sábado, 12 de junho de 2010

5 Os prejudicados

Coisas curiosas acontecem em Pau Doce. Às vezes um fato sem qualquer importância, por alguma razão, perdura, se avoluma aos poucos, sobrevive no tempo, até transformar-se em algo da própria cultura paudocense. Um deles, por exemplo, é o fato desta pequena e paradisíaca praia, perdida no litoral norte de São Paulo, em nada lembrando uma estação de águas medicinais ou uma região de curas carismáticas, ter se transformado num centro de peregrinações de enfermos acometidos de males que afligem o nervo orgásmico e excretor masculino, tais como: flacidez peniana inconsolável, senilidade broxante precoce, implosão molecular de prótese, desemborrachamento abrupto irreversível, decapitação involuntária acidental, decapitação voluntária antropofágica, decapitação por imperícia de terceiros, decapitação por susto inesperado, obstrução do conduto central, elefantíase gonorréica, impossibilidade de constatação visual e tátil (Síndrome do Pequeno Polegar ou do Pau Impaupável) e tantas e tantas outras desgraças que soem abater-se sobre o viril artefato. E por que terá Pau Doce se tornado semelhante fenômeno peregrinativo? Estará se questionando o paquidérmico leitor. Consta que as primeiras famílias fundadoras da vila, falando um português castiço, se referiam ao padre local não como vigário, mas como “Cura”. E, assim, tornou-se costume o povo referir-se a ele como Cura de Pau Doce. E daí, em certo momento do passado remoto, algum desavisado ouvindo a referência ao “Cura de Pau Doce” achou que fosse “a cura do pau doce” e conhecendo alguém com disfunção erétil ou problema assemelhado, intuiu, equivocadamente, que ali, naquela praia, ocorriam curas milagrosas específicas para moléstias e enfermidades do monumento procriador. O povo, sabiamente como sempre, calou-se sobre o engano e transformou-o num engodo lucrativo. Assim, São Vinte de Pau Doce transformou-se no santo protetor da preservação da espécie. Mas, como o paudocense é acima de tudo um sincrético, é aqui que ocorre uma das maiores manifestações candombleísticas de todo o litoral brasileiro: o “dia de Pau Doce do Centro de Umbanda dos Prejudicados”. Festa afro-brasileira cuja comissão organizadora é formada pelas mesmas pessoas da comissão organizadora da festa de São Vinte. Só mudam os cargos. Bom, mudam também as roupas, o local, os cânticos, os instrumentos musicais e as cerimônias. Diferentes, também, os idiomas oficiais: latim acaipirado numa e iorubá acaiçarado noutra. O nome deste grande cenáculo do candomblé nacional: Centro de Umbanda dos Prejudicados, remonta à época da escravidão, ou seja, 1930, 1940, mais ou menos (já que a extinção do escravismo por estas bandas ocorreu na década de 1960, com a ascensão do grande time do Santos, repleto de crioulões imortais, como Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe, (este era branco, mas não podia faltar na escalação)). Assim, os pobres escravos, juntamente com seus irmãos, os escravos pobres, eram “a priori” culpados por tudo o que ocorresse de mal à vila: falta de peixe, enchente, epidemia de disenteria e outros pererecos mais. Culpados e pronto! Sem julgamento, sem judicatório como se dizia então. Eram pré-julgados, “pré-judicados”. O Centro era o abrigo, o asilo, o refúgio, o amparo dos prejudicados. Finda a escravidão, manteve-se o nome, como manda a boa e saudável tradição. Foi também criada, com o objetivo de levantamento de fundos para a manutenção do Centro, uma escola de samba, que teria, (e continua tendo), sempre o mesmo enredo, as mesmas fantasias e o mesmo samba, não havendo, em hipótese alguma, necessidade de desnecessárias alterações, já que, a cada ano, a massa principal dos turistas é sempre nova. Vivos esses Prejudicados! E a grande festa do terreiro paudocense é realizada na época inversa à do padroeiro. São Vinte, em julho, e, em janeiro, o “Dia de Pau Doce no C.U. dos Prejudicados”.

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