sábado, 4 de dezembro de 2010

40 Supremo estudo superior

Outro dia, no Esfola o Pinto, o boteco do Pinto Mole (na verdade, seu nome completo é o altivo e digníssimo Alcides Aristodemo do Pinto Molerembaun), lá pelas muitas da madrugada, discutíamos pastosamente, entre um coma alcoólico e outro (aliás, ocorrenciazinhas quase diárias e sem importância), a nossa vida em Pau Doce (ou seria a nossa doce em Pau Vida? Não lembro). Lembro, sim, que concordávamos todos que o nosso queridíssimo Pau era o lugar ideal para se viver, que até o final de nossas existências continuaríamos sendo como criancinhas inocentes, quase bebês, mamando e dormindo o tempo todo. E, quando entre nós, alguém quisesse mudar tudo em sua vida, revolucioná-la, era só dar um giro de 360º e, assim, continuaria mamando e dormindo. Mas, se, de fato, resolvesse partir para outra e dar uma guinada de 180º, virava tudo de cabeça para baixo ou de pernas para o ar (segundo o ângulo e a opção sexual) e, aí sim, passaria a viver dormindo e mamando. Lembramos, lembrei, lembrou (não tenho presente se fomos eu ou fui eles) que Pau Doce era maravilhoso porque tinha tudo que alguém podia desejar. Apesar de ser uma minúscula praia do litoral norte do Estado de São Paulo, nada de moderno, tradicional, “in”, e o cacete a quatro, lhe faltava. Tínhamos tudo, absolutamente tudo. Foi aí, eis quando senão que Alguém lembrou (Alguém é o protótipo do desmancha prazer, um mala de 3 toneladas com alça de arame farpado, que no batismo recebeu o sonoríssimo nome de Alguém Dalomba Namatta Virgem) que tínhamos quase tudo, mas não tudo, já que não possuímos uma Universidade. Tínhamos de pipoqueiro à fecundação pela Internet, tínhamos botecos (10 por habitante) e fábrica de camisinha natural, feita com matéria prima produzida por um cruzamento de bicha-da-seda com centopéia voadora, tínhamos vinaterias, cachaçarias, whiskerias, gimzerias, saquerias, rumiserias, conhaquerias, vodkerias, cervejarias e cervejerias, licorerias, camparerias, choperias, vermuterias e o escambauserias. Tínhamos (para feminilizar) a xana ao cubo, mas não uma universidade. Quando ponderamos pra Alguém que Pau Doce era uma praia, que o importante ali era vida mansa, descanso, rede bamba, batucadinhas mil, bebida pra cacete, belisquinhos e transinhas, vida de turista, enfim, ele nos deu um cala-a-boca, dizendo: “e uma universidade, não é exatamente isso? Claro que é. Daí, nossa vocação universitária. E universidade é um negócio que está na moda, cacete!. Nada mais certo pra fazer o camarada recompletar o ânus de dinheiro do que uma universidade”. Aí nossos olhos brilharam. “É o maior milagre da gandaia nacional”, continuou Alguém entusiasmado com a audiência, “a coisa funciona assim: o administrador não administra, o professor não ensina, o aluno não estuda, o diretor não dirige, o secretário não secretaria, feriados às pampas, se pintar uma greve de 6 meses ninguém percebe, e todo mundo fica feliz e todo mundo se forma e todo mundo tem lucro. Como? Milagre, segredo, sei lá”. Convencidos da lacuna em nossa estrutura funcional, resolvemos pôr as mãos à obra em prol da nossa, agora imprescindível, universidade. Primeiro, queríamos um nome. Alguém, novamente, lembrou (Alguém estava com o Capeta) que o quente no momento para nomear cursos superiores, (por mais inferiores que fossem), era começar por “Uni”. Uni-isso, Uni-aquilo, Uni-o cacete. O importante, mesmo que não fosse universidade coisa nenhuma, que fosse um simples cursinho de quinta categoria, eram as três letrinhas iniciais, o resto era detalhe. Claro que se o resto formasse com o Uni um conjunto interessante, melhor, ótimo, ponto pra universidade. Foi aí, nesse momento, que, antes que Alguém lembrasse de mais alguma coisa, o Lesma Lerda (irmão mais novo do Mesma Merda, mais novo, mas é a mesma merda) disse que conhecia, mais do que conhecia, era amigo íntimo de um tal de Aborda, por extenso, Abutre Calhorda (Abutre Calhorda não é, como o inteligentíssimo leitor pode estar pensando, o nome verdadeiro do personagem, mas um carinhoso apelido) que trabalha como corretor de nomes de universidades (faz, também, intermediação de outros nomes como de grupos criminosos, empresas privatizadas e igrejas carismáticas). Se o freguês desejar (desejar em dólar, evidentemente), junto com o nome, o Aborda vende o edifício, já povoado por alunos, professores, funcionários, com estoques verdadeiramente inesgotáveis de provas, todas devidamente respondidas e corrigidas. É possível, por exemplo, comprar uma universidade novinha em folha, zero quilometro, com cheirinho de carro novo, mas com uma tradição histórica de 30, 40, 50 anos, segundo o gosto verdinho do interessado. E se este quiser empregar todos os seus amigos como livre-docentes, mesmo os analfabetos de pai e mãe, a organização educacional já vem com os currículos prontinhos, faltando só sortear as matérias entre o bando e preencher os nomes, RG e CPF dos abnegados cristãos-novos da fauna universitária nacional. Aprovamos, eufóricos, a proposta e encarregamos o Lesma de convocar o Abrutre. Era o tipo do negociador de que nossa universidade necessitava. Dois meses depois, num recorde em se tratando do Lesma Lerda (se tivesse sido o seu irmão, como o leitor já sabe, não mudaria nada, seria o Mesma Merda), lá estava, no mesmo Esfola o Pinto (a futura sede da reitoria da universidade), o sacrossanto negociador de nomes. Foi só bater o olho nele e descobrimos o motivo de seu alado apelido. O nariz era tão adunco que qualquer arara ou periquito o chamaria de primo. Era um abutre. Calhorda ficava, com certeza, por conta de sua retidão de caráter e ilibada reputação (e putação também). Feitas as apresentações de praxe, cerimônia na qual algumas garrafas de destilados eram inerentes por definição, Aborda abriu sua maleta de vendedor e começou a desdobrar sobre a mesa do Esfola catálogos e mais catálogos com centenas de nomes de universidades. Começou mostrando algumas famosas que ele vendera recentemente, na velha tática, manjadíssima, de colocar água na nossa boca. Desfiou ante nossos olhos brilhantes, por exemplo, a Uni-versal (Universidade Verão em Salvador – que foi negociada –porteira fechada- junto com uma igreja do mesmo nome), Uni-cidade (Universidade da Cidade –qualquer cidade), Uni-med (Universidade de Mestres e Doutores), Uni-cover (Universidade do Comando Vermelho), Uni-ban (Universidade de Bangu 1), Uni-forme (Universidade For Men), Uni-sex (Universidade Sem Exames), Uni-sono (Universidade do Sono Noturno), Uni-tário (Universidade Taoista do Rio). E muitíssimas outras. Depois, entrando diretamente em nossa negociação, perguntou nossa opinião sobre o nome Uni-Pau. Achamos, todos, que o nome caia como uma luva, quase como uma camisinha. Porém, o Corvo, Corvo não, o Abutre nos alertou sobre os riscos desse nome quase ideal: o Direito Universitário, essa recente e importante especialidade do mundo jurídico, considerava grave dano patrimonial e moral a “homonímia presumida”, sobre a qual já abunda jurisprudência, caracterizada pela utilização de nomes diferentes, mas com sentidos passíveis de serem confundidos. Quando lhe dissemos que nos parecia que o nome UniPau dificilmente correria esse risco, ele nos desiludiu. Disse-nos que havia vendido algumas instituições que poderiam ingressar em juízo, alegando a “presumida homonimia” e citou suas mais recentes negociações: Uni-pinto (Universidade Pindamonhangaba de Tocantins), Uni-penis (Universidade Dr. Pedro Nicanor da Silva), Uni-bimbo (Universidade Bim Ladem é Bonzinho), para ficar apenas em três, mas havia outras. E havia, também, as de “correlação indireta”, tipificação também conhecida como “homonímia presumida invertida”, que poderiam, facilmente, dar a mesma dor de cabeça, como Uni-xana (Universidade Xavante-Nacionalista), Uni-periquita (Universidade Peripatética Quiminionista de Taumaturgia), Uni-xereca (Universidade Dr. Xerxes de Rebelo Carvalho) e Uni-Buçanha (Universidade Buçalar, Negocial e Habilitadora). Concordamos, então, que o risco de levarmos uma “homonímia presumida”, invertida ou não, pelas fuças era grande. Aceitamos, muito a contragosto, considerar outros nomes do inesgotável estoque do Urubu, quer dizer, do Abutre, para ver se haveria algum que correspondesse às nossas expectativas. E, aí foi um tal de Uni-praia pra cá, Uni-goró pra lá, e Uni-larica, Uni-festa, Uni-balada, Uni-birita, Uni-transa. Esgotamos todo o catálogo do Aborda e nenhum dos nomes nos agradou. Quando sentiu que poderíamos desistir de ter uma universidade paudocense e que havia o sério risco dele perder o negócio, passou a tentar nos convencer de que o risco de um processo judicial era praticamente zero, já que a justiça está sempre em greve e que, se algum dia ela voltar a trabalhar, o que é muito pouco provável, o número de processos será tão abundantemente grande que até, pelo menos, o ano 2300 nós estaríamos livres de qualquer citação. E nos convenceu. Acabamos entrando no seu argumento e compramos o pacote fechado. Prevaleceu UniPau. E compramos tudo: autorização definitiva do MEC, avaliação com nota A do Inep, título de doutor para toda a boemia de Pau Doce, todos os cursos integralmente gravados em vídeo e com imagens holográficas, provas já respondidas e corrigidas por computador, um enorme estoque de CD-room com pesquisas de ponta, todas inéditas. Os primeiros cursos a serem lançados serão os de “Engenharia Química com Ênfase em Bebidas Destiladas e Fermentadas”, “Psicologia do Sono”, “Medicina do Sono”, “Arquitetura do Sono”, “Mestrado e Doutorado em Sonoterapia”, “Pesquisas Avançadas com Canabis Sativa, Extasy e Viagra”, “Pesquisas Mais Avançadas Ainda sobre os Efeitos Positivos na Qualidade de Vida e na Longevidade do Uso Diuturno e Intensivo de Bebidas Alcoólicas”, “Curso Prático de Medicina – A utilização adequada e a habilidade no manuseio dos aparelhos reprodutores masculino e feminino”, “Antropologia Cultural: um sambinha é bom, comer é ótimo, mas beber e dormir é perfeito”, e “Pedagogia dos Jogos de Azar”. Tá tudo pronto, tá tudo dominado, agora é só esperar candidatos do Brasil todo virem fazer nosso vestibular, o mais onesto, cério, e ezigente do pais. Quem paçar em noço ezame e entrar na Uni-pau, será um aluno de tão auto níveu que não vai, jamais, levar pau. Quem vem pra UniPau, leva tudo, menos pau!

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