quinta-feira, 25 de novembro de 2010

38 Gingoubeus

Como é lindo o Natal em Pau Doce! Em primeiro lugar, porque é verão. E aqui o verão é verão-verão. Isso ocorre porque durante os doze meses do ano o verão não nos abandona. Nada de primavera, outono e, sobretudo, o inverno. Eterno veraneio. Mas, em dezembro! Em dezembro o bicho pega. Dezembro, Natal, verão. Ah, porque o Natal em Pau Doce também é em dezembro, por incrível que possa parecer. Claro, é em dezembro como em todo lugar. Como o leitor (que, em geral, é um desmemoriado) está cansado de saber, o Natal, no mundo inteiro, é comemorado em dezembro, no dia 12. Aqui também. E como é lindo nosso Natal! Apesar dos quase 70º centígrados, comum em nosso verão, nesse dia, invariavelmente, neva. Não pergunte, estultíssimo leitor, como nem por quê. O fato real, verdadeiro, inquestionável, é que, nesse dia, neva. Cai uma neve intensa, branca, gelada. E como o calor é brutal, a neve tem que ser abundante, já que tudo aqui abunda (em tudo há bunda). Toneladas e toneladas de neve autêntica e com firma reconhecida. Caso contrário, as bebidas esquentariam. Toda essa neve cai, diretamente, dentro dos copos dos paroquianos. E, sendo Natal, como em todo lado, aqui em Pau Doce também é uma festa religiosa. Religiosa e tradicional. Sendo religiosa, a bebida oficial é vinho de missa. Tonéis e tonéis de vinho vaticanizado, pasteizinhos de Santa Clara, pãezinhos de Santo Antonio, leitão a pururuca a João Paulo 2º, lagosta ao molho franciscano, picanha assada em fogueira da inquisição, papos de anjo, Martinhos Luteros ao roquefort... E, além de religiosíssimo, nosso Natal é tradicional. Papais-noéis às pampas. Papais-noéis saradões e anabolizados. Daqueles que só de olhar para eles já se sabe que presente estão trazendo. Olha-se o saco e já se vê o presente. Priminhas-noéis (não podem ser mamães pela ausência de celulite e pela grossura das coxas) ma-ra-vi-lho-sas(!!!), obrigando os mais deserotizados cidadãos a enrijecerem seus preâmbulos e intumescerem suas picardias. No dizer popular, levantam até defunto. E a tradição é mantida à risca. Os Papais-noéis entram pelas chaminés das casas, já com o saco na mão e tirando o presente para fora e as esposas, como sempre, ficam excitadíssimas com a introdução, enquanto os maridões, apesar da total inexistência de chaminés, acham normalíssimo. Os defensores dos animais e o clube GLS explodem de felicidade, pois as ruas ficam chapadas de renas e viadinhos. É lindo vê-los saltitando uns e cuspindo no chão outras, em plena renagem e total viadagem. Os sinos gemem, os esquilos coaxam e os besouros miam. Tudo na mais absoluta normalidade. As canções natalinas ecoam por todo lado. Aqui “bate o sino pequenino”, lá “Papai-noel já morreu”, mais além, “pobrezinho nasceu em Belém” um pouco pra lá de mais além “o sino gemeu” (incrível essa!). Mas, o mais importante em nossa natividade, o fulcro, o ponto e figura central é o grande Papai-noel de Pau Doce. Não se trata, é claro, dos já citados “macho-men” de saco vermelho na mão, invasores de lares falsamente enchaminezados. O verdadeiro Papai-noel de Pau Doce, primeiro e único, pouco ou nada, na verdade, nadíssima de nada tem a ver com o velhote comercializado no mundo inteiro. Idoso, gordão, barbona branca, oclinhos sem aro, vestido ridiculamente de vermelho com botas e cinturão pretos, sonorizado por uma risada medonha: Ôuh!Ôuh! Ôuh!Ôuh!Ôuh!Ôuh!Ôuh! O nosso não, só tem em comum, com essa figura esdrúxula, o nome. Para começar, o de Pau Doce é bastante jovem, um garoto mesmo, menino quase, não tendo mais de 75 anos, talvez até algo menos. Magro, magrinho, magérrimo. Botas pretas, combinando com o enorme cintão que lhe cinge a pança. Seus cento e poucos quilos são embrulhados por um conjunto de larguíssimas calças e uma batona folgada de cetim vermelho, com um filete de debrum branco acompanhando as costuras da bata. Na cabeça, decorada por uma longa barba branca e revolta e oclinhos redondos e sem aro, é coberta por um singular e ridículo – ridículo no sentido mais carinhoso possível – barrete com uma ponta branca que lhe chega até quase o ombro. Ele adora ouvir os pedidos das crianças às quais responde, invariavelmente, com uma sonora e agradável gargalhada: Ôuh!Ôuh!Ôuh!Ôuh!Ôuh!Ôuh!Ôuh! É um horror! Mas, por mais horroroso e cafona que ele seja, ele é nosso. Só nós o temos. E isso muito nos orgulha. Além do Papai-noel de Pau Doce, sui-generis, nosso Natal tem outra singularidade: temos aqui algo que a maioria das pessoas nunca viu e não podem sequer imaginar. Trata-se de uma réplica de uma cena bucólica, incrivelmente curiosa. Nela, na maioria das vezes de forma miniaturizada, há muitos personagens rurais com seus inseparáveis animais: carneiros, vacas, burros e até galinhas. Porém, o que lhe dá brilho invulgar, tornando-a uma obra sem igual, ao mesmo tempo, bela e chocante, é que, junto a essas figuras campestres, há, estranhamente, num verdadeiro “non-sense”, a presença de uns seres alados, meio andróginos, e outros ricamente vestidos, que insistem em introduzir no recinto, três camelões enormes, como se nossa zona rural fosse uma sucursal do Jardim Zoológico. Há também uma enorme estrela em posição absurdamente próxima ao solo, colocada sobre uma gruta onde estão postadas mais algumas pessoas e vários animais. Essa cena, não é como pode parecer ao apanacado leitor, única. Por exemplo, montada numa praça, ou outro lugar público. Não, nada disso. Existem centenas de réplicas dessas cenazinhas. Nas casas, nas praças, nas escolas, nas igrejas. Nenhuma exatamente igual à outra, mas todas muito semelhantes. E a cada ano, as pessoas vão agregando mais bugigangas e penduricalhos. E elas desaparecem, como por milagre, uma semana depois do Ano Novo, para reaparecerem, invariavelmente, no Natal seguinte. É incrível. Até hoje, por mais que pesquisemos, não conseguimos saber de onde se originou essa estranha tradição, única em nosso Natal. Só em Pau Doce mesmo!

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