terça-feira, 27 de julho de 2010

14 Lesbiópolis

No início destas recordações, falei da Glória. A grande Glória de Pau Doce, do seu mini-mercado e do Sans Chupança, seu bar. E disse, ainda, que toda a grana que ela ganha no primeiro deve perder no segundo. Não porque o Sans Chupança seja um mau negócio em si, mas por causa da Roleta. E daí, muitos terem achado que Glória é viciada na própria, (de certa forma, é), ou que seu bar seja um antro do jogo mal administrado e que por isso, (contrariando o que ocorre em qualquer cassino que se preze, onde a casa sempre ganha e os jogadores, inexoravelmente, perdem) seja um ralo pelo qual desaparecem os lucros. Não, não é nada disso. A dita Roleta, responsável, até prova em contrário, pela ida da bovina ao pântano, não é, como parece à primeira vista, uma mesa de jogo, mas a administradora do bar. É isso, Roleta Pinto Durão, seu nome de batismo. Quando o senhor Roberto Durão e a senhora Risoleta Pinto registraram a filha, juntando seus prenomes para formar o da pimpolha (atitude tão comum quanto de mau-gosto) –ROLETA- somando-se a esse desastre o outro, obrigatório, da justaposição dos seus sobrenomes –PINTO DURÃO- quando, enfim, tomaram essa infeliz decisão, não estavam simplesmente dando um nome, uma identificação, um rótulo e sim predeterminando, autocrática e definitivamente, o futuro da menina. Como ser feminina, como usar calcinha e sutiã, como sentar com os joelhos juntos, como ficar ruborizada, como falar com suavidade tendo o nome de Roleta Pinto Durão? Impossível, totalmente impossível. E se Roleta é Pinto e é Durão com as mulheres, principalmente com a Glória, é, no entanto, um desastre administrativo. Para início de conversa, como tem aversão ao masculino, quase proíbe a entrada de homens no Sans Chupança, o que restringe drasticamente a freguesia. Só um círculo de privilegiados é tolerado naquela Ilha de Lesbos de Pau Doce. As mulheres, essas sim, são bem-vindas, mas a fama do bar impede a entrada das socialmente conceituadas, o que, por sorte, em Pau Doce não representa uma expressiva diminuição de clientes. Em todo caso, um bar sem homens (por mais que seja o bar dos sonhos das Roletas) não é lá um grande negócio. Para começar, os funcionários eram, e continuam sendo, escolhidos a dedo, ou melhor, as funcionárias são escolhidas por esse interessante método digital. Os garçons, por exemplo. Não há ali esse tipo de pingüim silencioso e reverente, nem garçonetes coxudas e exuberantes (que por mais que encantem a Roleta, têm o desagradável defeito de atrair marmanjos indesejados), mas meia dúzia (duas sobrariam) de fornidas semifêmeas varoniformes (das que cospem de lado, falam grosso e coçam o quimérico saco ostensivamente) de baixa estatura e alta invocação, com a fórmula da testosterona – C19 H28 O2- tatuada no ranudo e musculoso bíceps (sempre à mostra) e um buço de fazer inveja a qualquer gajo de Trás-os-Montes. Com semelhante tropa-de-choque, os homens passam a quilômetros e as mulheres não se aproximam. O barman, um verdadeiro ícone (não dos profissionais do balcão, mas do movimento “Por um mundo 100”: sem homens e sem crianças), chama-se Cristinão, que, apesar do nome de estádio de futebol, não tem qualquer intimidade com bolas e jogadores e, por não ter a quem servir, nunca se faz de rogado e serve-se a si próprio o tempo todo. Na cozinha, assinam o cardápio a dupla SAPA e TÃO (corruptela de Sapatinha e Ritão, que com os nomes completos atacam, às vezes, de duo sertanejo). As duas (duas?) preparam comidões dignos do mais áspero cangaço, como a famosa “Buchada de bode ao rabo de cascavel”, ou o proscrito “Miolo de macaco-prego com salada de folhas de espinheiro-bravo”, ou, ainda, o “Suflê de fígado de baiacu coberto com gelatina de maravilha de pimenta (pimenta-de-bugre + pimenta-de-fruto-ganchoso + pimenta-de-galinha + pimenta negra + pimenta malagueta + açúcar) e a sobremesa da casa que é “Sorvete de casca de jaca com folhas flambadas de comigo-ninguém-pode”. E, com tudo isso, por incrível que pareça, o Sans Chupança dá prejuízo. O comércio é mesmo uma atividade ingrata...

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