sábado, 22 de janeiro de 2011

50 De Um a Vinte: a galopante carreira (?) de um santo deslumbrante

Estamos novamente nos aproximando da Festa de São Vinte de Pau Doce, nosso padroeiro. Segundo alguns hagiólogos, São Vinte nem sempre foi São Vinte. Parece ter começado sua santa história como São Um. “Um”, ao que consta, não era seu nome de batismo (especula-se que se chamava Procrastineu), mas um apodo motivado por sua principal característica: era um grande resmungador. Passava o tempo todo resmungando. Era um tal de “uuumm” pra lá, “uuumm” pra cá, e a coisa pegou. Ainda em vida, passou a ser conhecido por “Um”. Unzinho, quando criança, jovem Um, quando jovem, até, mais tarde, tornar-se Dom Um, arcebispo da catedral de Santa Inércia do Descanso, na famosa cidade-estado européia Cochilópolis, e, após sua morte passaram a se referir a ele com “Era Um” (ou “Um já Era”). Uma vez santificado, o apelido foi sabiamente mantido pelo Vaticano: São Um (já pensaram que horror não seria: São Procrastineu!). Os ditos biógrafos relatam (já, agora, eram quase triógrafos) que de Um ao Vinte, não foram gastos mais do que miseráveis 200 anos. A cada dez anos, turbinado por estrondosos e mirabolantes milagres, São Um foi galgando novos postos até atingir as atuais duas dezenas. E por que teria sido, tão semovente santo, escolhido como padroeiro de Pau Doce? Estará se perguntando o imêmore e jumentil leitor. Acontece que, segundo seus biógrafos mais recentes (também chamados de vintógrafos ou doudezenógrafos; biógrafos era quando ele era apenas São Dois – não São Bi, que poderia dar margem a outras interpretações), ele dedicou sua santíssima vida a combater tenazmente, e sem quartel, o trabalho. Toda e qualquer modalidade laboral. Considerava a faina produtiva como coisa do demônio, infernal, portanto, a perdição final e fatal. O trabalho, para São Vinte, era a mais despudorada e obscena atitude humana. Pior que a guerra (que é terrível), pior que a corrupção (abjeta, sob todos os aspectos), pior até que, (supremo deboche), o futebol (hediondez à época ainda não inventada pelos ingleses, mas já intuída pelo estonteante santo). O trabalho, e apenas ele, é o responsável pela tragédia humana: pela miserabilidade da maioria e pela riqueza de uns poucos, pela exclusão social, pela mortalidade infantil, pelas doenças incuráveis, pela alta criminalidade, pela baixa estatura dos anões, pelo fumo suicida, pela proliferação das mulheres feias, pela parca utilização da mesóclise, pelos nascimentos prematuros, pela baixa qualidade das rações felinas, pela hipocondria dos avestruzes, pela acumulação de gordura abdominal nos homens casados, pelos fins-de-semana motorizados, pela sofrida existência dos dentistas e dos lavadores de pratos, pela desinformação endêmica absoluta, pela inexistência de uma Associação de Defesa dos Veados e dos Leopardos, pela parcimonialidade dos vendedores de sapatos, pela proliferação das doenças venéreas e das lojas do Mc’Donalds, pelo aumento gradativo das missas por correspondência e por tantos e tantos outros males subpiteliais, dores corníferas e caspas oleaginosas. Sua famosa frase: “o trabalho dá muito trabalho” já diz tudo da inteligência, ladinice e santidade de nosso protonotário padroeiro. (Esqueci de dizer: São Vinte foi Protonotário Apostólico) Com este maravilhoso Curriculum Vitae, somado à sua proverbial capacidade de absorção etílica (segundo fidedignos relatos de seus coroinhas profissionais, São Vinte tomava três garrafões de vinho a cada missa rezada. E, como se tratava de um homem de espírito elevado, com uma disposição caritativa de dezoito quilates, só ele queria oficiar as missas na paróquia da “Misericórdia Desbundante” com sede na catedral acima citada. Não tinha pra mais ninguém! Vinte missas por dia. (Ele fazia as contas mentalmente: três garrafões de cinco litros por missa, com vinte missas por dia) Mamava trezentos litros de celestial fermentado de uva, diariamente. Como nas Bodas de Caná, transformava água em vinho. Bom, por tudo isso, São Vinte não é apenas e tão-somente São Vinte, mas é São Vinte de Pau Doce. E sua festa, como disse, está se aproximando. Maravilha! Não vejo a hora! Este ano, a proposta é arrebentar a boca do balão. Vai ter de tudo e mais um pouco. É possível que venhamos a ter mais mais um pouco do que de tudo, já que o de tudo o usamos mais como força de expressão do que como realidade realmente real, pois de tudo não podemos ter, uma vez que abominamos trabalho, suor e futebol. Com exceção desta tríade peçonhenta, temos tudo o mais, a não ser a possibilidade de existência de um ou outro parangolé convenientemente aqui olvidado. Houve dado que não citei sobre a comemoração sanvinteana vindoura, mas que, corrigindo a falha, agora citarei: quermesses! Não pode haver festa de São Vinte sem quermesses. Várias: quermesse virtual (apenas no computador a lenha do edil Jacinto Pinto Aquino Rego), quermesse onírica (estabelecida no inconsciente individual e coletivo da plutocracia freudwaldysneiriana peedense), quermesse contábil (a ser lançada com verbas consumidas nas costas do erário público e, evidentemente, como é de lei, superestimadas) e a quermesse propriamente dita, com barracas, sorteios, mil comidinhas, prendas variadas, quentão e vinho quente (esta convenientemente transferida para a Paróquia de São Sebastião, já que em Pau Doce não há quem se disponha a trabalhar (arghhh!) na dita cuja). Mas, além dessas maravilhosas quermesses, haverá muito mais: demonstração de descanso coletivo para energização vital, ato público de repúdio à violência em suas formas mais comuns e insidiosas (como levantar peso ou carregar pacotes, por exemplo), cerimônia ecumênico-sincrética macumbristã, exposição, na UniPau, das mais recentes conquistas da pesquisa estático-ergonométrica: “Novas técnicas de dormir em pé”, “A hipertrofia do sono”, “Comprovação científico-laboratorial do esforço físico como gênese da depressão aguda e terminal”, e o lançamento, na Academia Paudocense de Ciência, Literatura e Alfabetização, dos livros: “Atividade muscular: a ação inútil”, do Dr. Oncimar Curtinho, “Sono leve, o outro nome da falta de vergonha”, do Dr. Oncimar Curtinho Filho, “Andar mais que 100 metros diários, sinal de hiperatividade mórbida”, do Dr. Oncimar Curtinho Neto e o best-seler canônico “Durma sempre e vença na vida”, uma biografia não autorizada e nem assinada de São Vinte. São Vinte de Pau Doce, rogai por nós!

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