quinta-feira, 4 de novembro de 2010

34 Pluviometricidade aguda

Faz já dias e dias que está chovendo. Aliás, estamos discutindo Micoim, Bigorrilho, Meio Quilo, Pilha Fraca, Lexotan e eu há quanto tempo não para de chover. Micoim fala em 32 dias, Bigorrilho diz que não passam de 27, seis meses e meio é a afirmação do Meio Quilo, o Pilha Fraca abaixa esse tempo para a metade, o Lexotan jura não se lembrar de quando viu o sol pela última vez e eu, o mais comedido e equilibrado, fico com modestos 19 dias. O fato é que meus 19 dias foram um chute total, apenas para ficar com o número menor. Na verdade, como o Lexotan, também não faço a mínima idéia de quando o céu começou a despencar em cima de Pau Doce. Tenho certeza que os outros quatro pinguços, pinguços não, pelo amor de Deus, aguardentólatras, estão chutando como nós e não têm qualquer noção do que estão falando. A impressão mesmo é que Macondo baixou em Pau Doce. Chove de tudo quanto é lado, não apenas de cima para baixo, como seria o normal, já que o vento leva as gotas para onde quer, até para cima. O único som que se ouve é da água caindo e do vento dançando nas árvores. O barulho do mar, sempre tão presente, desapareceu. Os sons humanos sumiram. O dos animais, terminou. As raras pessoas nas ruas parecem sombras, os cachorros, mesmo os mais peludos, são como lontras molhadas, nem os gatos estão secos. E a nós, os cidadãos de honra e respeito, só nos resta fazer o que só fazemos quando não tem outro jeito: jogamos conversa fora e enchemos a cara. Claro que sempre fazemos o possível para que a situação não tenha jeito. E para que os proprietários dos serviços de utilidade pública essenciais não reclamassem, foi programado um percurso por todos eles, semana a semana. Nesta, já estivemos no Café Coado, no Piolho no Barro, no Chaveco de Gaveta, no Macaxera com Chantilly, no Bar Bicha e hoje estamos acampados no Sans Chupança, aquele em que “sóbrio não entra e bêbado não sai”. Aqui, sob a regência da proprietária Glória de Pau Doce, estivemos tomando soro destilado de baixa graduação na veia e discutindo. Não discutimos apenas se já houve algum dia sem chuva por aqui, se ela é, de fato, eterna, ou se estamos com a memória fraca; ainda que este tema fosse o dominante, falamos também sobre outros assuntos. Por exemplo, acabamos de discutir sobre o casamento civil de homossexuais, tema, com certeza, ensejado pelo clima do Sans. Em verdade, tecnicamente falando, não houve discussão, já que todos somos favoráveis à união, com exceção do Lexotan, que não conseguiu se lembrar, por mais que tentasse, o que queria dizer homossexual. Teimou que era um tipo de equipamento para cortar madeira, como uma serra elétrica. Como não conseguimos demovê-lo, descartamos sua insistente e cortante opinião. Concluímos, por unanimidade, semi-unanimidade (a serra elétrica!), que o que deveria ser proibido era, sim, o casamento tradicional, entre homem e mulher, já que este tem objetivos muito pouco defensáveis, egoístas e antropocêntricos. O principal deles é a geração de filhos, multiplicando no planeta essa raça de exterminadores, de poluidores e de predadores, criando pencas e pencas de crianças que, em sua maioria, crescerão e gerarão outras tantas pencas e pencas, num assustador crescimento geométrico: 28 milhões em 1500 aC., 170 milhões no início da era cristã, 400 milhões por volta de 1500 dC. e mais de 6 bilhões hoje. Fosse abolido, terminantemente proibido, o casamento heterossexual, responsável pela institucionalização do parto legal, e o número de nascimentos cairia fenomenalmente a padrões mais aturáveis e dignos, já que as fecundações dos óvulos pelos espermatozóides ocorreriam em relações livres e eventuais. Importante pesquisa, patrocinada pela ONU, produzida por cientistas da Universidade Nacional da Terra do Fogo em colaboração estreita com professores do Instituto Mao Tse Hitler, com sede em Guaribas, PI, chegou à conclusão que 95% das relações sexuais entre casais formalmente constituídos ocorrem desnecessariamente, já que um dos dois ou, ambos, não estão interessados, nem motivados para o ato. Porém, são culturalmente pressionados. Um, mesmo não querendo, acha que o outro quer, o que, de forma alguma, é verdade. O homem teme por sua masculinidade. A mulher sofre por sua feminilidade. Ele se sente obrigado e ela obrigada se vê. Se a algum dos dois for perguntado, pelo outro, se deseja o conluio carnal, a mentirosa resposta será, quase invariavelmente, sim. O “sim” é para não melindrar ao que perguntou, que, em principio, deve querer, mas que só inqueriu por desencargo de consciência. Do total de filhos gerados, ainda segundo a pesquisa, 99,98% o são pelos 95% das relações não desejadas. Se os casais casados não fossem casados, só relacionar-se-iam sexualmente quando, de fato, estivessem motivados. Não morando juntos, não dormindo na mesma cama, tendo que pagar motel, tendo que ter o mesmo tempo livre disponível, as relações não totalizariam os restantes 5%, mas cairiam para mínimos 1,03%. Este é um índice razoável, mais condizente com o que a natureza sonhou para a espécie humana, longe, por exemplo, dos ratos urbanos que copulam 20 vezes por dia. Bigorrilho argumentou, brilhantemente, que muitas religiões, que se dizem divinamente inspiradas, proíbem seus sacerdotes e sub-sacerdotizas de se casar, obrigando-os ao celibato perene. Por alguma razão sábia o farão. Aplaudimos de pé o fecho de ouro de nossa discussão. Glorião, felicíssima, liberou bebida grátis pra todos. Tomara que a chuva não pare nunca mais...

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