sábado, 20 de novembro de 2010

37 S’eu cozinho, eu não lavo

Meu grande amigo de Sampa, Tolomeu Bartolo, o Tolo, resolveu seguir meu exemplo e vir se instalar em Pau Doce. Também, como eu, de extirpe nobre, compartilhava comigo a prática do mesmo esporte olímpico: a alta pilantragem noturna. Considerava-se muito jovem para sair de casa e ter vida independente, mas seus pais não concordavam com seu ponto de vista. Em especial, seu pai, o Conde Vivomeu Bartolo, o Vivo, um milionário de coração empedernido e que sempre demonstrou pouco afeto por seu filho único (a partir do nome que lhe deu), e exige que ele, praticamente ainda adolescendo, se estabeleça por conta própria. Quer que essa verdadeira criança torne-se independente. O velho Vivo afirma temer pelo futuro do filho, caso venha a morrer, já que está se aproximando dos 90 anos. É um blá-blá-blá sem sentido. Pobre Tolo! Acho que ainda nem tirou a carteira de motorista. Mas, fazer o quê? Como ele soube de minha vinda para Pau Doce e pressionado a fazer vida própria, veio para cá também. Com a grana do velho e por imposição dele, resolveu montar um bar. Mais um aqui na praia. Mas, aqui, um bar a mais nunca é de menos. Um bar a menos é que seria demais. Discreto e humilde como sempre, resolveu dar seu próprio nome ao estabelecimento. “Bar Tolomeu Bartolo, meu”. Explicou a adição do possessivo ao final, porque não resistiu à sonoridade do eco. Ficou lindo! A inauguração coincidiu com o dia de seu aniversário de 35 anos. Grande festa, grande noitada. Gandaia das boas. Passada a efeméride, Tolomeu resolveu fazer do Bar Tolomeu um centro de referência da culinária paudocense. Situação extremamente interessante, pois ele, recém-chegado, desconhecia por completo a culinária de Pau Doce, que, por sua vez, nunca existiu. Assim, o cara-de-Pau Doce foi obrigado, com nossa ajuda – aquela meia-dúzia de 3 ou 4 de sempre – a inventar a antiga e tradicional culinária paudocense. Antes, porém, discutimos se o estabelecimento seria temático. Chegamos à conclusão que em Pau Doce todos os bares são temáticos, tematizados com os temas que nos são caros, consubstanciados nos famosos 10 Mandamentos, trazidos, há muito tempo atrás, por Moisés (da farmácia), que os encontrou impressos num bloco de pedra, depois de um mês perdido no Monte Sinal (ao menos foi essa história que contou para a mulher, quando reapareceu, sujo, sem a dita pedra que ele afirmava ter encontrado, com marcas vermelhas lambuzadas no rosto e na camisa e cheirando a uma estranha mistura de cachaça com perfume barato). A mulher, que, de início, desconfiou da história – já que Monte Sinal é, de fato, uma montanha que fica na serra atrás de Pau Doce, Paúba e Maresias, com o formato de um ponto de interrogação, mas, coincidência ou não, é também o nome de um puteiro de 5ª categoria em São Sebastião – xingou Moisés de “filho da puta” pra cima (ou pra baixo), ameaçou ir embora levando consigo os 8 filhos, tentou arregimentar as amigas para irem, com ela, a São Sebastião arrebentar a casa das quengas, mas acabou amansando e tornou-se a maior divulgadora do Decálogo de Pau Doce, que é mais ou menos o seguinte (mais ou menos, porque há varias versões levemente discrepantes):


1º- Jamais trabalharás.
2º- Só tomarás água na infância ou na doença.
3º- A manhã foi feita para dormires.
4º- Nunca permitirás que profanem o sagrado recinto do Bar.
5º- Ânus de alcoólatra terá proprietário, que será, obrigatoriamente, o
próprio portador.
6º- O único suor digno é o do descanso sob o sol.
7º- Todo cônjuge terá direito divino a folgas sabáticas (de um ano)
todos os anos, se assim o desejar.
8º- Só casarás como último recurso à sobrevivência.
9º- Repudiarás, como traidor, todo aquele que se deixar seduzir pelo
trabalho.
10ºSerão considerados sinais de santidade: o coma alcoólico e a
cirrose hepática.

Assim, descartamos a opção temática. Fomos aos nichos. Por sexo, por idade, por profissão... Descartamos todos, já que por aqui pululam todos esses nichos. A decisão final recaiu, depois de tanto debate, sobre a idéia original: o “Bar Tolomeu Batololo, meu” seria especializado na “tradicionalíssima” culinária paudocense. E como essa não existia, nem havia existido jamais, tudo o que fosse novo, estranho, esquisito e revolucionário, caberia no cardápio da casa. Bastariam criatividade e audácia. E, então, coletivamente, entre um pifão e um pileque e, sobretudo, durante cada um deles, fomos compondo essa maravilhosa cozinha, cuja fama de excelência, hoje, tão pouco tempo depois de ter sido criada, espalhou-se pelo mundo. Há turistas de toda parte: da China, do Ceilão, do Havaí, da África do Sul, da América do Leste, da Europa Equatorial, dos Estados Unidos do Zimbábue, que acorrem a Pau Doce pelo simples renome da Cu-de-Pau (que é como ficou conhecida a “CUlinária DE PAU Doce”). Para que o desinformado leitor tenha uma parca idéia desse universo de sabores, eis alguns dos nossos pratos: “Curintiano” (salada de arroz branco com guisado de feijão preto); “Xinxumbunga de Paragantunga” (mix de todos os ingredientes que estiverem sobrando na geladeira do estabelecimento); “Pinto mole não entra” (galináceos jovens de carne rija – os de carne tenra são descartados – curtidos em vinho branco por duas semanas e flambados à vista do cliente); “Grangrena” (GRANdes GRElhados NArcotizados: perus grelhados na folha de coca); “Feijão emporcalhado” (o famoso legume vai acompanhado de cortes selecionados de carne suína: orelhas, rabinho, pés, toucinho e lingüiça); “Um dia de cão” (salgadinhos recheados de pimenta malagueta e coentro); “Safadinha gostosa” (salada de alface safadinha e queijo provolento); “Toillet masculino” (rins bovinos temperados com ácido úrico tri-filtrado); “Biscoito anal” (biscoitinhos de polvilho com formatos dos algarismos correspondentes ao ano em curso); “Piranhas do Egito” (o famoso peixe ao forno, adornado com tâmaras); “Arca de Noé” (guisado de carne bovina, suína, caprina, galina e peixina); “Xanadu” (vulva suína adubada com molho Roquefort); “Cala a boca!” (doce puxa-puxa de açúcar queimado); “Nosferatu menstruou” (chouriço de sangue bovino talhado por molho de sangue suíno); “Pura que o patiu” (grogue de cachaça pura com meio patiu de mandioca); “Lulinha paz e amor” (calamar com um dos tentáculos cortado, com língua presa por capim barba de bode); “Merdalhão” (medalhão de filet-mignon lambuzado com creme a escolher); “Axé-music” (glúteo de vaca e testículo de touro); “New-sertanejo” (feijão tropeiro liquefeito servido em chifres de boi) e tantos outros pratos maravilhosos, como: “Não põe a mãe no meio”, “Senta que o leão é manso”, “Aqui ó!”, “Cru-de-ferro”, “Nó em pingo d’água”... Ficou ou não ficou uma maravilha a nossa Cu-de-Pau?

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