quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

48 A nihilidade do nada e a tihilidade do tudo

Semana passada estávamos realizando uma pesquisa científica sobre o tempo médio de volatilização do álcool quando incorporado à corrente sanguínea a partir da sua ingestão através de vários condutores distintos: do goró-gogó (pinga pura) ao leite-de-onça (cachaça, leite-de-coco e leite condensado), passando por vários outros intermediários entre a pureza do primeiro e a misturança do segundo. O laboratório onde ocorria tão transcendental investigação era o Bar Bitúrico e já estávamos lá há quatro dias sem sair de cima, quando o Eutanásia, sócio majoritário do laboratório (além dele, tem mais dez pichulés – todos atletas praticantes), introduziu, com a suavidade de um supositório de glicerina, um novo tema para a discussão: “o que é o nada?”. Rapidamente, o Cafarnaum pediu um copo cheio até a boca para ele, pensando tratar-se de bebida nova. O Micoim, com uma Coramina na veia, estava terminando seu quinto retorno (“retorno” é o nome técnico da volta do coma alcoólico), não sabia o que estava acontecendo. “Lona”, gritou o Pé-de-Alface, que jogava porrinha com o Canguru. De cara, achei que o Pé tinha acertado a resposta quando sua mão aberta e vazia me disse que ele não ouvira a pergunta. “Porra, Caridade (“Caridade” é o apelido do Eutanásia), que pergunta mais pentelha, às quatro e meia da manhã?”, protestou o Vespinha. “Cala a boca, meu, que esta espelunca é de respeito. Só discutimos coisa séria, cacete!” Bom, o fato é que quando os pornográficos raios solares vieram encher nossos sacos, ainda estávamos analisando o nada. O nada é o contrário do tudo e do todo. A ausência de alguma coisa. O não-concreto. O vazio. Mas, a essa primeira resposta, interpôs-se a questão: “e uma idéia, é nada?” Se a idéia existe, existindo não é nada. Assim, não apenas o concreto nega o nada, mas também o incorpóreo o anula. Ao negar e anular o nada, estrutura-se o não-nada. Um corpo (uma garrafa de rum, por exemplo), tanto quanto uma idéia (vg, a etilidade edênica) configuram o não-nada. E o não-nada é a negação do nada, que, por sua vez, o anula. Pensando bem, o próprio nada nega o nada, já que o nada é a idéia de nada e, como idéia, existe e, existindo como nada, mesmo em idéia, nega a si próprio, que nada é. Quando, por exemplo, alguém diz: “não quero nada” é porque quer alguma coisa, já que duas negações equivalem a uma afirmação, como asseverava o bom e velho Antígenes, o Moço. Mas, mesmo que dissesse: “quero nada” é porque esse alguém não-nada quer. Mesmo que o não-nada não seja coisa alguma, (ou seja coisa alguma?). Se existe a idéia de não-existência (e é inegável que a não-existência, como idéia, existe) a não-existência é uma sonora impossibilidade. Coisa alguma, não-existência, nada são subterfúgios para o ser humano agarrar-se à ilusão negadora de que o ser é tudo em todo tempo e em toda parte. Essa idéia de total-totalidade é absurdamente insuportável. Podemos tolerar tudo, até a mais hedionda das possibilidades, mas não a onipresença do tudo. O que nos salva, nos alivia, nos conforta da cruel ditadura do tudo é o sonho do nada. Por essa razão, as religiões criaram o céu, o paraíso, em oposição à realidade do mundo. Mas, o paraíso não sendo concreto, é uma idéia e, sendo idéia, é um não-nada, existe. Como existe o círculo quadrado, o dia de 48 horas e o movimento estático. “E o sol noturno” emendou o Capistrano de Abril, que babava um fiozinho de licor. Após essa terrível constatação, interrompemos nossa filosófica discussão sobre o nada. Raiava a quinta manhã e a nossa
pesquisa tinha que prosseguir. “Muito obrigado!” Disse o Euta. “De nada!” Gritamos todos antes de desmaiarmos.

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