segunda-feira, 7 de junho de 2010

4 São Vinte de Pau Doce, rogai por nós!

Ontem foi o dia do padroeiro São Vinte de Pau Doce. Que festa! A vila toda enfeitada. Pau Doce cheio de bandeirinhas, eventos, fogos. Principalmente fogos, de todos os tipos: de whisky, de vodca, de cerveja e de cachaça mesmo. Missa no campo de futebol, jogo de bola no salão da igreja, torneio de tranca (um tipo de baile onde se dança muito agarrado), oferendas na praia ao EXU VEIRINHO e ao EXU RASQUINHO, (Veirinho e Rasquinho formavam, no passado, uma dupla caipira local, que após sua trágica desencarnação – foram desencarnados pela turba ensandecida pela criminosa desafinação do duo – transformaram-se nos principais Exus do candomblé paudocense), campeonato de ronco e apinéia, disputa de afogamento de ganso (apesar dos protestos da SOPROGAN, sociedade protetora dos próprios), torneio de descabelamento de palhaço (em que pese a vaia oriunda da cantina clôwnica, a Palha Assada), uma grande desfeijoada (anti-feijoada na qual o famoso legume pretinho é substituído por longos fiozinhos de massa de farinha de trigo cozidos e misturados a um guisado - que parece substituir as orelhas, pés, rabos de porco, o paio, a linguiça e a carne-seca - feito de suco de tomate com carne de vaca moidinha e orégano, tudo coberto por espessa camada de queijo ralado, evidentemente, alegorizando a farofa, (Apesar de ser uma comida autóctone e autenticamente caiçara, lembra muito um prato típico da colônia italiana)), arena armada para o público assistir a brutais e, às vezes, sangrentas lutas entre aranhas e serpentes, e muitos folguedos com malabaristas, equilibristas, trapezistas e os internacionalmente afamados (mal afamados, diga-se de passagem), engolidores de espada e engolidores de fogo, conhecidos como os “Engolidores de Pau Doce”. Dispostos sobre as calçadas (dispostos é uma força de expressão: quem diz dispostos não dispõe de um dispositivo discernidor para descrever o indescritível), amontoados, digamos, produtos das mais variadas procedências, em especial, da China, de Taiwan e de Muzambinho do Leste, todos oferecidos como localmente manufaturados, mesmo em se tratando de modens para laptop e pênis de silicone (aqui em Pau Doce?). Porém, o grande sucesso de vendas ficou mesmo com o artesanato, tanto o dos “Órfãos de Jimmy Hendrix” como o dos Caiçaralhos, os “Caiçaras Bandalhos”: lingeries, cosméticos naturais, bonecas Barbies feitas de sabugo de milho, mel de ovelhas (típico mel paudocense retirado de favos cultivados na lã das ovelhas), chás afrodisíacos, licores americodizíacos, algumas infusões asiodizíacas e as carimbadíssimas chapeletas (pequeno chapéu de aba de 360 graus e 1 centímetro de largura, copa octogonal, confeccionado em folha de bananeira nanica): as Chapeletas de Pau Doce. Das diversões mais apreciadas, em primeiro lugar disparado, ficaram as apresentações do ceguinho Sé Guinho (Antônio Sé de Oliveira Guinho), o adivinho, que, aliás, além de adivinho se julga o divino, pelo dom que acredita possuir. O mais curioso do fenômeno Sé Guinho, é que ele deve ser o único adivinho no mundo socialmente construído. Explico: Sé Guinho há anos faz adivinhações, milhares por mês, com uma incrível regularidade nas previsões – nunca acertou uma. Uminha sequer. E como se explica que continue na profissão e tão autoconfiante? Deve estar se perguntando o atoleimado leitor. Tudo começou no final da sua adolescência: seus amigos, um grupo de degenerados da pior espécie, resolveram se divertir às suas custas. Como todo cego, Sé Guinho não enxergava (continua não enxergando, segue ceguinho) e, ao não enxergar, era sempre enganado pelos filhos da puta dos amigos, que, num segundo momento, aperfeiçoando a sacanagem, se divertiam fazendo-lhe perguntas para que adivinhasse as respostas sobre o que quer que fosse. Estas, por mais absurdas que fossem, eram sempre consideradas certas. Sé Guinho, no começo, parecia desconfiar, mas, aos poucos, foi ganhando confiança, batia palmas, pulava de alegria, emocionava-se às lagrimas, até virar o que é hoje, o idolatrado Ceguinho Sé Guinho, também chamado por muitos de Sé Guinho Ceguinho (nunca entendi como jamais se equivocam com a inversão dos nomes). Outra razão do seu sucesso é que, como erra sempre, com certeza, não havendo hipótese de acerto, (o que pode ser estatisticamente comprovado), os que o procuram fazem exatamente o contrário do que prediz. E ficam felicíssimos. Sua estrutura de apoio (formada pelos mesmos amigos criadores do seu mito) administra muito bem esse jogo de simulacros, não permitindo nunca que Sé Guinho veja o que de fato acontece (o que é moleza), escondendo dele a grana que entra (o que é muito mais dureza). Nunca explicaram, também, por que o guru não aceita, como as demais personalidades daqui, ser chamado de Sé Guinho do Pau Doce. É possível que tenha receio de que as pessoas, ao invés de usarem o seu nome verdadeiro “Sé Guinho do Pau Doce”, o descriminem, fazendo criminosa referência à sua deficiência, chamando-o de “Ceguinho do Pau Doce”. Vai saber?

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