sábado, 8 de janeiro de 2011

47 Futebol: a depravação maior do humano ser

Posso afirmar, posso afirmar com toda convicção e tranqüilidade, de fato, não só eu posso afirmar, mas podemos afirmar todos, com certeza, podemos afirmar, de pés juntos, que em Pau Doce nada é proibido. Ora, se nada é proibido, tudo é permitido. Mas, é verdade que nada, absolutamente nada, é proibido em Pau Doce? Estará se perguntando o leitor, em geral, um ser inescapavelmente nesciente. Exatamente isso que você entendeu (apesar de que “entender” seja uma operação muito sofisticada e quase inalcançável para a maioria), em Pau Doce não há a menor possibilidade da existência de qualquer proibição. Sequer é possível proibir a própria proibição. E tudo é permitido, mesmo a proibição. Sendo permitida a proibição (já que tudo é permitido) e a própria proibição não podendo ser proibida (pois nada pode ser proibido), acabamos por permitir a proibição. Conclusão: em Pau Doce não sabemos mais o que é permitido e o que é proibido, nem ao menos vislumbramos o sentido de permitir e proibir, dois verbos que, para nós, são impossíveis de distinguir. Por tudo isso, a Academia de Filologia e Lingüística Paudocense resolveu, sabiamente, como se espera de qualquer Academia de Filologia e Lingüística, unificar os dois referidos verbos que, aqui, nada têm de contraditórios ou de antonímicos. Dadas as acerbas e acaloradas discussões e divergências, a Academia (seus dois membros) decidiu pela criação de duas novas formas verbais sinônimas: Proitir e Permibir (formas, aliás, que depois de criadas, regulamentadas e sacramentadas pelos acadêmicos jamais foram utilizadas, numa deslavada atitude de ingratidão popular). E como seria possivel distinguir situações concretas em que uma ação, sendo proitida (ou permibida), poderia ou não ser realizada? Estará, inutilmente masturpensando-se o microbiano leitor. A resposta a esta pergunta é que esta pergunta não tem resposta. Depende da situação concreta, do dia, da meteorologia, da fase da lua, dos personagens envolvidos se personagens houver, da contagem de glóbulos vermelhos no sangue e o catano. Por exemplo: algo que é totalmente permibido (ou proitido) em Pau Doce é o futebol. Tudo, tudo, tudo, menos futebol. Prostituição sim, futebol não. Corrupção, concupiscência, fúria uterina incontrolável, cleptomania genética ou adquirida, ceborréia, pé chato, fecalomas artísticos, acreditar em Papai-Noel e tantas e tantas outras virtudes malignas são toleradas e, algumas, até francamente incentivadas, menos futebol. Mas, como? Estará vociferando o oligofrênico leitor. Se na Itinerância nº 9 é citado o time de futebol de Pau Doce, inclusive com toda a escalação, com direito a preparador físico e diretor técnico? Calma, calminha! O tal time existe apenas formalmente, para efeito da política externa de Pau Doce, mas, na verdade, nunca existiu, jamais jogou, em tempo algum foi sequer imaginado como uma possibilidade real (a mentirinha homeopática é uma das nossas principais virtudes). Nem mesmo as crianças – esses curiosos seres quase-humanos – brincam com bola: não há campinhos, nem quadras, nem nada que lembre, mesmo remotamente, essa asquerosidade suprema. Brincam de roleta, carteado, jogo-do-bicho, garrafão, humana-mula, bozó, gulufim, pegador, de casinha, de médico genicologista, mas com bola, jamais. Nada há de mais vergonhoso na vida humana do que o esporte. Todos e qualquer um. Competição, campeão, primeiro lugar, medalha de ouro, vencer, vencer, vencer, disputas mil, tudo isso seria de um ridículo atroz, se não fosse catastrófico e horrendo (o que é uma guerra, se não um campeonato, um jogo, uma disputa?). Ao esporte interessa quem nada mais rápido, quem chega primeiro, quem salta mais alto, quem tira mais sangue, quem cospe mais longe, quem nocauteia o opositor, quem supera os limites humanos. Não há medalhas de ouro para o último, para o quarto lugar, para quem, humanamente, não consegue chegar. Para estes, o opróbrio, a vaia, a humilhação, na melhor das hipóteses, o esquecimento. Mas, dos esportes o pior, o mais patético e incompreensível é o futebol (até as lutas têm a vantagem de ser mais abertas e descaradas). Vinte dois marmanjos (podem ser marmanjas também) correndo atrás de uma esfera saltitante, chocando-se constantemente, às vezes, de forma violenta, tentando enfiá-la com o auxílio dos pés (ou da cabeça) num retângulo de alguns metros quadrados. A quadrilha, (os onze que se vestem com roupa igual), ou time que conseguir enfiar mais vezes a esfera de couro no retângulo dos inimigos, vence. O outro grupo, o mais encaçapado, perde. Vejam que coisa importante, que transcendental! É tão importante e tão transcendental que a assistência grita, vocifera, ulula e, muitas vezes, insulta, ofende, ameaça, agride e mata. Tudo porque outros preferem outros onze que não os seus onze preferidos. Os ingleses aterrorizaram os mares, incentivaram e administraram a escravidão negra, piratearam os oceanos, pilharam os cinco continentes – da China à Argentina, da Índia ao Sudão, da Austrália ao Canadá – criaram a mais-valia, o supremo roubo do capitalismo, carnavalizaram o massacre das pobres raposas e, para coroar, inventaram o futebol. Os seus “holligans”, exemplo maior de aficcionados futebolísticos, continuam matando Europa a fora. Em português, o verbo escolhido para definir a atitude de apoiar uma equipe foi, muito apropriadamente, “torcer”. Torcer, como a lavadeira torce uma peça de roupa para dela tirar, a força, toda água; torcer, como se garroteia uma torneira para que feche; torcer, como o granjeiro mata um frango, destroncando seu pescoço. Isto faz a massa apreciadora do futebol: torce, e, por isso, se chama torcida. Em Pau Doce, cultivamos a paz, o sono, a birita, a malemolência, a tranqüilidade, o sossego, os jogos sexuais, uma luxuriazinha maneira. Nosso lema: fora toda a agressividade, toda a violência, toda competição, toda disputa, todos os vencedores!

Nenhum comentário:

Postar um comentário