segunda-feira, 12 de julho de 2010

11 Feriados, os verdadeiros dias úteis

O amanhecer em Pau Doce é único. Tudo começa ainda sob o domínio da noite. Escuro, tão escuro quanto os abismos do mar, que dizem ser muito, muito escuros, e eu imagino que sejam mesmo, ainda que de um escuro molhado e frio, friíssimo; escuro como a pele negra da pantera, ou o pelo da pantera negra, talvez não tanto; escuro como a tez bronzeada das mulatas de verão, que de tão queimadas parecem versão humana das panteras, as felinas de acima; escuro, enfim, como tudo que não é claro, claro! E, aos poucos, o escuro céu, ainda com pimpolhas estrelas esmaecendo, sobre um azul, só com dificuldade percebido, um azul ex-negro, (ou ex-curo como diria um tio meu, trocadilhista inveterado e compulsivo), vai-se pintando de luz e, de golpe, sem que se possa precisar o exato momento, se exato momento há, em que a linha divisória noite/dia é cruzada, ela, enfim, é cruzada. É dia. Amanheceu! É único este momento de glória da natureza, esta cerimônia diária a que comparecem, pontualmente, quase todos os seus personagens: céu, montanhas, mar, brisa, mata, sol (este, infelizmente, funcionário nem sempre assíduo e que, às vezes, tem a cara de pau de mandar no seu lugar algum substituto de quinta categoria: o sol nublado, por exemplo). Amanhecer único, em tudo igual ao amanhecer de Posgraduina do Sul, de Abobrais, de Capivarópolis e do Complexo do Alemão, ou seja, que são únicos também, como o de Pau Doce. O bom deste lugar é que tudo aqui, o ritmo de sua vida, segue a lógica da natureza, tudo é absolutamente natural. Assim, após o amanhecer, é natural que todo mundo vá para a cama. Depois de uma longa noite repleta de atividades e peripécias, em que o espírito do folclore e da cultura popular são encarnados por todos e cada um dos seus moradores: jogando cartas e dados, disputando partidas de malha e de porrinha, suando em bate-coxas fenomenais, contando histórias de assombração para as crianças, cantando nas rodas de samba, aprimorando o estado físico em gozosos escambos carnais, praticando o salubérrimo e higieníssimo ato de reidratação orgânica através do emborcamento súbito e da pipetagem homeopática ininterrupta dos mais variados fermentados, destilados e misturados, ensinando aos adolescentes o samba-enredo “A saga gloriosa e sem descanso do fundador Dom Cornélio Manso, da ajuda sem desmaio de Ricardão, seu lacaio e do amor de Pureza Castiça, sua esposa louca por pizza”, saboreando acepipes múltiplos, molhinhos, muquequinhas, lambe-lambes, sandubinhas, enfim, depois das fainas noturnas que qualquer povo honesto e trabalhador deve praticar, a única coisa a fazer (recomendação unânime do médico, do padre, do juiz, do prefeito e do delegado) é ir dormir. Lá pelas treze, quatorze, quinze horas - dependendo das características e das circunstâncias individuais de cada um - é natural o levantar para que se possa gozar de um merecido e reparador desjejum e ir, aos poucos, devagar, muito devagar, acordando, para, como é natural, ao cair da noite, poder encarar um almoço leve e comprometido com o perfil realizador deste povo e, após, a refeição, é naturalíssimo, fazer o quilo, descansando sensatamente para poder preparar-se para a chegante noitada. É natural. Tudo em Pau Doce é natural. Modificações nesse ritmo vital são raríssimas e ocorrem somente em ocasiões previstas no calendário paudocense de feriados, cujos mais importantes são os seguintes:
Janeiro: 1º (Reveillon), 3 (Dia de Pau Doce no C.U. dos Prejudicados), 6 (Dia de Reis), 13 (Dia de Santo Hilário), 17 (Dia de Santo Antão), 23 (Dia do Pipoqueiro), 25 (todo dia 25, independente do mês, é feriado: Dia do dia sem festa- Dddsf), 28 (Festa do Abacate com Açúcar);
Fevereiro: 2 (Dia da Lavagem da Praia), Carnaval (variável), 9 (Dia do Crupiê), 16 (Dia do Cabide), 20 (Dia do Gosto de Cabo de Guarda-chuva), 25 (Dddsf), 31 (Dia de Pau Doce);
Março: 1º (Dia do Cantor de Bolero), 6 (Dia da Noite, afinal, ela também merece um Dia), 13 (Dia de Zumbi), 17 (transferência da festa do dia 25 de março: Dia do Comércio e Bebércio), 25 (Dddsf); 26 (Dia do Dedo Duro e do Exame de Toque);
Abril: 1º (Dia da Mídia), Semana Santa (variável), 10 (Dia da Omelete), 19 (Dia de Waikiki, praia irmã de Pau Doce), 22 (Festa do Tríplice Vaso: Sangüíneo, Dilatador e Sanitário), 25 (Dddsf);
Maio: 1º (Dia do Descanso), 3 (Dia do Baiacu), 12 (Dia de São Pancrácio), 18 (Dia do Bingo), 25 (Dddsf), 27 (Dia do 3º Sargento);
Junho: 1º (Dia do Catador de Papel), 11 (Dia do Óleo de Soja), 13 (Dia de Santo Antônio), 18 (Dia do Angu de Caroço), 24 (Dia de São João), 25 (Dddsf), 29 (Dia de São Pedro);
Julho: 3 (Dia de Santa Isabel), 9 (Dia do Desfile de 9 de Julho), 14 (Dia da Liberdade, Igualdade e Fraternidade), 16 (Dia da Campanha de Vacinação em Massa Contra a Constipação e a Espinhela Caída), 20 (Dia de São Vinte), 25 (Dddsf), 27 (Dia do Jabaculê);
Agosto: 2 (Dia da Luta pela Preservação da Hiena e do Abutre), 6 (Dia da Síndrome da Menstruação Masculina), 13 (Dia do Gato Preto), 20 (Dia da Marmita), 25 (Dddsf); Setembro: 1 a 15 (Quinzena da Pátria), 19 (Dia das Dores de Corno e de Cotovelo), 24 (véspera do dia 25), 25 (Dddsf);
Outubro: 1º (aniversário da Dona Cotinha do Quibe), 12 (Dia da Romaria para Aparecida), 15 (Dia do Guardanapo-de-papel), 25 (Dddsf), 29 (Dia do Pintor de Rodapé);
Novembro:1º (Dia de Todos os Santos), 2 (Dia do Descanso II, o Definitivo), 3 (Dia do Sonrisal), 5 (Dia do Médico Protologista), 15 (Dia da Enfermeira do Médico Protologista), 19 (Dia do Salário Mínimo), 25 (Dddsf);
Dezembro: 2 (Dia da Capivara e do Triângulo Escaleno), 8 (Dia do Torresmo Pururuca), 12 (Dia de Natal), 15 (Dia do Espelho Retrovisor), 18 (Dia do Anão de Jardim), 25 (Dddsf), 30 (Dia Internacional da Luta pela Dessogralização da Família), 31 (véspera do Réveillon) e mais os fins-de-semana (sextas, sábados, domingos e segundas). A diferença destas datas especiais é que, ao contrário dos dias úteis, (nos quais as noites começam às 23 horas), elas têm início às 6 horas da tarde, indo o sono regular até as 5 e, eliminado o desjejum, parte-se direto para o almoço. Duvido que em qualquer outro lugar do mundo, mesmo em países como Tartarugândia, Ilhas Sossego e Tranquilim e Terra do Nunca, a vida seja tão regrada, com um ritmo tão consoante com os ditames da natureza.

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