou 6 foram, de fato, muito graves, com direito a coma e longa convalescença. Porém, o último foi pra valer: 6 meses desacordado, com sonda pra tudo que é lado. Quando despertei, estava tudo mudado. Sentia-me outro: sério, amadurecido e muito menos carente. Tomei decisões importantíssimas, como banir para sempre a idéia de trabalho (abrindo uma exceção para o emprego, nunca para o trabalho; por isso Teus me empregou), trocar o dia pela noite, como deveria ter feito desde que nasci. Descobri, também, que o sangue humano precisa de quantidades crescentes diárias de álcool, para atingir seu estado ideal e provocar, conseqüentemente, longevidade. Resolvi vir passar as férias em Pau Doce. Aqui, mamãe, encontrei a sociedade ideal e o ideal tipo de vida. Tudo com o qual eu havia passado a sonhar depois do ultimo coma. Durante aqueles anos nos quais fiquei conhecido como o “louco da Porto Geral” (não entendo porque os jornais e as TVs me apelidaram assim) você, graças a Teus, nunca soube de meu vício desesperado, nem das suas conseqüentes fraturas, internações e comas. Mamãe, nunca duvidei de seu amor e de sua extrema dedicação a mim, principalmente depois que me tornei morador permanente de Pau Doce. Preocupei-me, um pouco, confesso, com aquele seu casamento com o Jardim Ângela Futebol Clube. Fiquei imaginando o dia da cerimônia religiosa (sei que foi naquela igreja que os padres fazem o seminário por correspondência e aos quais é permitido sexo virtual e voyeurismo), como você fez? Entrou de braço com os 17, ao som da marcha nupcial? Ou entrou 17 vezes seguidas? Ou com um representante escolhido democraticamente pelos demais? Ou com o Diretor Técnico, por exigência do estatuto da equipe? Não importa, esse casamento já chegou ao fim, você se livrou de 17 sogras, e eu continuo aquele adolescente que te adora, que te ama e que te venera. Mamãe, me promete que você virá a Pau Doce para a festa de meu aniversário de 45 anos?

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