terça-feira, 9 de novembro de 2010

35 Hincha pelota!

Todo verão é a mesma coisa. Invariavelmente, mal começa dezembro, e alguma praga se abate sobre Pau Doce. Já tivemos pragas dos mais variados tipos, de bichinhos pequenos a médios e grandes; de aéreos a terrestres e marinhos; alguns mais agressivos, outros bastante passivos. Ano a ano, toda uma fauna. Houve verões em que dominou a Lacerdinha, inseto muito pequeno, pouco maior que uma pulga, pretinho, que enxameava os arbustos das ruas e jardins. Onipresentes nos anos 60, saltavam sobre o desavisado passante e quando atingiam os olhos, a vítima sentia um queimar agudo e passageiro. A Lacerdinha leva esse curioso nome popular porque, além de ser extremamente irritante e dar a impressão de estar em todo lado, como o exuberante tribuno carioca cognominado “o Corvo”, segundo alguns entomologistas, ela era gerada e nutrida pelo “alitum lacerdarum”, quer dizer, pelo respirar, pelas palavras e pelos discursos do próprio Carlos Lacerda. Com o falecimento do famoso político, elas desapareceram de todo Brasil, com exceção de suas esporádicas visitas estivais a Pau Doce. Tivemos outros visitantes. Num verão, foram os Piripipis, pequeninos voadores em formato de guarda-chuvas abertos, que desciam suavemente aos milhares como miniaturas de pára-quedistas. Noutro, os Carpintchos, lagartixas de 18 patas e 2 rabos. Vieram, também, os Pinica-pinto, peixinhos de um centímetro de comprimento, especialistas em mordidinhas nas pernas – várias – dos banhistas, como se fossem beliscões. Ano passado, tivemos as Traças Voadoras, primas dos Cupins Alados, com a mesma capacidade de seus priminhos pentelhos para entrar na boca das pessoas e cair nos pratos de comida. Tal é a inexorabilidade dessa invasão sazonal, variando sempre o tipo de invasor, que temos uma Casa de Apostas dedicada, integralmente, ao Jogo do Bicho, que aqui em Pau Doce nada tem a ver com a conhecida loteria de números associados a animais, consistindo na efetuação de apostas sobre qual será a praga do próximo verão. A dificuldade da administração dessa modalidade de jogo reside no fato dele possuir uma gama ilimitada de possibilidades: em princípio qualquer animal, sobretudo os pequenos alados, são candidatos a protagonistas do próximo verão. Este ano, por exemplo, periga não haver qualquer vencedor, já que a praga de turno era totalmente inesperada. Pau Doce foi invadida por um enxame de turistas argentinos. De que praga se tratará? Deverá estar se perguntando o obnubilado leitor. Tratar-se-á de insetos carnívoros? De roedores bailarinos? De alguma bactéria que cause incômoda irritação? Não, jejuno leitor, turista argentino é uma subespécie (subdivisão da espécie) de homo sapiens (no caso, homo milongueirus), que habita um vasto nicho ecológico ao sul da América do Sul, onde sobrevivem comendo vísceras de animais e bebendo uma estranha mescla de vinho com erva mate, sendo descendentes de espanhóis que falam como italianos e se consideram britânicos. Há, neste verão aqui em Pau Doce, turistas argentinos saindo pelo ladrão. Não se fala mais paudocês como sempre. Só se ouve, por todo lado, “che boludo!” “pelotudo de mierda!” e “hijo de mil putas!” No Bate-coxa e no Espreme Saco, duas das melhores casas de danças que temos por aqui, os ritmos brasileiros foram expurgados. Domina o tango. Todo sanfoneiro caiçara virou bandoneonista. Pelas ruas assobia-se “Cambalache” e “Mano a mano”. Nos botecos, o samba cantado até o amanhecer, foi substituído pela “zamba”, que o cavalheiro dança tentando envolver a dama com um lenço e do qual ela finge fugir ou simula se mandar. E a caipirinha? E a purinha? E o caju amigo? E a batida de maracujá? E o rabo-de-galo? E a pinga com fernet? Tudo, tudo foi substituído pelo mate amargo. Estamos tomando cachaça como o gaúcho toma chimarrão: chupando no canudinho de prata. Ao invés da cerveja, vinho. Vinho tinto de 18º, marcas Toro e Facundo, que os boludos trazem na bagagem, não em garrafas, mas em caixinhas como as de leite. Sábado passado, no Amansa a Jeba, barzinho perto da praia, ao lado do Pinico Também é Panela, dois gringos foram hospitalizados, na verdade, posto-de-saudelizados. Tudo porque, no auge do quilombo, um deles resolveu gritar: “Viva Perón, carajo!” No que o segundo, atirando-se sobre o peronista, contestou: “Perón es la puta que te parió!” Num minuto, era pedaço de orelha de portenho por um lado, dente canino de entreriano voando por outro. E não houve outra solução melhor do que recolher o que restou dos dois e mandar para o Posto de Saúde. Os que sobraram, resolveram celebrar a paz, inclusive aprofundar a velha e maravilhosa amizade entre eles e nós. Surgiram até duplas mistas de cantores como Gardel Rosa, Carlos Noel, Airton Fangio, Néstor da Silva, Maradona do Nascimento e Peladona. Para selar a amizade entre Brasil e Argentina, resolvemos promover um jogo de futebol (na praia ao lado, que aqui o futebol é proibido) entre os dois paises. Houve 32 jogadores internados no Hospital Municipal de São Sebastião. Onze em estado grave. Infelizmente o verão está acabando e a praga desse ano, que lastima, ya se vá. A la puta que los parió, carajo!

Nenhum comentário:

Postar um comentário