segunda-feira, 29 de novembro de 2010

39 O paudocímbolo

Plebiscito. Essa palavra mágica, tão atual, tão reverberada ao redor do mundo, brilhou para nós. A SOCIABAIXOPAUSOciedade dos CIdadãos ABAIXO de Qualquer Suspeita de PAU Doce – que corresponde à nossa Câmara Municipal, à nossa Assembléia Legislativa, à nossa Câmara Federal, ao nosso Senado e à nossa Turma do Deixa Disso, propôs a realização de um Plebiscito. Aplaudido delirantemente, foi aprovado por unanimidade, tanto na Sociedade como por toda comunidade paudocense. Ficou, porém, faltando, na brilhante proposta, para que ela pudesse se efetivar, já que nesta vida nada é perfeito, a decisão do assunto sobre o qual incidiria. Ninguém tinha a mínima idéia. Na medida em que os dias foram passando, a inquietação, a angustia, a aflição e, por fim, o desespero foi tomando conta de todos. A consulta já estava, legalmente, aprovada, a motivação e o entusiasmo eram enormes, não se falava em outra coisa, e nada de se achar um tema para ela. A maior dificuldade consistia na característica polêmica de um tema plebiscitário. Se não polêmico, ao menos, que permitisse alguma dissensão, ou mera discordância adjetiva, ou, ainda, se não houvesse alternativa, uma concordância desunânime. Mas, não. Em Pau Doce, não discordamos de nada, nem de ninguém. Dá muito trabalho discordar. Tudo pode, tudo é possível, tudo é permitido, desde que não canse. A nossa unanimidade unânime unanimíssima nos deixava de mãos atadas. Pensamos, em primeiro lugar, em nossa própria dificuldade como tema: “Seria bom, para Pau Doce, a total unanimidade? Sim ou não?” Porém, desistimos por temor a desmoralizar nosso Plebiscito, já que seria muito provável que o resultado fosse unânime em favor da unanimidade. Zero voto para o “não” e a totalidade para o “sim”. Desistimos da unanimidade. Outro tema que, num determinado momento, ganhou força sendo, depois, descartado, foi a proibição total e absoluta do trabalho em Pau Doce. Como tínhamos certeza de que a totalidade dos habitantes votaria a favor dessa proibição (já que não passaria de mera formalidade, pois, na prática, o trabalho aqui inexiste), desistimos, muito mais pelo risco que corríamos de ter que entrar em guerra contra o Brasil (com a certíssima neutralidade da Bahia), o que, paradoxalmente, nos daria muito trabalho (isola!), do que pelo medo de desprestigiar o Plebiscito, causa que vinha em segundo lugar. Outras idéias interessantes nos ocorreram, mas foram igualmente abortadas pelos mais diversos motivos: a proclamação da independência de Pau Doce, separando-nos do Brasil e criando a República Livre de Pau Doce (que já existe de fato); a suspensão do exercício de todas as religiões, fundando-se, em contrapartida, “O Nirvana Paudocense”; a proibição da ingestão, por maiores de 18 anos, de água pura; e outros tantos temas sérios, mas, de alguma forma, problemáticos. Depois de dois torturantes meses de frustração e debate, finalmente salvamos o plebiscito. A SOCIABAIXOPAU decidiu, sabiamente, aliás, que a questão a decidir não poderia ser relacionada com aspectos fundamentais e substantivos de nossa vida, pois, pela índole paudocense, toda mudança implica em trabalho e todo trabalho ou é imoral, ou é ilegal, ou emagrece, mas apesar de todas essas recomendações positivas nosso DNA não o suporta. Teria o Plebiscito que versar sobre algo simbólico e acessório. A sapientíssima decisão recaiu sobre a escolha de um símbolo que encarnasse a essência de Pau Doce. Tecnicamente, o Plebiscito não seria um Plebiscito, com um “sim” ou “não” como resposta. Estaria mais para uma consulta popular, com respostas em aberto, para que cada um escrevesse sua sugestão. Numa metodologia revolucionária, a proposta mais citada seria declarada a vencedora. Mas, para nós, não se tratava de consulta e sim de Plebiscito. Disso não abríamos mão. E, por mais que as respostas fossem livres, havia partidos e partidários. Com tudo o que esses estranhos ajuntamentos tem direito: claques, cabos eleitorais, boca de urna, comícios e outros bichos. Uns propunham, como símbolo, um enorme pau, um tronco de árvore, claro, do qual escorreria mel numa alegoria ao nome de nossa praia; outros, defendiam um pé-de-chinelo, velho e folgado. E a lista prosseguia: uma fruta-do-conde, e uma garrafa com o rótulo “Pinga do Pau Doce”, e um biscoito molhado, e um pescoço com um orifício, tatuado com as palavras “Papo furado”, e uma flor de papoula, e uma prato de arroz com feijão e... E muitos e muitos outros. Enfim, quando chegou o grande dia, a cidadania paudocense em festa, em gala e engalanada, foi às urnas. Fim do domingo, último voto depositado e a apuração teve início, já com o sol posto. Adentrou a noite, transpôs a madrugada, enfrentou a manhã, a tarde e a noite da segunda. Para encurtar a ladainha, no sábado à noite foi, enfim, encerrada. A comissão apuradora da SOCIABAIXOPAU, destruída por uma semana indormida, passada a votos e gorós (graças a estes conseguiram os bravos manter a vigília e a contagem), anunciou, afinal, o resultado. Venceu, por esmagadora margem, um símbolo que não havia sido candidato por nenhum dos partidos, um milagre do boca-a-boca, da intuição e sabedoria popular: o gato. O gato, mas não um gato qualquer. Venceu um gato específico, famoso mundialmente, amado, adorado, um semi-deus: Garfield. Sim, o super-star e o super-herói de Pau Doce. Ninguém mais Pau Doce do Garfield e ninguém mais Garfield do que Pau Doce. Sua volúpia, sua energia, sua hiperatividade totalmente nulas e inexistentes, coincidem “ipsis literis” com as nossas. O gato gordo, que dorme para viver, que prefere ver o mundo acabar a ter que se mexer, com um mordaz espírito crítico ferino, felino, que faz o Jon de idiota e o Odie de imbecil, que é um sumidouro de comida, esse gato, somos nós. Iguaizinhos, sem tirar nem pôr. Apenas, com algumas adaptações. Nosso Jon é o governo, nosso Odie, qualquer autoridade, qualquer regra, qualquer determinação, nossa comida é líqüida, nossa preguiça, a razão de viver. Garfield de Pau Doce. Nem Jim Davis imaginaria!

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